Entrevista Rui Vilar"A fundação não quer ser ministério da Cultura"

17-10-2011
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Em Paris, a Fundação Calouste Gulbenkian muda agora de casa e tem novas ambições. "Não é possível discutir migrações, ambiente, inovação, num quadro estritamente nacional", diz Rui Vilar, presidente da fundação. "Não fazemos nenhum desinvestimento a nível cultural"

A delegação da Gulbenkian em Paris muda-se hoje do seu edifício histórico no número 51 da Avenue d"Iéna para novas instalações - um edifício renovado, no Boulevard de la Tour Maubourg. É aí que passará a funcionar, em muito melhores condições, a biblioteca de 20 mil volumes (a maior de língua portuguesa fora de Portugal e do Brasil), ao lado de um espaço de exposições, e de uma sala polivalente. O projecto não significa um desinvestimento nem em Portugal nem na cultura, garante o presidente da fundação, Emílio Rui Vilar.

Por que é que a fundação decidiu reforçar a presença em Paris?

A nossa presença em Paris de uma forma activa vem desde 1965. O centro foi instalado na residência do fundador e até à abertura do Instituto Camões foi designado Centro Cultural Português. Nos últimos anos, com a orientação geral da fundação, mais dirigida aos grandes temas contemporâneos, e uma vocação mais internacional, abrimos a outras áreas que não as relações culturais luso-francesas e a cultura portuguesa.

A âncora continua a ser uma grande biblioteca lusófona - a maior de língua portuguesa fora de Portugal e do Brasil -, mas a programação abordará temas sociais, científicos e não apenas as humanidades. O director será o professor João Caraça, que se tem preocupado não só com os temas de ciências sociais, mas com a interacção entre a cultura científica e a humanística.

Que expectativas tem a fundação?

Queremos entrar nos circuitos culturais de Paris sobretudo através da maneira como vamos tratar as grandes questões contemporâneas. O programa Próximo Futuro vai ser apresentado no Théâtre de La Ville, por exemplo.

Vamos ter uma biblioteca com 20 mil volumes em livre acesso e todas as condições de acesso às bases de dados que estão disponíveis, vamos ter também uma sala multimédia dirigida sobretudo ao público mais jovem e também uma boa sala de exposições e uma sala polivalente com 140 lugares, o que nos dá mais 50% de capacidade do que tínhamos na Avenue d"Iéna.

É um investimento de quanto?

Cerca de um milhão de euros. Mas o orçamento anual do centro não se vai alterar profundamente. O que vamos fazer é uma alocação diferente dos recursos e aproveitar mais aquilo que fazemos em Lisboa e em Londres, procurando um efeito multiplicador.

Mas porquê apostar no reforço da presença internacional numa altura em que o país precisa particularmente de instituições como a Gulbenkian?

Primeiro, o fundador quis esta fundação para "toda a humanidade". Segundo, hoje não é possível abordar determinados temas - migrações, diálogo intercultural, ambiente, inovação social - num quadro estritamente nacional. A única maneira de sermos úteis, abrindo caminhos também para a sociedade portuguesa, é colocarmo-nos nessa perspectiva.

Assistimos a cortes no sector da cultura. Este desinvestimento...

Mas nós não fazemos nenhum desinvestimento a nível cultural. A nossa temporada de música é talvez uma das maiores de sempre. Vamos abrir no dia 20 uma exposição internacional [A Perspectiva das Coisas: a Natureza-morta na Europa, séculos XIX e XX], que é um grande investimento, trazendo a Lisboa os grandes nomes da pintura do século XIX e da primeira metade do século XX. Vai sair o primeiro volume das obras completas do Eduardo Lourenço, editado por nós.

Não há nenhuma redução daquilo que é o contributo da fundação para a cultura portuguesa. O que não podemos é ignorar os sinais dos tempos, e uma fundação deve ser um agente de futuro.

Houve uma fase em que Portugal não tinha praticamente política cultural e a fundação era vista quase como um ministério da Cultura...

... sempre recusei essa fórmula, porque a fundação não é nem quer ser um ministério da Cultura.

... mas era vista como referência. Numa entrevista recente, dizia que esse momento tinha sido ultrapassado e que hoje o papel da fundação é outro.

Portugal hoje é muito diferente do que era nos anos de 1950. Hoje em Lisboa a dificuldade é ter tempo para poder ver tudo o que vale a pena.

Há o risco dessa produção cultural vir a sofrer no futuro?

Não deixaremos de estar atentos a esse fenómeno e a fundação terá a flexibilidade para poder realinhar a sua intervenção. Mas não é apenas uma instituição cultural. Temos quatro áreas de intervenção - as artes, a educação, a ciência, a beneficência - e temos que fazer uma aferição cuidada de prioridades. Não há nenhum desinvestimento nas áreas culturais. Mas temos que dar atenção a outras temáticas que são cruciais para o futuro das nossas sociedades.

