Cuidados paliativos: muito mais que "amor e carinho"

12-02-2012
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Debate Saúde em Portugal

Continua com alguma frequência a difundir-se no nosso país a ideia de que, longe de verdadeiros cuidados rigorosos de saúde, os cuidados paliativos mais não são que "amor, ternura e carinho", e que se restringem a um "dar a mão", de preferência tardiamente e apenas nos últimos dias de vida. Acontece que esta ideia nem corresponde à realidade, nem abona a favor da necessária credibilização desta área técnica científica, antes a menoriza, e com isso se prejudicam milhares de pessoas.

De facto, os cuidados paliativos correspondem a cuidados de saúde estruturados, multiprofissionais, aliando o melhor das competências técnicas que a ciência e o humanismo têm para dar aos doentes com doença grave e/ou incurável, avançada e progressiva, intervindo activamente no seu sofrimento. Estes cuidados rigorosos e científicos, na sua vertente médica, assumem-se como uma verdadeira especialidade - a Medicina Paliativa -, já reconhecida há décadas em países como a Grã-Bretanha, e mais recentemente no Canadá, nos EUA, na Austrália e na Nova Zelândia. No nosso país, está actualmente em curso o processo para estabelecer o acesso à competência médica de Medicina Paliativa, já reconhecida pela Ordem dos Médicos.

Estes cuidados de saúde destinam-se a doentes de todas as idades e patologias, oncológicas e não oncológicas, e são prestados ao longo de semanas, meses, e até anos - é hoje consensual definir o período de fim de vida como os últimos 12 meses de vida e existem critérios clínicos objectivos em que nos baseamos para o fazer. Importa clarificar que um doente terminal se define como aquele que tem, em média, um prognóstico de 3 a 6 meses, e é no caso dos doentes moribundos que o prognóstico será de dias ou horas. Um doente a carecer de cuidados paliativos não será, pois, necessariamente um doente terminal ou moribundo, e se só os receber nessa fase tardia estará a ser claramente prejudicado, como aliás já o demonstra ampla evidencia científica disponível.

Para prestar cuidados a estes doentes, exige-se hoje uma equipa de profissionais com preparação técnico-científica rigorosa em diferentes âmbitos, e nunca poderemos falar desta fase como uma em que se dispensa preparação científica adequada.

Existe também a ideia de que se devem desenvolver os cuidados paliativos apenas como forma de poupar dinheiro (sendo verdade que eles são mais eficientes e, como tal, cuida-se melhor o doente, gastando menos e adequadamente), esquecendo que a primeira razão para referenciar os doentes para esta especialidade é uma indicação clínica, e que um bom sistema de saúde deve ter as respostas para as diferentes necessidades dos que o procuram, desde antes do nascimento até à morte.

Desta forma, quando se difundem conceitos menos correctos, colam-se aos cuidados paliativos ideias de menorização e de cuidados de saúde de segunda, que efectivamente eles não são.

Importa também esclarecer que existem hoje sociedades científicas credíveis de cuidados paliativos - a nível nacional existe a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, e a nível internacional destacamos a European Association for Palliative Care, que teve o seu último congresso em Lisboa, em Maio de 2011, com mais de 2500 profissionais presentes. Existem compêndios de Medicina Paliativa, Revistas de reputada e inquestionável qualidade onde se revela investigação robusta e credível praticada por médicos e outros profissionais credenciados, existem mesmo recomendações da própria Comunidade Europeia sobre a obrigatoriedade de ensino da Medicina Paliativa nas Faculdades de Medicina (o que infelizmente não é cumprido na maior parte das faculdades portuguesas, sendo, no entanto de ressaltar, o trabalho pioneiro da Faculdade de Medicina de Lisboa, que hoje já dispõe de uma Cátedra Gulbenkian de Cuidados Paliativos) e também a nível pós-graduado. Aquilo que se investiga, aquilo que se deve ensinar e depois praticar, é medicina no seu melhor, onde intervenções sobre o controlo sintomático, sobre a comunicação adequada, sobre o apoio à família e sobre o trabalho em equipa são rigorosamente tratadas.

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Estes doentes deverão ser tratados, quer em internamento - nos hospitais dedicados á doença aguda, como os hospitais universitários que preparam os futuros médicos, ou em unidades especiais integradas noutras dedicadas a doentes crónicos, sejam elas em IPSS ou não - e também no domicílio, sempre através do recurso a equipas devidamente treinadas e especializadas, como acontece noutras áreas da medicina. Não basta ter vontade, é imprescindível ter a devida preparação técnico-científica.

Só com ciência e humanismo se tratarão bem os doentes, em qualquer circunstância de doença, seja ela aguda ou crónica, precoce, avançada ou terminal. Importa ter sempre isto em mente e contribuir, através da difusão de conceitos correctos e actualizados, para que os verdadeiros fins da medicina - acompanhar os doentes em sofrimento, quer eles se curem ou não - sejam cumpridos na sua plenitude. É desta forma que se assegura que os doentes em fim de vida não serão olhados como doentes de segunda, não serão incorrectamente tratados - algumas vezes alvo de indesejável obstinação terapêutica - e votados a um sofrimento que ninguém deseja. Este é hoje um sofrimento evitável e a resposta virá sempre da prática de cuidados paliativos rigorosos e com qualidade. Para todos.

