O estado a que chegou a nação

11-11-2013
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Os Comentários do prof. Marmelo Lello Marmelo (conhecido igualmente por uma miríade de pseudónimos que vai usando de acordo com a oportunidade, e também por Manuel João Vieira, vocalista dos escatológicos Ena Pá 2000) tentou, em 2000, a candidatura presidencial, sob o lema «só desisto se for eleito». Um dos seus projectos emblemáticos era, na altura, "alcatifar Portugal"; infelizmente, as assinaturas que conseguiu então reunir não foram (muito convenientemente) aceites pelas entidades oficiais, que deste modo eliminaram antes da partida o único candidato que prometia trazer alguma novidade à campanha eleitoral. O candidato a candidato presidencial veste agora o fato de comentador político, numa entrevista ao semanário musical "Blitz". Desta vez ele não é candidato. Esperam-nos as legislativas, não as presidenciais, e Lello Minsk, Lello Marmelo ou Candidato Vieira (que, como se sabe, são pessoas diferentes) não quer ser primeiro-ministro de Portugal. Deseja, isso sim, tornar-se presidente e, para isso, está disposto a aguardar pela altura certa de tomar o lugar de Jorge Sampaio. Não obstante, Vieira não se retirou da vida pública e assume-se agora como o comentador oficial do Blitz para as Legislativas 2005. Portugal ainda vai a tempo de dar ouvidos à voz mais clarividente da campanha eleitoral. Cada português merece o seu colector foto-voltaico. Que balanço faz o comentador Vieira da campanha eleitoral, até ao momento? Até agora não se tem assistido a qualquer debate de ideias, mas um combate de boxe entre manetas - os candidatos tentam dar com o cotovelo porque não têm mãos. O descrédito dos políticos é total, por isso proponho que se retirem os políticos da política em Portugal. A política é uma coisa demasiado séria para ser feita por políticos e a intervenção dos cidadãos é a única forma de salvar a política. Mas, infelizmente, os portugueses têm defeitos congénitos e não percebem que têm de perceber alguma coisa de alguma coisa. Criticam os sintomas da aparição da lepra da política mas não se interessam pelos mecanismos que fizeram nascer o problema - como a falta de interesse, de organização e de vontade. É um ciclo vicioso. Neste momento, o que os portugueses têm a fazer é votar maciçamente em branco. É isso que vai fazer o eleitor Vieira? Enquanto eleitor, estou muito indeciso entre o voto em branco e não ir votar. Outra coisa é fazer desenhos [nos boletins de voto]: desenhar caralhos, frases como «vão para a puta que pariu». E fazer uma exposição desses rascunhos na Escola Superior de Belas Artes. São esboços que mostram imaginação e vontade de intervir na política. Acho que devíamos interpretar esses sinais como sendo os mais sérios por parte dos portugueses em relação a um futuro melhor. A chave não estará tanto nos votos em branco, que são inexpressivos, mas sim na expressão plástica e artística. José Sócrates parece bem posicionado para ganhar. O eleitorado pode confiar num homem que mente em relação à cor dos seus próprios olhos? Já ouvi muitas perguntas estúpidas na minha longa carreira como estadista político. E barbeiro. A verdade é que a cor dos olhos dos políticos é indiferente - o que interessa é a cor das suas ideias, das suas propostas. Que continua a ser cinzenta. Menos no caso do dr. Sousa Lopes, que é um catálogo da Robbialac. Como é que o analista Vieira vê a postura do actual primeiro-ministro nesta campanha? Gostei da táctica do dr. Santana Sousa Lopes, que inventou coisas - e eu compreendo onde é que ele quer chegar. Eu podia dizer isto: «sou contra a legalização da pedofilia e gostava de ouvir os senhores do outro partido a dizerem a mesma coisa porque acho que eles não pensam da mesma maneira»; «sou contra violar, matar e degolar 300 freiras e gostava que o meu adversário dissesse a mesma coisa, porque não me parece que seja essa a sua intenção»; «sou contra arrasar-se a Ilha da Madeira com uma bomba nuclear, mas não me parece que este senhor pense assim». Lançar insinuações é muito interessante - queria dar uma nota positiva ao dr. Sousa Lopes pelo contributo para a dignificação do diálogo político. E que ensinamentos retira o ideólogo Vieira dos últimos cinco meses de governação? O balanço é, em primeiro lugar, o de um salto. Um salto no ponto de vista político. Nem um salto em frente, nem um salto atrás. Um salto para cima e para baixo. Há todo um desfilar em catadupa de acções incoerentes que são salutares porque, apesar de tudo, são acções. E