Sente que existe a expectativa de que a fundação volte a substituir o Estado na área cultural?

No fim do ano, vamos fazer um inquérito de opinião que costumamos fazer de dois em dois anos, para perceber o relacionamento que os públicos têm com a fundação. Se for necessário, teremos a flexibilidade para fazer realinhamentos de prioridades.

Outra área em que pode haver essa expectativa é a das bolsas?

Ainda não houve da parte do sector público, nas bolsas em que actuamos (de doutoramento e pós-graduação), nenhum desinvestimento, e o que tem sido dito pelo Governo é que na área da ciência não haverá uma grande penalização. Mas estaremos atentos.

Quais são então os temas prioritários para a fundação?

A mobilidade social, o ambiente e a sustentabilidade, o diálogo entre culturas e o papel das minorias, e a inovação social, onde se inclui a questão do empreendedorismo, a investigação científica. E as doenças negligenciadas, nas quais a indústria farmacêutica não tem investido o suficiente para encontrar soluções.

Disse recentemente que era preciso distinguir as fundações privadas das outras. Porquê?

Falei enquanto presidente do Centro Português de Fundações. O nosso entendimento é que não se deve tratar de maneira igual coisas que são radicalmente diferentes. Uma coisa são as fundações públicas, embora algumas revistam a forma de direito privado, outra são as privadas que resultam da filantropia. As medidas do Estado devem ser diferentes. Numa altura em que é mais necessário que nunca que a sociedade civil responda perante a contracção do Estado em algumas das suas áreas de intervenção, é mau dar um sinal negativo levantando um clima de suspeição sobre as fundações privadas.

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Já existem os mecanismos legais - estatuto de utilidade pública, benefícios fiscais - para o Estado intervir quando as fundações se desviem das finalidades que justificaram esses estatutos. Porventura esses mecanismos não são diligentemente usados, mas esse não é um problema das fundações, é da administração pública.

Nas últimas semanas surgiram notícias sobre a sua sucessão, nomeadamente a possibilidade de uma direcção bicéfala. Confirma?

Não comento essas notícias, que fazem parte da liberdade de imaginação das pessoas. Terminarei o meu segundo mandato em Maio. Antes disso a fundação escolherá um novo presidente de acordo com os métodos estabelecidos nos estatutos.

Em Paris, a Fundação Calouste Gulbenkian muda agora de casa e tem novas ambições. "Não é possível discutir migrações, ambiente, inovação, num quadro estritamente nacional", diz Rui Vilar, presidente da fundação. "Não fazemos nenhum desinvestimento a nível cultural"

A delegação da Gulbenkian em Paris muda-se hoje do seu edifício histórico no número 51 da Avenue d"Iéna para novas instalações - um edifício renovado, no Boulevard de la Tour Maubourg. É aí que passará a funcionar, em muito melhores condições, a biblioteca de 20 mil volumes (a maior de língua portuguesa fora de Portugal e do Brasil), ao lado de um espaço de exposições, e de uma sala polivalente. O projecto não significa um desinvestimento nem em Portugal nem na cultura, garante o presidente da fundação, Emílio Rui Vilar.

Por que é que a fundação decidiu reforçar a presença em Paris?

A nossa presença em Paris de uma forma activa vem desde 1965. O centro foi instalado na residência do fundador e até à abertura do Instituto Camões foi designado Centro Cultural Português. Nos últimos anos, com a orientação geral da fundação, mais dirigida aos grandes temas contemporâneos, e uma vocação mais internacional, abrimos a outras áreas que não as relações culturais luso-francesas e a cultura portuguesa.

A âncora continua a ser uma grande biblioteca lusófona - a maior de língua portuguesa fora de Portugal e do Brasil -, mas a programação abordará temas sociais, científicos e não apenas as humanidades. O director será o professor João Caraça, que se tem preocupado não só com os temas de ciências sociais, mas com a interacção entre a cultura científica e a humanística.

Que expectativas tem a fundação?

Queremos entrar nos circuitos culturais de Paris sobretudo através da maneira como vamos tratar as grandes questões contemporâneas. O programa Próximo Futuro vai ser apresentado no Théâtre de La Ville, por exemplo.

Vamos ter uma biblioteca com 20 mil volumes em livre acesso e todas as condições de acesso às bases de dados que estão disponíveis, vamos ter também uma sala multimédia dirigida sobretudo ao público mais jovem e também uma boa sala de exposições e uma sala polivalente com 140 lugares, o que nos dá mais 50% de capacidade do que tínhamos na Avenue d"Iéna.

É um investimento de quanto?