Debate Saúde em Portugal

Continua com alguma frequência a difundir-se no nosso país a ideia de que, longe de verdadeiros cuidados rigorosos de saúde, os cuidados paliativos mais não são que "amor, ternura e carinho", e que se restringem a um "dar a mão", de preferência tardiamente e apenas nos últimos dias de vida. Acontece que esta ideia nem corresponde à realidade, nem abona a favor da necessária credibilização desta área técnica científica, antes a menoriza, e com isso se prejudicam milhares de pessoas.

De facto, os cuidados paliativos correspondem a cuidados de saúde estruturados, multiprofissionais, aliando o melhor das competências técnicas que a ciência e o humanismo têm para dar aos doentes com doença grave e/ou incurável, avançada e progressiva, intervindo activamente no seu sofrimento. Estes cuidados rigorosos e científicos, na sua vertente médica, assumem-se como uma verdadeira especialidade - a Medicina Paliativa -, já reconhecida há décadas em países como a Grã-Bretanha, e mais recentemente no Canadá, nos EUA, na Austrália e na Nova Zelândia. No nosso país, está actualmente em curso o processo para estabelecer o acesso à competência médica de Medicina Paliativa, já reconhecida pela Ordem dos Médicos.

Estes cuidados de saúde destinam-se a doentes de todas as idades e patologias, oncológicas e não oncológicas, e são prestados ao longo de semanas, meses, e até anos - é hoje consensual definir o período de fim de vida como os últimos 12 meses de vida e existem critérios clínicos objectivos em que nos baseamos para o fazer. Importa clarificar que um doente terminal se define como aquele que tem, em média, um prognóstico de 3 a 6 meses, e é no caso dos doentes moribundos que o prognóstico será de dias ou horas. Um doente a carecer de cuidados paliativos não será, pois, necessariamente um doente terminal ou moribundo, e se só os receber nessa fase tardia estará a ser claramente prejudicado, como aliás já o demonstra ampla evidencia científica disponível.

Para prestar cuidados a estes doentes, exige-se hoje uma equipa de profissionais com preparação técnico-científica rigorosa em diferentes âmbitos, e nunca poderemos falar desta fase como uma em que se dispensa preparação científica adequada.

Existe também a ideia de que se devem desenvolver os cuidados paliativos apenas como forma de poupar dinheiro (sendo verdade que eles são mais eficientes e, como tal, cuida-se melhor o doente, gastando menos e adequadamente), esquecendo que a primeira razão para referenciar os doentes para esta especialidade é uma indicação clínica, e que um bom sistema de saúde deve ter as respostas para as diferentes necessidades dos que o procuram, desde antes do nascimento até à morte.

Desta forma, quando se difundem conceitos menos correctos, colam-se aos cuidados paliativos ideias de menorização e de cuidados de saúde de segunda, que efectivamente eles não são.

Importa também esclarecer que existem hoje sociedades científicas credíveis de cuidados paliativos - a nível nacional existe a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, e a nível internacional destacamos a European Association for Palliative Care, que teve o seu último congresso em Lisboa, em Maio de 2011, com mais de 2500 profissionais presentes. Existem compêndios de Medicina Paliativa, Revistas de reputada e inquestionável qualidade onde se revela investigação robusta e credível praticada por médicos e outros profissionais credenciados, existem mesmo recomendações da própria Comunidade Europeia sobre a obrigatoriedade de ensino da Medicina Paliativa nas Faculdades de Medicina (o que infelizmente não é cumprido na maior parte das faculdades portuguesas, sendo, no entanto de ressaltar, o trabalho pioneiro da Faculdade de Medicina de Lisboa, que hoje já dispõe de uma Cátedra Gulbenkian de Cuidados Paliativos) e também a nível pós-graduado. Aquilo que se investiga, aquilo que se deve ensinar e depois praticar, é medicina no seu melhor, onde intervenções sobre o controlo sintomático, sobre a comunicação adequada, sobre o apoio à família e sobre o trabalho em equipa são rigorosamente tratadas.

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Estes doentes deverão ser tratados, quer em internamento - nos hospitais dedicados á doença aguda, como os hospitais universitários que preparam os futuros médicos, ou em unidades especiais integradas noutras dedicadas a doentes crónicos, sejam elas em IPSS ou não - e também no domicílio, sempre através do recurso a equipas devidamente treinadas e especializadas, como acontece noutras áreas da medicina. Não basta ter vontade, é imprescindível ter a devida preparação técnico-científica.

Só com ciência e humanismo se tratarão bem os doentes, em qualquer circunstância de doença, seja ela aguda ou crónica, precoce, avançada ou terminal. Importa ter sempre isto em mente e contribuir, através da difusão de conceitos correctos e actualizados, para que os verdadeiros fins da medicina - acompanhar os doentes em sofrimento, quer eles se curem ou não - sejam cumpridos na sua plenitude. É desta forma que se assegura que os doentes em fim de vida não serão olhados como doentes de segunda, não serão incorrectamente tratados - algumas vezes alvo de indesejável obstinação terapêutica - e votados a um sofrimento que ninguém deseja. Este é hoje um sofrimento evitável e a resposta virá sempre da prática de cuidados paliativos rigorosos e com qualidade. Para todos.

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