prefere-se a acção à inacção - ainda que haja quem diga que mais vale não fazer nada do que fazer merda. O dr. Sousa Lopes tem isso de positivo em toda a sua incoerência e contradição: mexeu-se. A imagem fotográfica que temos dele é muito desfocada, foi tirada com um tempo muito lento de exposição e, ao mesmo tempo, com a câmara muito aberta. É uma imagem muito desfocada dos vários movimentos do governo. Sobretudo, o dr. Sousa Lopes conseguiu roubar ao meu programa político para 2001 uma série de lugares-comuns perfeitamente demagógicos criados por mim. Mas não soube coordená-los nem dar-lhes sentido porque o meu programa é científico, simbólico e críptico - e ele não tinha a chave para o descodificar. As acções são incoerentes e tentam desenhar um simulacro de ideias e um projecto político que, na realidade, não existe. Existem só sinais abstractos. É arte contemporânea o que o dr. Sousa Lopes está a fazer. Ele é um artista com algum valor, talvez o melhor artista que temos no governo. Vai deixar muitas saudades, mas outros tempos virão. Jerónimo de Sousa, o candidato do PCP, é - nas sondagens - o mais desconhecido de todos os líderes partidários. Quem é ele, afinal? Jerónimo de Sousa é um excelente bailarino e uma pessoa alegre. Todo o problema do governo, quando o presidente resolveu despedir o dr. Sousa Lopes, teve a ver com a dança de Jerónimo de Sousa. Ele calçou os seus mocassins de guerreiro, iniciou uma dança da chuva, uma dança de guerra que ecoou e ribombou por todo o lado. O resultado foi este: o presidente Jorge Sampaio - que nunca teria nos seus planos fazer fosse o que fosse porque é uma pessoa muito moderada -, devido às ondas hipnóticas emanadas pela dança de guerra do camarada Jerónimo e em quase coma, em estado cataléptico, despediu o dr. Sousa Lopes. Jerónimo de Sousa é uma pessoa muito mais subtil do que parece. Todo aquele imaginário que liga o Jerónimo de Sousa a um passado operário é mentira. Na verdade é um andróide manufacturado no Japão pelos chineses e que tem como objectivo aquilo que os chineses têm: dominar o mundo. Começam nas lojas dos 300 e vão acabar por dominar a nossa vida. A maior parte dos nossos líderes é chinesa. O Durão Barroso é chinês e onde é que ele está agora? Está a mandar na Comunidade Europeia. E, por acaso, a máscara do dr. Durão Barroso nem é das mais bem feitas. Que futuro antevê o visionário Vieira para o cenário político em Portugal? Os partidos continuam presos a um modelo de democracia que nunca existiu e têm de ser reciclados, provavelmente fazendo «joint ventures» entre partidos - criando, por exemplo, o CDS-PCP. Precisamos de políticos que compreendam a sociedade actual e a melhor maneira de os encontrar é indo aleatoriamente à lista telefónica. As pessoas estão agarradas a discursos medievais. O país saíu do Neolítico há pouco tempo e fez uma revolução da cultura baseada na Deusa-mãe e no menir para uma cultura do tipo kitsch austríaco do fim do século XIX, em que vivemos agora, mas com materiais modernos de construção civil - casas de banho e assim. As nossas elites não têm uma cultura por aí além. Têm dinheiro mas não têm cultura. Não estou a ver como é que se pode ultrapassar esta situação, a não ser com as propostas do Presidente Vieira. Conhecendo os riscos que o povo iraquiano correu quando se dirigia às urnas para votar, que perigo correm os portugueses para se registar sempre um nível tão elevado de abstenção? Em primeiro lugar, os pombos: os pombos em Portugal têm o hábito de defecar em cima das pessoas que vão votar. Depois, cagalhões na rua. Cascas de banana. Uma pessoa arrisca-se a tropeçar e a morrer - a morte mais estúpida que pode existir. Ou, se não morrer, a aterrar com o nariz nos ditos cagalhões. Eu já disse que queria criar um cargo municipal que é o apanhador de cagalhões. Apanhador de cagalhão é um profissional equipado de material ultra-sofisticado com radar. Pode ver um cagalhão mesmo à noite com visões de ultra-vermelho. E as verdadeiras razões? Será que os políticos estão, realmente, interessados em que os portugueses votem? Será que as televisões estão preocupadas em que os portugueses votem? Não me parece. Está a criar-se - e isso é deliberado - um clima para que cada vez haja mais alheamento da política, para que as pessoas intervenham cada vez menos. As pessoas são um factor incómodo na política. Apesar de o resultado ser sempre o mesmo - PS ou PSD - há sempre uma minúscula possibilidade de as pessoas se chatearem com isto tudo e votarem noutra coisa qualquer. Por isso, quanto