O Acidental: Ideologia e Predisposição. Jusante e Montante

25-01-2012
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1. No rescaldo do período revolucionário francês, surgiram, grosso modo, três grandes atitudes: a progressista (Comte), a tradicionalista (ex: Maistre) e a liberal clássica (ex: Constant).2. E qual era a questão-chave da época? Resposta: como reorganizar a sociedade depois do choque, como reorganizar a relação da sociedade com o Poder?3. Maistre queria o regresso (impossível) à ordem anterior, à ordem fechada e total do chamado antigo regime. Uma ordem onde tudo estava definido à priori, onde não havia mudanças, evoluções, etc. O Homem – e definido assim: Homem – é uma besta, um animal e por isso tem de ser repreendido e controlado por um Poder total. O indivíduo não é senhor do seu Futuro. Perigoso? Sem dúvida, mas de uma escrita formidável. Como alguém escreveu, “Maistre, the dark genious of the French Counter-Revolution”.4. E Comte, e os progressistas? Bom, os progressistas foram inspirados por Maistre... “Ultraje”, gritam os progressistas. "Não é possível que o Bem progressista tenha como raiz uma posição reaccionária?", gritam. Ora, mas é mais do que possível. É uma das realidades mais bem escondidas da história. A verdade, por Comte: «este grupo imortal – a escola retrógrada - , sob a liderança de Maistre vai sempre merecer a admiração dos Positivistas». Paradoxal? Não. Os progressistas também criaram um sistema fechado, onde o Futuro pertence ao Poder, onde não existe liberdade de escolha para o indivíduo. Aqui, o Futuro também não é individual. A solução progressista, desde a 1789, tem sido substituir a velha ordem fechada por uma nova ordem fechada, onde o futuro se encontra fechado, onde todos, de A a Z, têm de trabalhar para esse Futuro semi-divino. Um dos maiores do XX, Michael Oakeshott, chamou a isto UNIVERSITAS. Mais: os ditos progressistas, sobretudo Marx, imitaram Maistre noutra coisa: elaboração de um conceito total de Homem. Os progressistas tendem para um Homem bom, enquanto os Maistreanos tendem para um Homem mau. Mas debate entre optimismo e o pessimismo em relação ao Homem esquece sempre o essencial: não há HOMEM, apenas homens.5. Resta Constant. E para definir Constant, o liberal clássico (em “On Human Conduct”, de Oakeshott, um livro sem muitas citações, a maior delas foi retirada de uma obra de Constant. O conservador anglo-saxónico Oakeshott é… um liberal clássico), convém recuperar o outro conceito de Oakeshott: SOCIETAS. A Societas é, grosso modo, a sociedade liberal. Algo que começou a ser desenhada na história inglesa desde a Magna Carta, que foi consubstanciada na constituição americana de 1787, e que é a matriz actual da civilização ocidental, do Chile ao Japão (sim, do Chile ao Japão; se ainda não repararam, o Ocidente já não é apenas o Atlântico).Constant, ao invés de tradicionalistas e progressistas, não quis uma sociedade fechada às ordens de um Poder que detinha a chama sagrada. Não. Constant fez algo fabuloso: abriu o Futuro. O Futuro, com o liberalismo clássico, deixa de ser uma condição política. O Futuro passa a ser uma condição individual. Há “apenas” uma base jurídica a montante, mas a jusante (o Bem, o futuro colectivo) não há nada. Essa base a montante é um valor absoluto? É. Mas um valor absoluto não é sinónimo de ideologia. É isto que marca a diferença entre uma ideologia (Comte, Maistre) e uma “predisposição” (Constant). Uma ideologia fecha-nos dentro de um quadrado sem saída, onde o futuro já foi escrito por deus ou por um gajo com vergonha de ser rico. Há montante e, acima de tudo, há uma overdose de jusante: o Bem e o Futuro copulam por todo o lado, numa orgia de prazer ideológico. E o que sucede quando alguém não acha graça a esse Futuro? Mata-se esse alguém, esse ímpio que não sonha (já repararam como os tatalitários até os nossos sonhos querem resgatar e controlar?). Ao invés, uma predisposição não tem um futuro glorioso a jusante, apenas um forte base a montante, a tal Constituição, a tal Lei que os Marcuses deste mundo - como Negri - consideram como algo tirânico.6. O futuro não pertence a deus, nem a história pertence a um livro. O futuro é meu e a história nunca foi de ninguém.[Henrique Raposo]

1. No rescaldo do período revolucionário francês, surgiram, grosso modo, três grandes atitudes: a progressista (Comte), a tradicionalista (ex: Maistre) e a liberal clássica (ex: Constant).2. E qual era a questão-chave da época? Resposta: como reorganizar a sociedade depois do choque, como reorganizar a relação da sociedade com o Poder?3. Maistre queria o regresso (impossível) à ordem anterior, à ordem fechada e total do chamado antigo regime. Uma ordem onde tudo estava definido à priori, onde não havia mudanças, evoluções, etc. O Homem – e definido assim: Homem – é uma besta, um animal e por isso tem de ser repreendido e controlado por um Poder total. O indivíduo não é senhor do seu Futuro. Perigoso? Sem dúvida, mas de uma escrita formidável. Como alguém escreveu, “Maistre, the dark genious of the French Counter-Revolution”.4. E Comte, e os progressistas? Bom, os progressistas foram inspirados por Maistre... “Ultraje”, gritam os progressistas. "Não é possível que o Bem progressista tenha como raiz uma posição reaccionária?", gritam. Ora, mas é mais do que possível. É uma das realidades mais bem escondidas da história. A verdade, por Comte: «este grupo imortal – a escola retrógrada - , sob a liderança de Maistre vai sempre merecer a admiração dos Positivistas». Paradoxal? Não. Os progressistas também criaram um sistema fechado, onde o Futuro pertence ao Poder, onde não existe liberdade de escolha para o indivíduo. Aqui, o Futuro também não é individual. A solução progressista, desde a 1789, tem sido substituir a velha ordem fechada por uma nova ordem fechada, onde o futuro se encontra fechado, onde todos, de A a Z, têm de trabalhar para esse Futuro semi-divino. Um dos maiores do XX, Michael Oakeshott, chamou a isto UNIVERSITAS. Mais: os ditos progressistas, sobretudo Marx, imitaram Maistre noutra coisa: elaboração de um conceito total de Homem. Os progressistas tendem para um Homem bom, enquanto os Maistreanos tendem para um Homem mau. Mas debate entre optimismo e o pessimismo em relação ao Homem esquece sempre o essencial: não há HOMEM, apenas homens.5. Resta Constant. E para definir Constant, o liberal clássico (em “On Human Conduct”, de Oakeshott, um livro sem muitas citações, a maior delas foi retirada de uma obra de Constant. O conservador anglo-saxónico Oakeshott é… um liberal clássico), convém recuperar o outro conceito de Oakeshott: SOCIETAS. A Societas é, grosso modo, a sociedade liberal. Algo que começou a ser desenhada na história inglesa desde a Magna Carta, que foi consubstanciada na constituição americana de 1787, e que é a matriz actual da civilização ocidental, do Chile ao Japão (sim, do Chile ao Japão; se ainda não repararam, o Ocidente já não é apenas o Atlântico).Constant, ao invés de tradicionalistas e progressistas, não quis uma sociedade fechada às ordens de um Poder que detinha a chama sagrada. