POR CAUSA DELE: A Televisão e os pirómanos (artigo de Pedro Afonso)

22-01-2012
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O meu amigo Pedro Afonso, Psiquiatra, enviou-me este artigo de sua autoria que penso, atenta a sua condição profissional, deve ser levado em conta:A televisão e os pirómanosNeste verão arderam mais de 180 000 hectares de terreno por todo o país. As várias televisões noticiaram a tragédia em longas horas de emissões. Para além dos excepcionais factores climatéricos, a falta de limpeza das matas, etc., parece existir um certo consenso que muitos dos incêndios tiveram “mão criminosa”.Constata-se que tem havido frequentemente uma abordagem sensacionalista deste fenómeno por parte de alguma comunicação social, por exemplo, com jornalistas a colocarem em risco (a meu ver desnecessariamente) a sua própria vida ─ com fagulhas acesas por todo o lado, a tossirem em directo para os microfones intoxicados pelo fumo ─ , ou apresentando com dramatismo algumas vítimas desta calamidade.É sabido que actualmente a luta pelas audiências conduz a um tipo de jornalismo que não relata somente a tragédia, como também procura expor (muitas vezes até à “náusea”) as reacções emocionais das vítimas dessa mesma fatalidade, criando deste modo uma espécie de “dupla notícia”.Não pretendo defender qualquer tipo de censura, mas antes reflectir sobre a forma como a cobertura jornalística desta catástrofe, poderá ela própria estar a contribuir (involuntariamente) para aumentá-la.Certamente, que para além de alguns interesses económicos que estarão por detrás de alguns fogos, e de outras motivações psicopáticas, muitos deles serão obra de pirómanos.Sabemos que há situações especiais cujo tratamento jornalístico deverá obedecer a determinados critérios. Um dos exemplos clássicos é o suicídio. Após a notícia de um suicídio, surgem frequentemente fenómenos de imitação, com a ocorrência de vários suicídios em cadeia. Por isso, este é um assunto que deve ser tratado com a maior delicadeza e ponderação uma vez que pode colocar em risco pessoas que se encontram numa situação de grande fragilidade, necessitando apenas de um pretexto para porem termo à vida. Um dos famosos exemplos foi dado por Goethe, através da publicação do seu livro Os sofrimentos do jovem Werther (1774). O sucesso deste romance trouxe consigo uma série de graves problemas, já que influenciados pelo seu romantismo, jovens leitores por toda a Europa, lançaram-se nas suas paixões e tomados por um sentimento de liberdade acabaram por se suicidar em larga escala.Um pirómano tem um comportamento incendiário deliberado, repetitivo e que não visa o lucro, sabotagem, retaliação ou qualquer forma de expressão política. O acto incendiário é normalmente precedido de um aumento de tensão ou activação afectiva. Estes indivíduos experimentam um prazer intenso, uma gratificação e alívio da tensão quando ateiam incêndios. Podem ser indiferentes às consequências dos fogos ou sentirem mesmo uma satisfação pela perda de bens e haveres. São frequentemente espectadores do incêndio, mostrando interesse nos vários aspectos relacionados com o fogo, podendo inclusivamente participarem na sua extinção. Deste modo, existe por parte do indivíduo, uma fascinação, atracção e curiosidade pelo incêndio e seu contexto situacional.Em suma, o pirómano não pode ter maior prazer do que assistir a uma reportagem televisiva pormenorizada da sua “obra”: o fogo.Estou convicto que este verão assistimos pela televisão a um concurso nacional de pirómanos! Imagino-os colados ao ecrã do televisor tentando perceber qual deles é que conseguiu atear o maior incêndio! Por isso, há que repensar no futuro sobre a forma como deve ser feita a reportagem jornalística deste tipo de catástrofe, de modo a não amplificar o próprio fenómeno piromaníaco.Ao contrário do que acontece com as bruxas, no caso dos pirómanos é preciso acreditar neles, porque existem de facto!Pedro Afonsopedromafonso@netcabo.pt