mais estupidificadas as pessoas ficarem, menos imprevisibilidade existe. E isto é uma atitude consciente dos media de entorpecimento, que são as televisões. A política de contenção de despesas satisfez o economista Vieira? Aquela senhora muito magra, a dra. Manuela Ferreira Leite, terá feito um esforço patético de contenção das despesas nacionais, rapidamente desfeito a seguir pelo dr. Sousa Lopes. Não sei para que é que ela fez aquilo, para depois fazerem aqueloutro. Os portugueses não se deviam preocupar com a contenção das despesas porque, a partir do momento em que não tivermos dinheiro algum - que é o que vai acontecer - também já não vamos fazer despesas. Como analisa o geo-estratega Vieira a presença de forças portuguesas no Iraque? Em política internacional quanto pior, melhor. O problema é se nós vamos ter acesso a algum do petróleo a que os americanos vão ter acesso. Gostei muito quando o dr. Sousa Lopes se declarou satisfeito com as eleições do Iraque e acho que é louvável o facto de os xiitas e os curdos poderem votar (é estranho os sunitas não terem votado). Se se dividisse aquele país numa república federal, era fácil arranjar espaço para alguns portugueses irem para lá. Como o dr. Sousa Lopes e outros políticos portugueses que defendem a paricipação portuguesa na guerra do Iraque. Onde é que se deveria fazer a co-incineração? Talvez na Ilha da Madeira ou nas Ilhas Desertas, que são um paraíso natural. Para que é que a gente precisa de um paraíso natural? Nunca ouvi coisa mais estúpida. O contribuinte Vieira concorda com o actual sistema fiscal? A minha proposta, nada demagógica, era os portugueses deixarem de pagar impostos e pedir aos espanhóis para pagarem impostos por nós. Se Portugal tiver a bomba atómica isso será mais fácil. Para que é que queremos submarinos nucleares? Precisamos é de bombas nucleares, precisamos de ter uma maneira de dialogar a bem com o resto do mundo... Embora já tenhamos algumas armas secretas, por exemplo, os exércitos de ratazanas de Mafra que arrasam tudo em seu caminho e atacam à noite. Também estou, por carolice, a formar o coro de ratazanas de Mafra. Ficam tão bonitas a cantar com aqueles dentinhos... Na ordem do dia parece estar a questão do casamento entre homossexuais. É uma discussão essencial? Estou-me perfeitamente a borrifar para o casamento como instituição, acho que as famílias hoje em dia já não são como as do Neolítico. Têm de aprender a estruturar as suas vidas, não devem depender de um Estado completamente ultrapassado. Devem ser elas próprias a criar as suas instituições, tomar sobre os seus ombros as responsabilidades e não as delegar numa entidade pardacenta, lenta e estúpida como é o Estado. Ou então devem aprofundar a democracia no sentido de elas próprias serem o Estado e o Estado sermos todos nós. O Estado é tudo sem haver compartimentos estanques: sou eu, é uma ratazana de Mafra, é o meu gato. O que alteraria o constitucionalista Vieira na Lei do Aborto? O que penso em relação à Lei do Aborto está pressuposto quando digo que as pessoas devem tomar sobre si próprias a maneira como organizam as suas vidas. Não estou a dizer para as pessoas se matarem umas às outras. O aborto é uma questão estúpida e falsa. As pessoas estão a levar com areia nos olhos com os paneleiros e o aborto. Não há pachorra para essa merda. Onde é que se devem colocar os professores? Talvez no meio da auto-estrada para se fazer umas gincanas. Seria interessante e seria útil como prova de perícia. Os professores deveriam ensinar e as crianças deveriam aprender. Num país onde o nível cultural é inferior ao da Somália e da Albânia somado ao nível das Ilhas Maldivas numa equação da raiz quadrada da Etiópia com a República da Gonorreia, verificamos que é necessário investir em professores. Os professores devem ser colocados no interior do país e as populações devem ser obrigadas a voltar para o interior do país, para as aldeias que abandonaram. Neste aspecto, proponho medidas regressivas, prometendo boas condições de vida no interior - e isto não é nada demagógico, nada. Outra coisa que proponho é que se abra finalmente uma auto-estrada do litoral para o interior do país - ninguém pensou nisso ainda. Ou um sistema de metropolitano entre o interior e o litoral. Apostar na qualidade de vida nas aldeias e mandar para lá os professores. E apostar na prostituição para que os professores que estão longe das suas famílias se sintam acompanhados - mas prostituição de qualidade, que englobe não só o aspecto puramente sexual mas também o aspecto