Graça Moura: situação do CCB, "pelo menos, é equilibrada"

26-01-2012
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O novo presidente do CCB recebe hoje a pasta do anterior. Há quem diga que os dois são parecidos: escritores, melómanos e trabalhadores

António Mega Ferreira e Vasco Graça Moura reúnem-se esta manhã no Centro Cultural de Belém (CCB). Por trás deste encontro de escritores marcado para as 10h está uma decisão política - a de substituir o "socialista não filiado" pelo histórico social-democrata. Mega Ferreira terminou agora o seu segundo mandato como presidente do CCB, Graça Moura começa hoje o primeiro.

A polémica da mudança na presidência de uma das principais instituições culturais do país, obra emblemática do cavaquismo, prende-se com o carácter político da escolha e os bastidores que levaram à nomeação de Graça Moura: o secretário de Estado da Cultura disse a Mega Ferreira na terça-feira que iria continuar no CCB e na quinta que o seu mandato não seria renovado. Mega estava disposto a continuar, Graça Moura ficou "surpreendido" com a proposta e pediu para pensar.

"Quando o secretário de Estado me telefonou, nem retive muito do que ele me disse porque fiquei completamente surpreendido", disse ontem ao PÚBLICO Vasco Graça Moura. "Não estava propriamente candidato a nada. Perguntou-me se poderia aceitar a presidência do CCB e eu pedi para pensar. Isto passou-se na quinta-feira e na sexta comuniquei a minha aceitação."

No comunicado de sexta-feira Francisco José Viegas disse que esta nomeação corresponde a "um novo ciclo de desafios para o cumprimento do serviço público do CCB ". Desafios esses que, para Viegas, o poeta e tradutor que aos 70 anos já foi secretário de Estado, eurodeputado e presidente da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, "será certamente capaz de enfrentar da melhor forma possível". Viegas foi específico em relação ao que seria este novo ciclo de serviço público? "O processo foi extremamente simples e não houve nenhuma espécie de dialéctica à volta da missão que eu tenha registado."

Para respondar, Graça Moura teve de reunir informações e concluiu que a situação não era negativa: "Não sei dizer se é muito positiva, mas, pelo menos, é equilibrada." Decidiu aceitar porque viu neste "desafio importante" uma forma de "prolongar actividades e preocupações" que, de algum modo, tivera já ocasião de desenvolver noutras fases da sua vida.

Seis anos de Mega

Mega Ferreira, que entrou para o CCB em 2006, foi o primeiro presidente a assumir também parte da programação.

Criticado por ter aumentado exponencialmente o peso da música na programação (70% das actividades estão com ela relacionados), relegando para segundo plano a dança e o teatro, froi o primeiro a criar um programa de residências para orquestras (Orquestra de Câmara Portuguesa) e a figura dos artistas associados (Rui Horta e Teatro Praga, por exemplo). Deixou por fazer os módulos 4 e 5 do projecto original de Manuel Salgado e Vittorio Gregotti, que deveriam incluir um hotel, uma biblioteca e um auditório, objectivo que assumiu desde o início. Entre osdossiersmais mediáticos dos seus mandatos estão a Festa da Música, que trocou pelos menos ambiciosos Dias da Música e o Museu Colecção Berardo, cuja instalação no centro de exposições do CCB nunca lhe agradou.

Vasco Graça Moura não decidiu ainda se vai programar nem quem se vai sentar no Conselho de Administração da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo em representação do CCB. "Terei de ver porque não sei que tipo de capacidades é preciso desenvolver para uma programação tão vasta como a do CCB", diz o escritor, que espera ouvir Mega Ferreira antes de tomar uma decisão. "Tenho de partir para as coisas com uma grande humildade. Depois vou ver se no todo, ou em parte, há alguma programação que possa chamar a mim ou se será preferível encontrar programadores. Não tenho nenhuma ideia pré-concebida."

Do conselho de administração presidido por Mega, só Miguel Leal Coelho fica. Margarida Veiga será substituída pela historiadora de arte Dalila Rodrigues, com uma vasta experiência na direcção de museus (Grão Vasco, Nacional de Arte Antiga e Casa das Histórias Paula Rego). Será de esperar ver Dalila Rodrigues a mediar as relações entre o CCB e Berardo? Vai haver mudança de pelouros? "Vou estudar, ver, ponderar e, sobretudo, analisar a nível do conselho ou das instâncias que for necessário envolver aquilo que há a fazer", diz Graça Moura, sublinhando que a historiadora é "competentíssima".