O meu amigo Pedro Afonso, Psiquiatra, enviou-me este artigo de sua autoria que penso, atenta a sua condição profissional, deve ser levado em conta:A televisão e os pirómanosNeste verão arderam mais de 180 000 hectares de terreno por todo o país. As várias televisões noticiaram a tragédia em longas horas de emissões. Para além dos excepcionais factores climatéricos, a falta de limpeza das matas, etc., parece existir um certo consenso que muitos dos incêndios tiveram “mão criminosa”.Constata-se que tem havido frequentemente uma abordagem sensacionalista deste fenómeno por parte de alguma comunicação social, por exemplo, com jornalistas a colocarem em risco (a meu ver desnecessariamente) a sua própria vida ─ com fagulhas acesas por todo o lado, a tossirem em directo para os microfones intoxicados pelo fumo ─ , ou apresentando com dramatismo algumas vítimas desta calamidade.É sabido que actualmente a luta pelas audiências conduz a um tipo de jornalismo que não relata somente a tragédia, como também procura expor (muitas vezes até à “náusea”) as reacções emocionais das vítimas dessa mesma fatalidade, criando deste modo uma espécie de “dupla notícia”.Não pretendo defender qualquer tipo de censura, mas antes reflectir sobre a forma como a cobertura jornalística desta catástrofe, poderá ela própria estar a contribuir (involuntariamente) para aumentá-la.Certamente, que para além de alguns interesses económicos que estarão por detrás de alguns fogos, e de outras motivações psicopáticas, muitos deles serão obra de pirómanos.Sabemos que há situações especiais cujo tratamento jornalístico deverá obedecer a determinados critérios. Um dos exemplos clássicos é o suicídio. Após a notícia de um suicídio, surgem frequentemente fenómenos de imitação, com a ocorrência de vários suicídios em cadeia. Por isso, este é um assunto que deve ser tratado com a maior delicadeza e ponderação uma vez que pode colocar em risco pessoas que se encontram numa situação de grande fragilidade, necessitando apenas de um pretexto para porem termo à vida. Um dos famosos exemplos foi dado por Goethe, através da publicação do seu livro Os sofrimentos do jovem Werther (1774). O sucesso deste romance trouxe consigo uma série de graves problemas, já que influenciados pelo seu romantismo, jovens leitores por toda a Europa, lançaram-se nas suas paixões e tomados por um sentimento de liberdade acabaram por se suicidar em larga escala.Um pirómano tem um comportamento incendiário deliberado, repetitivo e que não visa o lucro, sabotagem, retaliação ou qualquer forma de expressão política. O acto incendiário é normalmente precedido de um aumento de tensão ou activação afectiva. Estes indivíduos experimentam um prazer intenso, uma gratificação e alívio da tensão quando ateiam incêndios. Podem ser indiferentes às consequências dos fogos ou sentirem mesmo uma satisfação pela perda de bens e haveres. São frequentemente espectadores do incêndio, mostrando interesse nos vários aspectos relacionados com o fogo, podendo inclusivamente participarem na sua extinção. Deste modo, existe por parte do indivíduo, uma fascinação, atracção e curiosidade pelo incêndio e seu contexto situacional.Em suma, o pirómano não pode ter maior prazer do que assistir a uma reportagem televisiva pormenorizada da sua “obra”: o fogo.Estou convicto que este verão assistimos pela televisão a um concurso nacional de pirómanos! Imagino-os colados ao ecrã do televisor tentando perceber qual deles é que conseguiu atear o maior incêndio! Por isso, há que repensar no futuro sobre a forma como deve ser feita a reportagem jornalística deste tipo de catástrofe, de modo a não amplificar o próprio fenómeno piromaníaco.Ao contrário do que acontece com as bruxas, no caso dos pirómanos é preciso acreditar neles, porque existem de facto!Pedro Afonsopedromafonso@netcabo.pt

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