emocional e a figura da mãe, a mãe de aluguer mas para adultos. Uma pessoa em cima da qual possamos chorar, a quem possamos dizer «mãezinha, prepare-me uma canja». Que faça com que essas pessoas sintam algum tipo de raiz quando vão desterradas para essas terras. Há algum político do qual o saudosista Vieira sinta falta? No outro dia, vinha num taxi e o taxista disse «isto aqui já não vai com dois nem três Salazares, isto agora só com um Marquês do Pombal ou dois é que lá ia!». Pessoalmente, não sinto a falta de um político em particular embora simpatize com o Rei D. Carlos I, que era aquele rei que chegava aqui, de iate, à barra do Tejo e dizia: «cá estamos outra vez na parvónia». Esse rei era simpático, embora politicamente incorrecto. Como é que o militar Vieira engendraria um golpe de estado? Começava pelas Ilhas Desertas, um sítio estratégico porque dominávamos os coelhos, fazíamos uma churrascada e podíamos dizer que aquele território seria uma zona libertada da humanidade não havendo lá nenhuma humanidade a não ser as nossas tropas. O golpe de estado que deve ser levado a cabo é um golpe de estado das nossas consciências. Não tanto militar mas a nível cultural e psicológico, um golpe de estado na origem da razão e da fundação da nossa nacionalidade. Temos um problema de identidade. Existem dois países: um é Portugal, o outro é Lagutrop, o inverso de Portugal. Neste momento, em que país é que vivemos? Há um país paralelo, uma economia paralela, políticos paralelos. Os políticos que estão no poder inverteram Portugal, viraram o país ao contrário. Se não for um dia presidente de Portugal, serei do país simétrico, paralelo, do reflexo do espelho. E convido as pessoas a virem comigo. O psicanalista Vieira pensa mesmo que um povo inteiro pode estar a sofrer um problema de personalidade? As pessoas só sabem pensar dentro de premissas muito apertadas das quais temos de sair. A maneira mais simples de sair destas premissas é através do instrumento do absurdo. O absurdo é uma ferramenta que nós podemos utilizar para repensar as nossas formas tradicionais de pensar, que não servem. Temos de utilizar maneiras de nos colocarmos de fora deste cubo mágico que não tem solução. As pessoas pensam que é possível combiná-lo de determinada maneira, mas estão erradas. A única solução é sairmos do cubo, desta prisão, deste espartilho de ideias e convenções invisíveis controladas por chineses, extra-terrestres, o dr. Sousa Lopes e meia dúzia de miúdas. É muito simples: basta sairmos do mundo facilmente seguro da televisão. As pessoas vivem dentro da televisão. O estadista Vieira consegue imaginar um governo para Lagutrop? Sempre defendi que os membros da Assembleia da República deviam ser escolhidos não pelo voto, mas à sorte. Eu tiraria à sorte. Pegaria na lista telefónica, ia lá buscar umas pessoas. Também podíamos ir buscar estrangeiros - os melhores nas suas competências - e pagar-lhes a mesma coisa que recebem nos seus trabalhos e mais um bocadinho. Talvez valha a pena porque um pouco de competência técnica não pode fazer mal. Pode não resolver nada, mas mal é que não vai fazer. Pegávamos nas pessoas mais interessantes para os diversos casos, enquadrando-as na teologia organizacional e ideológica da Presidência Vieira, envolta nas brumas do V Império: de um lado, tínhamos a competência e a tecnologia; do outro lado, o nevoeiro que torna a possível chegada de D. Sebastião, esse alienígena estranho que eu defendo que nunca existiu. E um slogan da futura candidatura Vieira? O slogan da minha campanha passada foi «só desisto se for eleito», porque este país é como uma batata demasiado quente: uma pessoa mal toca nela, manda-a logo embora. Os cidadãos devem ser mais activos e cultivar a sua própria horta dentro de casa. Devem ser eles próprios a fazer as suas pastas de dentes. Cada português tem de ser auto-suficiente, produzir energias alternativas através de coletes especiais que estou a mandar fazer com colectores foto-voltaicos, com uma ventoinha na cabeça e cuecas especiais que aproveitam as emanações de gases naturais do corpo - Portugal pode ser uma nação extremamente rica, as pessoas não têm é ideias. Têm medo da cultura, medo de serem felizes. E medo de serem ousadas. Medo de vencer. Os portugueses são órfãos de um papão desaparecido há muito tempo e sentem a sua falta. Têm um laço afectivo quase inquebrantável com essa figura que deixou de existir há muito - mas os fantasmas só existem se as pessoas acreditarem neles. Entrevista de Ana Markl e Luís Guerra, "Blitz" 7.Fev.05 .

