Processo de Ruína em Curso

17-10-2011
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Nos anos 70 - em comparação, a única outra grande crise entre a Grande Depressão e a crise atual -, o choque petrolífero apanhou Portugal em pleno processo revolucionário. Saído de uma ditadura, acabando uma guerra colonial, discutindo a sua inserção geopolítica entre dois superpoderes, a Europa ou o Terceiro Mundo, o país atingiu o ponto de ebulição durante seis meses em 1975 - que foi também o ponto alto da crise internacional. Desde então, há uma direita portuguesa que culpa aquela meia-dúzia de meses transcorridos há mais de 30 anos pela maioria dos problemas atuais de Portugal.

A propósito disso pensei há tempos escrever uma crónica com o título: "Última Hora! O PREC já acabou". Só que, entretanto, começou um novo PREC.

Como o outro PREC, este desenvolve-se em simbiose com uma crise internacional, mas com um debate ainda mais exageradamente paroquial, e de sinal contrário ao PREC original, praticamente como uma révanche histórica deste. As medidas que Pedro Passos Coelho anunciou na semana passada pretendem muito mais do que apenas cumprir com os objectivos anunciados para o défice, respeitar o memorando da tróica, ou seguir as doutrinas vigentes na União Europeia. Tal como vigorosamente defendido na batalha de ideias que ocorreu em Portugal nos últimos anos, a intenção é ir mais longe, moldar o país à contra-imagem que a direita tem dele como vivendo "acima das suas possibilidades". Será necessário cortar os salários em 20 a 30 por cento, deixar o desemprego subir tudo o que houver para subir, e amputar o Estado da sua função social.

Não vai ficar pedra sobre pedra.

Como todas as revoluções, este PREC tem os seus crentes, os seus clientes e os seus dementes. Quando os planos começam a falhar, é muito difícil, e quase inútil, conseguir distinguir uns dos outros.

Nem os comentadores governistas gastam já muito tempo a defender a racionalidade económica destas medidas. Pelo tom, acho que até duvidam dos futuros portugais que cantam competitividade, que eles tanto prometeram, mas parece que não são já para manhã.

Não. A nova piada é que estas medidas servem apenas para mostrar a nossa determinação. Assim, dizem, vamos conseguir margem para uma nova negociação, mais dinheiro, e outros prazos.

É muito difícil, como digo, aquilatar do sentido de realidade desta gente. Quando tiverem falhado as metas para o défice, ninguém lá das Europas nos vai elogiar pela determinação. O veredito vai ser simplesmente que falhámos. A sentença vai ser redobrar a dose. E este Governo não vai ter nada para dizer contra as regras do jogo, pois foram eles o representante oficial deste jogo em Portugal.

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E, no entanto, não houve momento deste caminho que não tivesse sido previsto. E não houve passo em que não tivessem sido apresentadas alternativas melhores. Seria fácil recuperar aqui dois anos de previsões e propostas alternativas, mas neste momento já toda a gente sente que a questão é outra.

Nós não temos um problema de análise desta crise - o sistema financeiro entrou numa fase predatória que é possível inverter. O problema que temos é antes de fracasso da oposição político-partidária à crise - pela sua divisão, incapacidade e inconsequência.

O movimento dos indignados, acerca do qual escreverei na próxima crónica, é o diagnóstico, ora explícito, ora implícito, do que ficou no parágrafo anterior. Historiador. Deputado independente ao Parlamento Europeu (http://twitter.com/ruitavares); a pedido do autor, este artigo respeita as normas do Acordo Ortográfico

Nos anos 70 - em comparação, a única outra grande crise entre a Grande Depressão e a crise atual -, o choque petrolífero apanhou Portugal em pleno processo revolucionário. Saído de uma ditadura, acabando uma guerra colonial, discutindo a sua inserção geopolítica entre dois superpoderes, a Europa ou o Terceiro Mundo, o país atingiu o ponto de ebulição durante seis meses em 1975 - que foi também o ponto alto da crise internacional. Desde então, há uma direita portuguesa que culpa aquela meia-dúzia de meses transcorridos há mais de 30 anos pela maioria dos problemas atuais de Portugal.

A propósito disso pensei há tempos escrever uma crónica com o título: "Última Hora! O PREC já acabou". Só que, entretanto, começou um novo PREC.

Como o outro PREC, este desenvolve-se em simbiose com uma crise internacional, mas com um debate ainda mais exageradamente paroquial, e de sinal contrário ao PREC original, praticamente como uma révanche histórica deste. As medidas que Pedro Passos Coelho anunciou na semana passada pretendem muito mais do que apenas cumprir com os objectivos anunciados para o défice, respeitar o memorando da tróica, ou seguir as doutrinas vigentes na União Europeia. Tal como vigorosamente defendido na batalha de ideias que ocorreu em Portugal nos últimos anos, a intenção é ir mais longe, moldar o país à contra-imagem que a direita tem dele como vivendo "acima das suas possibilidades". Será necessário cortar os salários em 20 a 30 por cento, deixar o desemprego subir tudo o que houver para subir, e amputar o Estado da sua função social.

Não vai ficar pedra sobre pedra.

Como todas as revoluções, este PREC tem os seus crentes, os seus clientes e os seus dementes. Quando os planos começam a falhar, é muito difícil, e quase inútil, conseguir distinguir uns dos outros.

Nem os comentadores governistas gastam já muito tempo a defender a racionalidade económica destas medidas. Pelo tom, acho que até duvidam dos futuros portugais que cantam competitividade, que eles tanto prometeram, mas parece que não são já para manhã.

Não. A nova piada é que estas medidas servem apenas para mostrar a nossa determinação. Assim, dizem, vamos conseguir margem para uma nova negociação, mais dinheiro, e outros prazos.

É muito difícil, como digo, aquilatar do sentido de realidade desta gente. Quando tiverem falhado as metas para o défice, ninguém lá das Europas nos vai elogiar pela determinação. O veredito vai ser simplesmente que falhámos. A sentença vai ser redobrar a dose. E este Governo não vai ter nada para dizer contra as regras do jogo, pois foram eles o representante oficial deste jogo em Portugal.

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E, no entanto, não houve momento deste caminho que não tivesse sido previsto. E não houve passo em que não tivessem sido apresentadas alternativas melhores. Seria fácil recuperar aqui dois anos de previsões e propostas alternativas, mas neste momento já toda a gente sente que a questão é outra.

Nós não temos um problema de análise desta crise - o sistema financeiro entrou numa fase predatória que é possível inverter. O problema que temos é antes de fracasso da oposição político-partidária à crise - pela sua divisão, incapacidade e inconsequência.

O movimento dos indignados, acerca do qual escreverei na próxima crónica, é o diagnóstico, ora explícito, ora implícito, do que ficou no parágrafo anterior. Historiador. Deputado independente ao Parlamento Europeu (http://twitter.com/ruitavares); a pedido do autor, este artigo respeita as normas do Acordo Ortográfico

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