O Cachimbo de Magritte: Gran Torino

03-07-2011
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“You don't make up for your sins in church – you do it in the streets." A frase é do filme Mean Streets, de Martin Scorsese, mas podia ilustrar as cenas finais de Gran Torino. É nas ruas que Walt Kowalski (Clint Eastwood) se redime. A cena no confessionário, em que Walt cumpre o dever da confissão mas na verdade não se confessa, demonstra que aquele não é o local certo para a redenção. Às palavras de Walt o padre responde com uma receita clínica de avé-marias. Não serve para nada. A verdadeira confissão acontece depois. Walt e o miúdo Thao separados por uma grade (tal como no confessionário) e o velho a dizer-lhe que matar um homem é uma coisa terrível, um peso que se carrega para o resto da vida.Gran Torino, como muitos dos filmes de Eastwood, é uma obra na qual a natureza das relações familiares é questionada. Walt enviuvou (O rebelde de Kansas, Imperdoável, Mystic River), a relação com os filhos é difícil (Million Dollar Baby), encontra uma família improvável (O Rebelde de Kansas, Um Mundo Perfeito, Million Dollar Baby) e é obrigado a tomar uma decisão drástica que define o seu lugar naquela família e o lugar do homem e do “pai” na sociedade. Nos filmes de Eastwood, o macho americano por excelência, a família é uma construção que depende mais do acaso do que dos laços de sangue. A ausência do pai confere um peso moral (e não apenas biológico) à figura masculina de substituição (Um Mundo Perfeito, Million Dollar Baby, Gran Torino). A personagem de Sean Penn em Mystic River é o verdadeiro paterfamilias, violento e tribal, unido pelo sangue e que apenas pelo sangue pode ser apaziguado, mesmo que para isso tenha de cometer uma injustiça. “Because it's like I told the girls. Their daddy is a king. And a king knows what to do and does it.” São as palavras da mulher (Laura Linney) para a personagem de Sean Penn. A consagração de uma masculinidade primeva, instintiva e brutal que associamos à figura do pai, do protector. Em Gran Torino, é esta figura que Thao procura no velho Kowalski. E o público sente-se confortado quando Dirty Harry regressa das trevas da nossa memória cinéfila e, de arma em punho, expulsa os delinquentes, quando ameaça os pretos, quando espanca o rufia. Thao quer que Kowalski faça justiça pelas próprias mãos. Espera que ele, como homem (“I’m gonna man you up”, promete-lhe Kowalski) e como “pai”, o defenda. Mas aqui, em vez da força do sangue, emerge a força da moral. Kowalski não é um justiceiro. É alguém que quer o melhor para aqueles que agora são a sua família.Em Um Mundo Perfeito, Kevin Costner diz ao miúdo que o carro onde eles viajam é uma máquina do tempo. Gran Torino, o carro e o filme, também são máquinas do tempo. Um tempo do qual Clint Eastwood é senhor e mestre absoluto.


“You don't make up for your sins in church – you do it in the streets." A frase é do filme Mean Streets, de Martin Scorsese, mas podia ilustrar as cenas finais de Gran Torino. É nas ruas que Walt Kowalski (Clint Eastwood) se redime. A cena no confessionário, em que Walt cumpre o dever da confissão mas na verdade não se confessa, demonstra que aquele não é o local certo para a redenção. Às palavras de Walt o padre responde com uma receita clínica de avé-marias. Não serve para nada. A verdadeira confissão acontece depois. Walt e o miúdo Thao separados por uma grade (tal como no confessionário) e o velho a dizer-lhe que matar um homem é uma coisa terrível, um peso que se carrega para o resto da vida.Gran Torino, como muitos dos filmes de Eastwood, é uma obra na qual a natureza das relações familiares é questionada. Walt enviuvou (O rebelde de Kansas, Imperdoável, Mystic River), a relação com os filhos é difícil (Million Dollar Baby), encontra uma família improvável (O Rebelde de Kansas, Um Mundo Perfeito, Million Dollar Baby) e é obrigado a tomar uma decisão drástica que define o seu lugar naquela família e o lugar do homem e do “pai” na sociedade. Nos filmes de Eastwood, o macho americano por excelência, a família é uma construção que depende mais do acaso do que dos laços de sangue. A ausência do pai confere um peso moral (e não apenas biológico) à figura masculina de substituição (Um Mundo Perfeito, Million Dollar Baby, Gran Torino). A personagem de Sean Penn em Mystic River é o verdadeiro paterfamilias, violento e tribal, unido pelo sangue e que apenas pelo sangue pode ser apaziguado, mesmo que para isso tenha de cometer uma injustiça. “Because it's like I told the girls. Their daddy is a king. And a king knows what to do and does it.” São as palavras da mulher (Laura Linney) para a personagem de Sean Penn. A consagração de uma masculinidade primeva, instintiva e brutal que associamos à figura do pai, do protector. Em Gran Torino, é esta figura que Thao procura no velho Kowalski. E o público sente-se confortado quando Dirty Harry regressa das trevas da nossa memória cinéfila e, de arma em punho, expulsa os delinquentes, quando ameaça os pretos, quando espanca o rufia. Thao quer que Kowalski faça justiça pelas próprias mãos. Espera que ele, como homem (“I’m gonna man you up”, promete-lhe Kowalski) e como “pai”, o defenda. Mas aqui, em vez da força do sangue, emerge a força da moral. Kowalski não é um justiceiro. É alguém que quer o melhor para aqueles que agora são a sua família.Em Um Mundo Perfeito, Kevin Costner diz ao miúdo que o carro onde eles viajam é uma máquina do tempo. Gran Torino, o carro e o filme, também são máquinas do tempo. Um tempo do qual Clint Eastwood é senhor e mestre absoluto.

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