Os Comentários do prof. Marmelo Lello Marmelo (conhecido igualmente por uma miríade de pseudónimos que vai usando de acordo com a oportunidade, e também por Manuel João Vieira, vocalista dos escatológicos Ena Pá 2000) tentou, em 2000, a candidatura presidencial, sob o lema «só desisto se for eleito». Um dos seus projectos emblemáticos era, na altura, "alcatifar Portugal"; infelizmente, as assinaturas que conseguiu então reunir não foram (muito convenientemente) aceites pelas entidades oficiais, que deste modo eliminaram antes da partida o único candidato que prometia trazer alguma novidade à campanha eleitoral. O candidato a candidato presidencial veste agora o fato de comentador político, numa entrevista ao semanário musical "Blitz". Desta vez ele não é candidato. Esperam-nos as legislativas, não as presidenciais, e Lello Minsk, Lello Marmelo ou Candidato Vieira (que, como se sabe, são pessoas diferentes) não quer ser primeiro-ministro de Portugal. Deseja, isso sim, tornar-se presidente e, para isso, está disposto a aguardar pela altura certa de tomar o lugar de Jorge Sampaio. Não obstante, Vieira não se retirou da vida pública e assume-se agora como o comentador oficial do Blitz para as Legislativas 2005. Portugal ainda vai a tempo de dar ouvidos à voz mais clarividente da campanha eleitoral. Cada português merece o seu colector foto-voltaico. Que balanço faz o comentador Vieira da campanha eleitoral, até ao momento? Até agora não se tem assistido a qualquer debate de ideias, mas um combate de boxe entre manetas - os candidatos tentam dar com o cotovelo porque não têm mãos. O descrédito dos políticos é total, por isso proponho que se retirem os políticos da política em Portugal. A política é uma coisa demasiado séria para ser feita por políticos e a intervenção dos cidadãos é a única forma de salvar a política. Mas, infelizmente, os portugueses têm defeitos congénitos e não percebem que têm de perceber alguma coisa de alguma coisa. Criticam os sintomas da aparição da lepra da política mas não se interessam pelos mecanismos que fizeram nascer o problema - como a falta de interesse, de organização e de vontade. É um ciclo vicioso. Neste momento, o que os portugueses têm a fazer é votar maciçamente em branco. É isso que vai fazer o eleitor Vieira? Enquanto eleitor, estou muito indeciso entre o voto em branco e não ir votar. Outra coisa é fazer desenhos [nos boletins de voto]: desenhar caralhos, frases como «vão para a puta que pariu». E fazer uma exposição desses rascunhos na Escola Superior de Belas Artes. São esboços que mostram imaginação e vontade de intervir na política. Acho que devíamos interpretar esses sinais como sendo os mais sérios por parte dos portugueses em relação a um futuro melhor. A chave não estará tanto nos votos em branco, que são inexpressivos, mas sim na expressão plástica e artística. José Sócrates parece bem posicionado para ganhar. O eleitorado pode confiar num homem que mente em relação à cor dos seus próprios olhos? Já ouvi muitas perguntas estúpidas na minha longa carreira como estadista político. E barbeiro. A verdade é que a cor dos olhos dos políticos é indiferente - o que interessa é a cor das suas ideias, das suas propostas. Que continua a ser cinzenta. Menos no caso do dr. Sousa Lopes, que é um catálogo da Robbialac. Como é que o analista Vieira vê a postura do actual primeiro-ministro nesta campanha? Gostei da táctica do dr. Santana Sousa Lopes, que inventou coisas - e eu compreendo onde é que ele quer chegar. Eu podia dizer isto: «sou contra a legalização da pedofilia e gostava de ouvir os senhores do outro partido a dizerem a mesma coisa porque acho que eles não pensam da mesma maneira»; «sou contra violar, matar e degolar 300 freiras e gostava que o meu adversário dissesse a mesma coisa, porque não me parece que seja essa a sua intenção»; «sou contra arrasar-se a Ilha da Madeira com uma bomba nuclear, mas não me parece que este senhor pense assim». Lançar insinuações é muito interessante - queria dar uma nota positiva ao dr. Sousa Lopes pelo contributo para a dignificação do diálogo político. E que ensinamentos retira o ideólogo Vieira dos últimos cinco meses de governação? O balanço é, em primeiro lugar, o de um salto. Um salto no ponto de vista político. Nem um salto em frente, nem um salto atrás. Um salto para cima e para baixo. Há todo um desfilar em catadupa de acções incoerentes que são salutares porque, apesar de tudo, são acções. E prefere-se a acção à inacção - ainda que haja quem diga que mais vale não fazer