O escritor, que publicamente já expressou reservas quanto ao acordo entre o empresário madeirense e o Estado (ver pág. 4), salvaguarda que a sua posição ali terá de ser institucional: "Em grande parte, a situação não depende de mim, mas da relação da fundação com o Governo. Há uma representação do CCB no conselho da fundação. Não penso ser eu a assumi-la, mas também é prematuro dizer que não o vou fazer."

O que pensam os criadores

Profissional da polémica, seguindo uma tradição que, segundo o próprio, faz parte da história político-literária portuguesa, Graça Moura tem sido particularmente crítico em relação à arte contemporânea, num país de "abjecta subsidiodependência", escreveu no ano passado. Ficou famosa a troca de argumentos pública com o programador António Pinto Ribeiro, que em 2002 deu origem a vários artigos de opinião nas páginas do PÚBLICO e doDiário de Notíciase em que o intelectual defendeu que não compete ao Estado "trazer a criação ao colo" nem financiá-la por sistema. O que pensam, então, os artistas de Graça Moura à frente do CCB?

Para já, o clima traduz-se num "esperar para ver", diz o coreógrafo João Fiadeiro: "Tudo depende do projecto que tiver para o CCB. Para já, apesar do currículo e das posições polémicas, o seu nome é apenas mais um tiro no escuro."

O encenador Jorge Silva Melo espera que esse projecto passe por "contrariar a lógica de festival que tem reinado no CCB", com as peças dois ou três dias em cena e dando "pouca atenção à arte que se faz em Portugal". Personalidade forte e "homem contraditório" que Silva Melo conhece desde os seus 16 anos (hoje tem 63), Graça Moura terá a "difícil tarefa de devolver a identidade à casa": "Não lhe invejo a sorte. Aquilo é difícil, grande, motiva muitas expectativas do público e dos artistas."

Silva Melo vê a escolha de Graça Moura e de Dalila Rodrigues como uma estratégia para resolver odossierBerardo - "é claro que ele não foi posto ali para resolver os problemas do teatro português", acrescenta, entre risos.

Apesar do peso mediático da Fundação Berardo, António Pinho Vargas defende que Graça Moura deve olhar o CCB, "sobretudo, como um lugar de artes performativas". E é nesta área, lembra o compositor que programou no CCB entre 1996 e 1999, que o poeta tem assumido posições bastante contestadas pelos agentes culturais: "Ele diz sempre que nunca se sabe o que vai ficar da arte contemporânea e aí temos uma divergência teórica. A arte do presente não pode esperar 100 anos para ver se merece canonização." Pinho Vargas diz que é a sua visão do passado da cultura que coloca uma grande interrogação em relação ao que vai fazer nas artes: "A primeira decisão que vai ter de tomar diz respeito às suas próprias funções como presidente - vai, ou não, programar?"

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Perfis semelhantes

Reconhecendo-lhe competência, o compositor defende que tem a vantagem de ser também um artista e um homem culto. "Os perfis são tão semelhantes [o de Mega Ferreira e Graça Moura] - os dois melómanos e homens de letras com uma imensa capacidade de trabalho - que só podemos pensar que isto foi claramente uma escolha que saiu da pequena política. E é pena, porque o Vasco Graça Moura é mais do que isso."

Confrontado com a possibilidade de alguns criadores o olharem com uma certa desconfiança por preferir o património e a música erudita à arte contemporânea, Graça Moura diz apenas: "Isso tem a ver com a minha posição em relação à subsidiação de certos sectores da criação cultural. Não tem nada a ver com a intervenção nos circuitos de uma fundação como a do CCB. De facto, não sou muito favorável à questão da prestação de subsídios por parte do Estado a uma série de actividades, pelo menos de forma indiscriminada. Mas a minha posição pessoal nesse aspecto não tem nada a ver com o funcionamento e a programação de uma instituição como o CCB. Nunca misturei as minhas posições políticas ou outras com as minhas obrigações."

António Mega Ferreira, que apresentou a temporada em Maio falando num orçamento de 2,4 milhões de euros num ano em que o destaque vai para a coreógrafa belga Anne Teresa de Keersmaeker, artista associada, deixa o CCB com a programação fechada até Julho e já com actividades previstas para 2013.

