O Cachimbo de Magritte: Gays, mas não tanto

03-07-2011
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Ainda não li o artigo sobre o casamento gay que o João Galamba me pediu para comentar, mas faço um pequeno desvio (salvo seja). O Público tem hoje uma entrevista a David Mixner, activista homossexual americano, e inevitavelmente coloca-lhe a questão. A resposta de Mixner é muito semelhante à que Ana Zanatti deu há tempos ao mesmo jornal sobre o mesmíssimo tema. O casamento gay "é uma questão de direitos humanos. Sem o casamento estima-se que mais de mil direitos e vantagens legais estejam a ser negados à população LGBT." Invocar os direitos humanos e equiparar ao racismo a suposta discriminação dos homossexuais tem sido a linha de argumentação militante a favor do casamento gay. Mixner glosa este mote obrigatório - e é mesmo obrigatório porque "as pesssoas têm que discutir certos assuntos", ainda que causem "desconforto social". Mas logo a seguir acrescenta que "pessoalmente não me quereria casar, não é uma instituição que me seja apelativa". E conclui que a luta se justifica, contudo, porque "não se pode dizer a alguém para desistir dos seus direitos como ser humano". Esta entrevista fez-me lembrar outra de Ana Zanatti ao Público, aqui há uns tempos. Perante a mesma questão, a actriz apelava também aos direitos humanos, assumindo a sua homossexualidade, para acrescentar de imediato que não queria casar. Tal como a esmagadora maioria dos homossexuais, acrescento. Mesmo nos países onde o casamento gay existe, e incluo aqui os estados americanos referidos por Mixner, a percentegem de homossexuais que se casam é ínfima (à volta de 0,5% do total). O que me faz alguma confusão, tenho que admitir. Eu sei que não passo de um homofóbico reaccionário, mas expliquem-me uma coisa: se não querem casar, porque é que querem o casamento? O casamento permitiria aos gays ter acesso a mais de mil direitos e vantagens legais, mas afinal não é uma instituição apelativa? Então o que é uma instituição apelativa? Não se pode dizer a alguém para desistir dos seus direitos como ser humano, mas Mixner, Ana Zanatti e muitos outros desistem? Serão menos humanos por isso ou o casamento não é assim tão fundamental? A resposta é óbvia. Os homossexuais não querem o casamento, mas o reconhecimento social da homossexualidade. Um caminho perigoso para a democracia, ao contrário do que dizem, porque faz depender os direitos dos cidadãos da sua pertença a uma comunidade particular e não da igualdade entre todos os indivíduos (o maior erro do artigo supracitado, diga-se de passagem, ou pelo menos do excerto citado pelo João Galamba). Para se corrigir uma discriminação, cria-se outra. Para se proteger uma minoria, tribaliza-se a sociedade. Um cidadão deixa de ser titular de direitos individuais para ter direitos de grupo. Reparem como Mixner defende a eleição de um Presidente gay: "Se já temos Obama, porque não nós?" Por outras palavras, se os negros já têm o seu Presidente, porque não os gays? Qual a tribo que se segue no direito de ter alguém na Casa Branca? Os daltónicos?Eu pensava que Obama tinha sido eleito pelo carisma, pelo programa, pela campanha, e não pela cor da pele. Puro engano. Assim o diz David Mixner, activista gay, democrata e alguém que "trabalhou muito para que ele fosse eleito". Só não sei ao serviço de que tribo.


Ainda não li o artigo sobre o casamento gay que o João Galamba me pediu para comentar, mas faço um pequeno desvio (salvo seja). O Público tem hoje uma entrevista a David Mixner, activista homossexual americano, e inevitavelmente coloca-lhe a questão. A resposta de Mixner é muito semelhante à que Ana Zanatti deu há tempos ao mesmo jornal sobre o mesmíssimo tema. O casamento gay "é uma questão de direitos humanos. Sem o casamento estima-se que mais de mil direitos e vantagens legais estejam a ser negados à população LGBT." Invocar os direitos humanos e equiparar ao racismo a suposta discriminação dos homossexuais tem sido a linha de argumentação militante a favor do casamento gay. Mixner glosa este mote obrigatório - e é mesmo obrigatório porque "as pesssoas têm que discutir certos assuntos", ainda que causem "desconforto social". Mas logo a seguir acrescenta que "pessoalmente não me quereria casar, não é uma instituição que me seja apelativa". E conclui que a luta se justifica, contudo, porque "não se pode dizer a alguém para desistir dos seus direitos como ser humano". Esta entrevista fez-me lembrar outra de Ana Zanatti ao Público, aqui há uns tempos. Perante a mesma questão, a actriz apelava também aos direitos humanos, assumindo a sua homossexualidade, para acrescentar de imediato que não queria casar. Tal como a esmagadora maioria dos homossexuais, acrescento. Mesmo nos países onde o casamento gay existe, e incluo aqui os estados americanos referidos por Mixner, a percentegem de homossexuais que se casam é ínfima (à volta de 0,5% do total). O que me faz alguma confusão, tenho que admitir. Eu sei que não passo de um homofóbico reaccionário, mas expliquem-me uma coisa: se não querem casar, porque é que querem o casamento? O casamento permitiria aos gays ter acesso a mais de mil direitos e vantagens legais, mas afinal não é uma instituição apelativa? Então o que é uma instituição apelativa? Não se pode dizer a alguém para desistir dos seus direitos como ser humano, mas Mixner, Ana Zanatti e muitos outros desistem? Serão menos humanos por isso ou o casamento não é assim tão fundamental? A resposta é óbvia. Os homossexuais não querem o casamento, mas o reconhecimento social da homossexualidade. Um caminho perigoso para a democracia, ao contrário do que dizem, porque faz depender os direitos dos cidadãos da sua pertença a uma comunidade particular e não da igualdade entre todos os indivíduos (o maior erro do artigo supracitado, diga-se de passagem, ou pelo menos do excerto citado pelo João Galamba). Para se corrigir uma discriminação, cria-se outra. Para se proteger uma minoria, tribaliza-se a sociedade. Um cidadão deixa de ser titular de direitos individuais para ter direitos de grupo. Reparem como Mixner defende a eleição de um Presidente gay: "Se já temos Obama, porque não nós?" Por outras palavras, se os negros já têm o seu Presidente, porque não os gays? Qual a tribo que se segue no direito de ter alguém na Casa Branca? Os daltónicos?Eu pensava que Obama tinha sido eleito pelo carisma, pelo programa, pela campanha, e não pela cor da pele. Puro engano. Assim o diz David Mixner, activista gay, democrata e alguém que "trabalhou muito para que ele fosse eleito". Só não sei ao serviço de que tribo.

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