nada do que fazer merda. O dr. Sousa Lopes tem isso de positivo em toda a sua incoerência e contradição: mexeu-se. A imagem fotográfica que temos dele é muito desfocada, foi tirada com um tempo muito lento de exposição e, ao mesmo tempo, com a câmara muito aberta. É uma imagem muito desfocada dos vários movimentos do governo. Sobretudo, o dr. Sousa Lopes conseguiu roubar ao meu programa político para 2001 uma série de lugares-comuns perfeitamente demagógicos criados por mim. Mas não soube coordená-los nem dar-lhes sentido porque o meu programa é científico, simbólico e críptico - e ele não tinha a chave para o descodificar. As acções são incoerentes e tentam desenhar um simulacro de ideias e um projecto político que, na realidade, não existe. Existem só sinais abstractos. É arte contemporânea o que o dr. Sousa Lopes está a fazer. Ele é um artista com algum valor, talvez o melhor artista que temos no governo. Vai deixar muitas saudades, mas outros tempos virão. Jerónimo de Sousa, o candidato do PCP, é - nas sondagens - o mais desconhecido de todos os líderes partidários. Quem é ele, afinal? Jerónimo de Sousa é um excelente bailarino e uma pessoa alegre. Todo o problema do governo, quando o presidente resolveu despedir o dr. Sousa Lopes, teve a ver com a dança de Jerónimo de Sousa. Ele calçou os seus mocassins de guerreiro, iniciou uma dança da chuva, uma dança de guerra que ecoou e ribombou por todo o lado. O resultado foi este: o presidente Jorge Sampaio - que nunca teria nos seus planos fazer fosse o que fosse porque é uma pessoa muito moderada -, devido às ondas hipnóticas emanadas pela dança de guerra do camarada Jerónimo e em quase coma, em estado cataléptico, despediu o dr. Sousa Lopes. Jerónimo de Sousa é uma pessoa muito mais subtil do que parece. Todo aquele imaginário que liga o Jerónimo de Sousa a um passado operário é mentira. Na verdade é um andróide manufacturado no Japão pelos chineses e que tem como objectivo aquilo que os chineses têm: dominar o mundo. Começam nas lojas dos 300 e vão acabar por dominar a nossa vida. A maior parte dos nossos líderes é chinesa. O Durão Barroso é chinês e onde é que ele está agora? Está a mandar na Comunidade Europeia. E, por acaso, a máscara do dr. Durão Barroso nem é das mais bem feitas. Que futuro antevê o visionário Vieira para o cenário político em Portugal? Os partidos continuam presos a um modelo de democracia que nunca existiu e têm de ser reciclados, provavelmente fazendo «joint ventures» entre partidos - criando, por exemplo, o CDS-PCP. Precisamos de políticos que compreendam a sociedade actual e a melhor maneira de os encontrar é indo aleatoriamente à lista telefónica. As pessoas estão agarradas a discursos medievais. O país saíu do Neolítico há pouco tempo e fez uma revolução da cultura baseada na Deusa-mãe e no menir para uma cultura do tipo kitsch austríaco do fim do século XIX, em que vivemos agora, mas com materiais modernos de construção civil - casas de banho e assim. As nossas elites não têm uma cultura por aí além. Têm dinheiro mas não têm cultura. Não estou a ver como é que se pode ultrapassar esta situação, a não ser com as propostas do Presidente Vieira. Conhecendo os riscos que o povo iraquiano correu quando se dirigia às urnas para votar, que perigo correm os portugueses para se registar sempre um nível tão elevado de abstenção? Em primeiro lugar, os pombos: os pombos em Portugal têm o hábito de defecar em cima das pessoas que vão votar. Depois, cagalhões na rua. Cascas de banana. Uma pessoa arrisca-se a tropeçar e a morrer - a morte mais estúpida que pode existir. Ou, se não morrer, a aterrar com o nariz nos ditos cagalhões. Eu já disse que queria criar um cargo municipal que é o apanhador de cagalhões. Apanhador de cagalhão é um profissional equipado de material ultra-sofisticado com radar. Pode ver um cagalhão mesmo à noite com visões de ultra-vermelho. E as verdadeiras razões? Será que os políticos estão, realmente, interessados em que os portugueses votem? Será que as televisões estão preocupadas em que os portugueses votem? Não me parece. Está a criar-se - e isso é deliberado - um clima para que cada vez haja mais alheamento da política, para que as pessoas intervenham cada vez menos. As pessoas são um factor incómodo na política. Apesar de o resultado ser sempre o mesmo - PS ou PSD - há sempre uma minúscula possibilidade de as pessoas se chatearem com isto tudo e votarem noutra coisa qualquer. Por isso, quanto mais estupidificadas as pessoas ficarem, menos imprevisibilidade existe. E