O novo presidente do CCB recebe hoje a pasta do anterior. Há quem diga que os dois são parecidos: escritores, melómanos e trabalhadores

António Mega Ferreira e Vasco Graça Moura reúnem-se esta manhã no Centro Cultural de Belém (CCB). Por trás deste encontro de escritores marcado para as 10h está uma decisão política - a de substituir o "socialista não filiado" pelo histórico social-democrata. Mega Ferreira terminou agora o seu segundo mandato como presidente do CCB, Graça Moura começa hoje o primeiro.

A polémica da mudança na presidência de uma das principais instituições culturais do país, obra emblemática do cavaquismo, prende-se com o carácter político da escolha e os bastidores que levaram à nomeação de Graça Moura: o secretário de Estado da Cultura disse a Mega Ferreira na terça-feira que iria continuar no CCB e na quinta que o seu mandato não seria renovado. Mega estava disposto a continuar, Graça Moura ficou "surpreendido" com a proposta e pediu para pensar.

"Quando o secretário de Estado me telefonou, nem retive muito do que ele me disse porque fiquei completamente surpreendido", disse ontem ao PÚBLICO Vasco Graça Moura. "Não estava propriamente candidato a nada. Perguntou-me se poderia aceitar a presidência do CCB e eu pedi para pensar. Isto passou-se na quinta-feira e na sexta comuniquei a minha aceitação."

No comunicado de sexta-feira Francisco José Viegas disse que esta nomeação corresponde a "um novo ciclo de desafios para o cumprimento do serviço público do CCB ". Desafios esses que, para Viegas, o poeta e tradutor que aos 70 anos já foi secretário de Estado, eurodeputado e presidente da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, "será certamente capaz de enfrentar da melhor forma possível". Viegas foi específico em relação ao que seria este novo ciclo de serviço público? "O processo foi extremamente simples e não houve nenhuma espécie de dialéctica à volta da missão que eu tenha registado."

Para respondar, Graça Moura teve de reunir informações e concluiu que a situação não era negativa: "Não sei dizer se é muito positiva, mas, pelo menos, é equilibrada." Decidiu aceitar porque viu neste "desafio importante" uma forma de "prolongar actividades e preocupações" que, de algum modo, tivera já ocasião de desenvolver noutras fases da sua vida.

Seis anos de Mega

Mega Ferreira, que entrou para o CCB em 2006, foi o primeiro presidente a assumir também parte da programação.

Criticado por ter aumentado exponencialmente o peso da música na programação (70% das actividades estão com ela relacionados), relegando para segundo plano a dança e o teatro, froi o primeiro a criar um programa de residências para orquestras (Orquestra de Câmara Portuguesa) e a figura dos artistas associados (Rui Horta e Teatro Praga, por exemplo). Deixou por fazer os módulos 4 e 5 do projecto original de Manuel Salgado e Vittorio Gregotti, que deveriam incluir um hotel, uma biblioteca e um auditório, objectivo que assumiu desde o início. Entre osdossiersmais mediáticos dos seus mandatos estão a Festa da Música, que trocou pelos menos ambiciosos Dias da Música e o Museu Colecção Berardo, cuja instalação no centro de exposições do CCB nunca lhe agradou.

Vasco Graça Moura não decidiu ainda se vai programar nem quem se vai sentar no Conselho de Administração da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo em representação do CCB. "Terei de ver porque não sei que tipo de capacidades é preciso desenvolver para uma programação tão vasta como a do CCB", diz o escritor, que espera ouvir Mega Ferreira antes de tomar uma decisão. "Tenho de partir para as coisas com uma grande humildade. Depois vou ver se no todo, ou em parte, há alguma programação que possa chamar a mim ou se será preferível encontrar programadores. Não tenho nenhuma ideia pré-concebida."

Do conselho de administração presidido por Mega, só Miguel Leal Coelho fica. Margarida Veiga será substituída pela historiadora de arte Dalila Rodrigues, com uma vasta experiência na direcção de museus (Grão Vasco, Nacional de Arte Antiga e Casa das Histórias Paula Rego). Será de esperar ver Dalila Rodrigues a mediar as relações entre o CCB e Berardo? Vai haver mudança de pelouros? "Vou estudar, ver, ponderar e, sobretudo, analisar a nível do conselho ou das instâncias que for necessário envolver aquilo que há a fazer", diz Graça Moura, sublinhando que a historiadora é "competentíssima".

