Da Literatura: FICÇÃO, PARA QUE TE QUERO

30-06-2011
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A partir da Feira de Frankfurt, onde está em serviço, a Isabel Coutinho dá conta das novidades. Por exemplo, confirma o sururu à volta de Les Bienveillants, romance de estreia de Jonathan Littell (n. 1967), novecentas páginas que deixaram a França em transe. Passa-se na II Grande Guerra e é a história de um nazi contada na primeira pessoa. Littell é um activista da ajuda humanitária internacional contra a fome. No seu currículo estão países como a Chechênia, o Congo, o Afeganistão, a Rússia e outros. Natural de Nova Iorque, formado por Yale, cidadão americano, escreveu Les Bienveillants directamente em francês. Outra obra em foco é Drawing Text-Book, do russo Maxim Kantor (n. 1957). Em dois volumes, o romance descreve a chegada de Gorbatchov ao poder e os vinte anos que se seguiram. Há quem o compare a Tolstoy. Littell, o activista americano de 39 anos. Kantor, o artista russo de 48 (só em Dezembro fará 49). Dois bons exemplos do que a ficção sempre foi: um espelho do mundo à nossa volta. Mas isso é lá fora. Entre nós é mais do mesmo: hermenêutica do sexo dos anjos. Onde estão os escritores para ficcionar o regicídio, a primeira República, o 28 de Maio, o advento de Salazar, a construção do Estado Novo, a polícia política antes e depois de se chamar PIDE, a perninha tuga na guerra civil espanhola (sim, o Sena deu uma achega em Sinais de Fogo, mas em pano de fundo...), a resistência comunista (o que há, Manuel Tiago incluído, é curto), a neutralidade do país durante a II Grande Guerra, a questão do volfrâmio, a colonização, o apressamento do Santa Maria por Henrique Galvão, os acontecimentos de Fevereiro e Março de 1961 em Angola, a guerra colonial (os episódios de Lobo Antunes são laterais), o affaire Delgado, a mãozinha tuga na independência branca da Rodésia, o trambolhão de Salazar, o marcelismo, o massacre de Wiryamu, o 25 de Abril, o 28 de Setembro, os equívocos do 11 de Março, as nacionalizações, o Verão quente de 1975, a descolonização, o 25 de Novembro, a aculturação dos retornados, a morte de Sá-Carneiro, a entrada na Europa, o boom consumista, a economia paralela, a década cavaquista, o poder absolutista de alguns caciques locais, etc., etc., etc. Onde estão? E é tudo matéria de ficção de primeira. Não por acaso, o romance que Helder Macedo escreveu sobre Santana Lopes e os quatro meses mais vertiginosos de 2004, Sem Nome, acaba de receber o prémio de ficção do PEN Clube (para não melindrar os controleiros do inefável, o prémio foi atribuído ex aequo a Contos da Imagem de Fiama Hasse Pais Brandão). Onde é que eu ia? Ah!, pois, Frankfurt.

A partir da Feira de Frankfurt, onde está em serviço, a Isabel Coutinho dá conta das novidades. Por exemplo, confirma o sururu à volta de Les Bienveillants, romance de estreia de Jonathan Littell (n. 1967), novecentas páginas que deixaram a França em transe. Passa-se na II Grande Guerra e é a história de um nazi contada na primeira pessoa. Littell é um activista da ajuda humanitária internacional contra a fome. No seu currículo estão países como a Chechênia, o Congo, o Afeganistão, a Rússia e outros. Natural de Nova Iorque, formado por Yale, cidadão americano, escreveu Les Bienveillants directamente em francês. Outra obra em foco é Drawing Text-Book, do russo Maxim Kantor (n. 1957). Em dois volumes, o romance descreve a chegada de Gorbatchov ao poder e os vinte anos que se seguiram. Há quem o compare a Tolstoy. Littell, o activista americano de 39 anos. Kantor, o artista russo de 48 (só em Dezembro fará 49). Dois bons exemplos do que a ficção sempre foi: um espelho do mundo à nossa volta. Mas isso é lá fora. Entre nós é mais do mesmo: hermenêutica do sexo dos anjos. Onde estão os escritores para ficcionar o regicídio, a primeira República, o 28 de Maio, o advento de Salazar, a construção do Estado Novo, a polícia política antes e depois de se chamar PIDE, a perninha tuga na guerra civil espanhola (sim, o Sena deu uma achega em Sinais de Fogo, mas em pano de fundo...), a resistência comunista (o que há, Manuel Tiago incluído, é curto), a neutralidade do país durante a II Grande Guerra, a questão do volfrâmio, a colonização, o apressamento do Santa Maria por Henrique Galvão, os acontecimentos de Fevereiro e Março de 1961 em Angola, a guerra colonial (os episódios de Lobo Antunes são laterais), o affaire Delgado, a mãozinha tuga na independência branca da Rodésia, o trambolhão de Salazar, o marcelismo, o massacre de Wiryamu, o 25 de Abril, o 28 de Setembro, os equívocos do 11 de Março, as nacionalizações, o Verão quente de 1975, a descolonização, o 25 de Novembro, a aculturação dos retornados, a morte de Sá-Carneiro, a entrada na Europa, o boom consumista, a economia paralela, a década cavaquista, o poder absolutista de alguns caciques locais, etc., etc., etc. Onde estão? E é tudo matéria de ficção de primeira. Não por acaso, o romance que Helder Macedo escreveu sobre Santana Lopes e os quatro meses mais vertiginosos de 2004, Sem Nome, acaba de receber o prémio de ficção do PEN Clube (para não melindrar os controleiros do inefável, o prémio foi atribuído ex aequo a Contos da Imagem de Fiama Hasse Pais Brandão). Onde é que eu ia? Ah!, pois, Frankfurt.

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