isto é uma atitude consciente dos media de entorpecimento, que são as televisões. A política de contenção de despesas satisfez o economista Vieira? Aquela senhora muito magra, a dra. Manuela Ferreira Leite, terá feito um esforço patético de contenção das despesas nacionais, rapidamente desfeito a seguir pelo dr. Sousa Lopes. Não sei para que é que ela fez aquilo, para depois fazerem aqueloutro. Os portugueses não se deviam preocupar com a contenção das despesas porque, a partir do momento em que não tivermos dinheiro algum - que é o que vai acontecer - também já não vamos fazer despesas. Como analisa o geo-estratega Vieira a presença de forças portuguesas no Iraque? Em política internacional quanto pior, melhor. O problema é se nós vamos ter acesso a algum do petróleo a que os americanos vão ter acesso. Gostei muito quando o dr. Sousa Lopes se declarou satisfeito com as eleições do Iraque e acho que é louvável o facto de os xiitas e os curdos poderem votar (é estranho os sunitas não terem votado). Se se dividisse aquele país numa república federal, era fácil arranjar espaço para alguns portugueses irem para lá. Como o dr. Sousa Lopes e outros políticos portugueses que defendem a paricipação portuguesa na guerra do Iraque. Onde é que se deveria fazer a co-incineração? Talvez na Ilha da Madeira ou nas Ilhas Desertas, que são um paraíso natural. Para que é que a gente precisa de um paraíso natural? Nunca ouvi coisa mais estúpida. O contribuinte Vieira concorda com o actual sistema fiscal? A minha proposta, nada demagógica, era os portugueses deixarem de pagar impostos e pedir aos espanhóis para pagarem impostos por nós. Se Portugal tiver a bomba atómica isso será mais fácil. Para que é que queremos submarinos nucleares? Precisamos é de bombas nucleares, precisamos de ter uma maneira de dialogar a bem com o resto do mundo... Embora já tenhamos algumas armas secretas, por exemplo, os exércitos de ratazanas de Mafra que arrasam tudo em seu caminho e atacam à noite. Também estou, por carolice, a formar o coro de ratazanas de Mafra. Ficam tão bonitas a cantar com aqueles dentinhos... Na ordem do dia parece estar a questão do casamento entre homossexuais. É uma discussão essencial? Estou-me perfeitamente a borrifar para o casamento como instituição, acho que as famílias hoje em dia já não são como as do Neolítico. Têm de aprender a estruturar as suas vidas, não devem depender de um Estado completamente ultrapassado. Devem ser elas próprias a criar as suas instituições, tomar sobre os seus ombros as responsabilidades e não as delegar numa entidade pardacenta, lenta e estúpida como é o Estado. Ou então devem aprofundar a democracia no sentido de elas próprias serem o Estado e o Estado sermos todos nós. O Estado é tudo sem haver compartimentos estanques: sou eu, é uma ratazana de Mafra, é o meu gato. O que alteraria o constitucionalista Vieira na Lei do Aborto? O que penso em relação à Lei do Aborto está pressuposto quando digo que as pessoas devem tomar sobre si próprias a maneira como organizam as suas vidas. Não estou a dizer para as pessoas se matarem umas às outras. O aborto é uma questão estúpida e falsa. As pessoas estão a levar com areia nos olhos com os paneleiros e o aborto. Não há pachorra para essa merda. Onde é que se devem colocar os professores? Talvez no meio da auto-estrada para se fazer umas gincanas. Seria interessante e seria útil como prova de perícia. Os professores deveriam ensinar e as crianças deveriam aprender. Num país onde o nível cultural é inferior ao da Somália e da Albânia somado ao nível das Ilhas Maldivas numa equação da raiz quadrada da Etiópia com a República da Gonorreia, verificamos que é necessário investir em professores. Os professores devem ser colocados no interior do país e as populações devem ser obrigadas a voltar para o interior do país, para as aldeias que abandonaram. Neste aspecto, proponho medidas regressivas, prometendo boas condições de vida no interior - e isto não é nada demagógico, nada. Outra coisa que proponho é que se abra finalmente uma auto-estrada do litoral para o interior do país - ninguém pensou nisso ainda. Ou um sistema de metropolitano entre o interior e o litoral. Apostar na qualidade de vida nas aldeias e mandar para lá os professores. E apostar na prostituição para que os professores que estão longe das suas famílias se sintam acompanhados - mas prostituição de qualidade, que englobe não só o aspecto puramente sexual mas também o aspecto emocional e a figura da mãe, a mãe de aluguer mas para adultos. Uma