Cerca de um milhão de euros. Mas o orçamento anual do centro não se vai alterar profundamente. O que vamos fazer é uma alocação diferente dos recursos e aproveitar mais aquilo que fazemos em Lisboa e em Londres, procurando um efeito multiplicador.

Mas porquê apostar no reforço da presença internacional numa altura em que o país precisa particularmente de instituições como a Gulbenkian?

Primeiro, o fundador quis esta fundação para "toda a humanidade". Segundo, hoje não é possível abordar determinados temas - migrações, diálogo intercultural, ambiente, inovação social - num quadro estritamente nacional. A única maneira de sermos úteis, abrindo caminhos também para a sociedade portuguesa, é colocarmo-nos nessa perspectiva.

Assistimos a cortes no sector da cultura. Este desinvestimento...

Mas nós não fazemos nenhum desinvestimento a nível cultural. A nossa temporada de música é talvez uma das maiores de sempre. Vamos abrir no dia 20 uma exposição internacional [A Perspectiva das Coisas: a Natureza-morta na Europa, séculos XIX e XX], que é um grande investimento, trazendo a Lisboa os grandes nomes da pintura do século XIX e da primeira metade do século XX. Vai sair o primeiro volume das obras completas do Eduardo Lourenço, editado por nós.

Não há nenhuma redução daquilo que é o contributo da fundação para a cultura portuguesa. O que não podemos é ignorar os sinais dos tempos, e uma fundação deve ser um agente de futuro.

Houve uma fase em que Portugal não tinha praticamente política cultural e a fundação era vista quase como um ministério da Cultura...

... sempre recusei essa fórmula, porque a fundação não é nem quer ser um ministério da Cultura.

... mas era vista como referência. Numa entrevista recente, dizia que esse momento tinha sido ultrapassado e que hoje o papel da fundação é outro.

Portugal hoje é muito diferente do que era nos anos de 1950. Hoje em Lisboa a dificuldade é ter tempo para poder ver tudo o que vale a pena.

Há o risco dessa produção cultural vir a sofrer no futuro?

Não deixaremos de estar atentos a esse fenómeno e a fundação terá a flexibilidade para poder realinhar a sua intervenção. Mas não é apenas uma instituição cultural. Temos quatro áreas de intervenção - as artes, a educação, a ciência, a beneficência - e temos que fazer uma aferição cuidada de prioridades. Não há nenhum desinvestimento nas áreas culturais. Mas temos que dar atenção a outras temáticas que são cruciais para o futuro das nossas sociedades.

Sente que existe a expectativa de que a fundação volte a substituir o Estado na área cultural?

No fim do ano, vamos fazer um inquérito de opinião que costumamos fazer de dois em dois anos, para perceber o relacionamento que os públicos têm com a fundação. Se for necessário, teremos a flexibilidade para fazer realinhamentos de prioridades.

Outra área em que pode haver essa expectativa é a das bolsas?

Ainda não houve da parte do sector público, nas bolsas em que actuamos (de doutoramento e pós-graduação), nenhum desinvestimento, e o que tem sido dito pelo Governo é que na área da ciência não haverá uma grande penalização. Mas estaremos atentos.

Quais são então os temas prioritários para a fundação?

A mobilidade social, o ambiente e a sustentabilidade, o diálogo entre culturas e o papel das minorias, e a inovação social, onde se inclui a questão do empreendedorismo, a investigação científica. E as doenças negligenciadas, nas quais a indústria farmacêutica não tem investido o suficiente para encontrar soluções.

Disse recentemente que era preciso distinguir as fundações privadas das outras. Porquê?

Falei enquanto presidente do Centro Português de Fundações. O nosso entendimento é que não se deve tratar de maneira igual coisas que são radicalmente diferentes. Uma coisa são as fundações públicas, embora algumas revistam a forma de direito privado, outra são as privadas que resultam da filantropia. As medidas do Estado devem ser diferentes. Numa altura em que é mais necessário que nunca que a sociedade civil responda perante a contracção do Estado em algumas das suas áreas de intervenção, é mau dar um sinal negativo levantando um clima de suspeição sobre as fundações privadas.

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Já existem os mecanismos legais - estatuto de utilidade pública, benefícios fiscais - para o Estado intervir quando as fundações se desviem das finalidades que justificaram esses estatutos. Porventura esses mecanismos não são diligentemente usados, mas esse não é um problema das fundações, é da administração pública.

Nas últimas semanas surgiram notícias sobre a sua sucessão, nomeadamente a possibilidade de uma direcção bicéfala. Confirma?

Não comento essas notícias, que fazem parte da liberdade de imaginação das pessoas. Terminarei o meu segundo mandato em Maio. Antes disso a fundação escolherá um novo presidente de acordo com os métodos estabelecidos nos estatutos.

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