A fractura do dia seguinte

02-10-2015
marcar artigo

O que parecia impensável há menos de um ano pode acontecer no domingo: o PS perder as eleições.

E perder por responsabilidade própria, única e intransmissível. António Costa e o seu directório acreditaram que o mundo mudava pelo simples movimento de rotação do poder. Que era agora, numa alternância natural que os socialistas velavam na casa de partida. Não foi assim, era preciso mais qualquer coisinha - começando pelo cuidado em evitar o erro. Vai ser sempre poucochinho e o "poucochinho" de Costa não chega.

Pressentiu-se a espessura do erro quando cabeças perderam a lucidez e cegaram na carência de António Costa. Ana Sá Lopes, José Gil, Pacheco Pereira, João Cravinho, quilos de QI, viram Passos Coelho derrotado no segundo debate. Porquê? Porque não transportava programa, tinha castigado o povo, semeava miséria pelas camadas sociais. O caldo que destrói um político. Poderia ser, mas não foi assim que aconteceu, que a cabeça do povo funcionou. Certamente por razões várias e uma simples: Costa não quis, ou não conseguiu, explicar um caminho construído entre a moderação do trabalho dos economistas e o radicalismo mais político da mensagem.

Era preciso carregar o desenho de Mário Centeno. E simplificá-lo sempre que ele conflituasse com a fissura ideológica exposta no PS. Era preciso manha. E ele sabia. Tinha a perfeita noção de que a ingenuidade construtiva de Mário Centeno exigia uma bela dose de astúcia. Foi, em síntese, o que faltou a António Costa numa campanha em que sobejou contratempos e imprevistos.

Claro que houve Sócrates, a Grécia, dinheiro a regressar ao bolso. Mas o erro é da política. Costa permitiu-se começar pelo canto de sereia ao Livre, admitiu a ideia de um candidato presidencial vindo da cintura comunista, aceitou o radicalismo de João Galamba contra a alma moderada de Francisco Assis (traduzida numa precoce e inconveniente aceitação da derrota). E fez de conta que Maria de Belém não corporizava um sinal de afronta. Claro que uma vitória confortável poria o carro nos eixos.

No caminho foi-se construindo o labirinto. Costa não foi capaz de vender duas, três ideias fortes, claras e perceptíveis para o eleitor do centro; não conseguiu envolver dois, três rostos de uma nova competência para o exercício da política. Não foi essa a pauta, António Costa foi surgindo sozinho, ziguezagueante entre a ameaça de partir a loiça (não haveria espaço algum para conversa com o adversário) e o recuo para a linha prudente que habita o partido.

No outro lado, o povo da televisão surpreendia-se com a fórmula "dois em um", num registo afinado, sem falhas perante contrariedade ou obstáculo. O cisma grisalho criou cimento numa relação política de interesse mas com um objectivo tranquilamente assumido: a competência ao serviço do poder. Pedro e Paulo estão longe de serem siameses, mas projectam-se num espelho de estabilidade.

Aqui chegados, importa ver o dia seguinte. Olhar para um cenário de derrota do PS e uma vitória curta da coligação. O pior que poderia acontecer seria a tentação da ‘revanche': perdi no campo, vou ganhar na secretaria. Não acredito que isso aconteça. António Costa respeita-se, respeita a política e o partido em que cresceu. O contrário abriria uma profunda fractura no PS e ofereceria à direita a perspectiva de um longo período no poder.

Conteúdo publicado no Económico à Uma. Subscreva aqui.

O que parecia impensável há menos de um ano pode acontecer no domingo: o PS perder as eleições.

E perder por responsabilidade própria, única e intransmissível. António Costa e o seu directório acreditaram que o mundo mudava pelo simples movimento de rotação do poder. Que era agora, numa alternância natural que os socialistas velavam na casa de partida. Não foi assim, era preciso mais qualquer coisinha - começando pelo cuidado em evitar o erro. Vai ser sempre poucochinho e o "poucochinho" de Costa não chega.

Pressentiu-se a espessura do erro quando cabeças perderam a lucidez e cegaram na carência de António Costa. Ana Sá Lopes, José Gil, Pacheco Pereira, João Cravinho, quilos de QI, viram Passos Coelho derrotado no segundo debate. Porquê? Porque não transportava programa, tinha castigado o povo, semeava miséria pelas camadas sociais. O caldo que destrói um político. Poderia ser, mas não foi assim que aconteceu, que a cabeça do povo funcionou. Certamente por razões várias e uma simples: Costa não quis, ou não conseguiu, explicar um caminho construído entre a moderação do trabalho dos economistas e o radicalismo mais político da mensagem.

Era preciso carregar o desenho de Mário Centeno. E simplificá-lo sempre que ele conflituasse com a fissura ideológica exposta no PS. Era preciso manha. E ele sabia. Tinha a perfeita noção de que a ingenuidade construtiva de Mário Centeno exigia uma bela dose de astúcia. Foi, em síntese, o que faltou a António Costa numa campanha em que sobejou contratempos e imprevistos.

Claro que houve Sócrates, a Grécia, dinheiro a regressar ao bolso. Mas o erro é da política. Costa permitiu-se começar pelo canto de sereia ao Livre, admitiu a ideia de um candidato presidencial vindo da cintura comunista, aceitou o radicalismo de João Galamba contra a alma moderada de Francisco Assis (traduzida numa precoce e inconveniente aceitação da derrota). E fez de conta que Maria de Belém não corporizava um sinal de afronta. Claro que uma vitória confortável poria o carro nos eixos.

No caminho foi-se construindo o labirinto. Costa não foi capaz de vender duas, três ideias fortes, claras e perceptíveis para o eleitor do centro; não conseguiu envolver dois, três rostos de uma nova competência para o exercício da política. Não foi essa a pauta, António Costa foi surgindo sozinho, ziguezagueante entre a ameaça de partir a loiça (não haveria espaço algum para conversa com o adversário) e o recuo para a linha prudente que habita o partido.

No outro lado, o povo da televisão surpreendia-se com a fórmula "dois em um", num registo afinado, sem falhas perante contrariedade ou obstáculo. O cisma grisalho criou cimento numa relação política de interesse mas com um objectivo tranquilamente assumido: a competência ao serviço do poder. Pedro e Paulo estão longe de serem siameses, mas projectam-se num espelho de estabilidade.

Aqui chegados, importa ver o dia seguinte. Olhar para um cenário de derrota do PS e uma vitória curta da coligação. O pior que poderia acontecer seria a tentação da ‘revanche': perdi no campo, vou ganhar na secretaria. Não acredito que isso aconteça. António Costa respeita-se, respeita a política e o partido em que cresceu. O contrário abriria uma profunda fractura no PS e ofereceria à direita a perspectiva de um longo período no poder.

Conteúdo publicado no Económico à Uma. Subscreva aqui.

marcar artigo