pessoa em cima da qual possamos chorar, a quem possamos dizer «mãezinha, prepare-me uma canja». Que faça com que essas pessoas sintam algum tipo de raiz quando vão desterradas para essas terras. Há algum político do qual o saudosista Vieira sinta falta? No outro dia, vinha num taxi e o taxista disse «isto aqui já não vai com dois nem três Salazares, isto agora só com um Marquês do Pombal ou dois é que lá ia!». Pessoalmente, não sinto a falta de um político em particular embora simpatize com o Rei D. Carlos I, que era aquele rei que chegava aqui, de iate, à barra do Tejo e dizia: «cá estamos outra vez na parvónia». Esse rei era simpático, embora politicamente incorrecto. Como é que o militar Vieira engendraria um golpe de estado? Começava pelas Ilhas Desertas, um sítio estratégico porque dominávamos os coelhos, fazíamos uma churrascada e podíamos dizer que aquele território seria uma zona libertada da humanidade não havendo lá nenhuma humanidade a não ser as nossas tropas. O golpe de estado que deve ser levado a cabo é um golpe de estado das nossas consciências. Não tanto militar mas a nível cultural e psicológico, um golpe de estado na origem da razão e da fundação da nossa nacionalidade. Temos um problema de identidade. Existem dois países: um é Portugal, o outro é Lagutrop, o inverso de Portugal. Neste momento, em que país é que vivemos? Há um país paralelo, uma economia paralela, políticos paralelos. Os políticos que estão no poder inverteram Portugal, viraram o país ao contrário. Se não for um dia presidente de Portugal, serei do país simétrico, paralelo, do reflexo do espelho. E convido as pessoas a virem comigo. O psicanalista Vieira pensa mesmo que um povo inteiro pode estar a sofrer um problema de personalidade? As pessoas só sabem pensar dentro de premissas muito apertadas das quais temos de sair. A maneira mais simples de sair destas premissas é através do instrumento do absurdo. O absurdo é uma ferramenta que nós podemos utilizar para repensar as nossas formas tradicionais de pensar, que não servem. Temos de utilizar maneiras de nos colocarmos de fora deste cubo mágico que não tem solução. As pessoas pensam que é possível combiná-lo de determinada maneira, mas estão erradas. A única solução é sairmos do cubo, desta prisão, deste espartilho de ideias e convenções invisíveis controladas por chineses, extra-terrestres, o dr. Sousa Lopes e meia dúzia de miúdas. É muito simples: basta sairmos do mundo facilmente seguro da televisão. As pessoas vivem dentro da televisão. O estadista Vieira consegue imaginar um governo para Lagutrop? Sempre defendi que os membros da Assembleia da República deviam ser escolhidos não pelo voto, mas à sorte. Eu tiraria à sorte. Pegaria na lista telefónica, ia lá buscar umas pessoas. Também podíamos ir buscar estrangeiros - os melhores nas suas competências - e pagar-lhes a mesma coisa que recebem nos seus trabalhos e mais um bocadinho. Talvez valha a pena porque um pouco de competência técnica não pode fazer mal. Pode não resolver nada, mas mal é que não vai fazer. Pegávamos nas pessoas mais interessantes para os diversos casos, enquadrando-as na teologia organizacional e ideológica da Presidência Vieira, envolta nas brumas do V Império: de um lado, tínhamos a competência e a tecnologia; do outro lado, o nevoeiro que torna a possível chegada de D. Sebastião, esse alienígena estranho que eu defendo que nunca existiu. E um slogan da futura candidatura Vieira? O slogan da minha campanha passada foi «só desisto se for eleito», porque este país é como uma batata demasiado quente: uma pessoa mal toca nela, manda-a logo embora. Os cidadãos devem ser mais activos e cultivar a sua própria horta dentro de casa. Devem ser eles próprios a fazer as suas pastas de dentes. Cada português tem de ser auto-suficiente, produzir energias alternativas através de coletes especiais que estou a mandar fazer com colectores foto-voltaicos, com uma ventoinha na cabeça e cuecas especiais que aproveitam as emanações de gases naturais do corpo - Portugal pode ser uma nação extremamente rica, as pessoas não têm é ideias. Têm medo da cultura, medo de serem felizes. E medo de serem ousadas. Medo de vencer. Os portugueses são órfãos de um papão desaparecido há muito tempo e sentem a sua falta. Têm um laço afectivo quase inquebrantável com essa figura que deixou de existir há muito - mas os fantasmas só existem se as pessoas acreditarem neles. Entrevista de Ana Markl e Luís Guerra, "Blitz" 7.Fev.05 .

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