O escritor, que publicamente já expressou reservas quanto ao acordo entre o empresário madeirense e o Estado (ver pág. 4), salvaguarda que a sua posição ali terá de ser institucional: "Em grande parte, a situação não depende de mim, mas da relação da fundação com o Governo. Há uma representação do CCB no conselho da fundação. Não penso ser eu a assumi-la, mas também é prematuro dizer que não o vou fazer."

O que pensam os criadores

Profissional da polémica, seguindo uma tradição que, segundo o próprio, faz parte da história político-literária portuguesa, Graça Moura tem sido particularmente crítico em relação à arte contemporânea, num país de "abjecta subsidiodependência", escreveu no ano passado. Ficou famosa a troca de argumentos pública com o programador António Pinto Ribeiro, que em 2002 deu origem a vários artigos de opinião nas páginas do PÚBLICO e doDiário de Notíciase em que o intelectual defendeu que não compete ao Estado "trazer a criação ao colo" nem financiá-la por sistema. O que pensam, então, os artistas de Graça Moura à frente do CCB?

Para já, o clima traduz-se num "esperar para ver", diz o coreógrafo João Fiadeiro: "Tudo depende do projecto que tiver para o CCB. Para já, apesar do currículo e das posições polémicas, o seu nome é apenas mais um tiro no escuro."

O encenador Jorge Silva Melo espera que esse projecto passe por "contrariar a lógica de festival que tem reinado no CCB", com as peças dois ou três dias em cena e dando "pouca atenção à arte que se faz em Portugal". Personalidade forte e "homem contraditório" que Silva Melo conhece desde os seus 16 anos (hoje tem 63), Graça Moura terá a "difícil tarefa de devolver a identidade à casa": "Não lhe invejo a sorte. Aquilo é difícil, grande, motiva muitas expectativas do público e dos artistas."

Silva Melo vê a escolha de Graça Moura e de Dalila Rodrigues como uma estratégia para resolver odossierBerardo - "é claro que ele não foi posto ali para resolver os problemas do teatro português", acrescenta, entre risos.

Apesar do peso mediático da Fundação Berardo, António Pinho Vargas defende que Graça Moura deve olhar o CCB, "sobretudo, como um lugar de artes performativas". E é nesta área, lembra o compositor que programou no CCB entre 1996 e 1999, que o poeta tem assumido posições bastante contestadas pelos agentes culturais: "Ele diz sempre que nunca se sabe o que vai ficar da arte contemporânea e aí temos uma divergência teórica. A arte do presente não pode esperar 100 anos para ver se merece canonização." Pinho Vargas diz que é a sua visão do passado da cultura que coloca uma grande interrogação em relação ao que vai fazer nas artes: "A primeira decisão que vai ter de tomar diz respeito às suas próprias funções como presidente - vai, ou não, programar?"

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Reconhecendo-lhe competência, o compositor defende que tem a vantagem de ser também um artista e um homem culto. "Os perfis são tão semelhantes [o de Mega Ferreira e Graça Moura] - os dois melómanos e homens de letras com uma imensa capacidade de trabalho - que só podemos pensar que isto foi claramente uma escolha que saiu da pequena política. E é pena, porque o Vasco Graça Moura é mais do que isso."

Confrontado com a possibilidade de alguns criadores o olharem com uma certa desconfiança por preferir o património e a música erudita à arte contemporânea, Graça Moura diz apenas: "Isso tem a ver com a minha posição em relação à subsidiação de certos sectores da criação cultural. Não tem nada a ver com a intervenção nos circuitos de uma fundação como a do CCB. De facto, não sou muito favorável à questão da prestação de subsídios por parte do Estado a uma série de actividades, pelo menos de forma indiscriminada. Mas a minha posição pessoal nesse aspecto não tem nada a ver com o funcionamento e a programação de uma instituição como o CCB. Nunca misturei as minhas posições políticas ou outras com as minhas obrigações."

António Mega Ferreira, que apresentou a temporada em Maio falando num orçamento de 2,4 milhões de euros num ano em que o destaque vai para a coreógrafa belga Anne Teresa de Keersmaeker, artista associada, deixa o CCB com a programação fechada até Julho e já com actividades previstas para 2013.

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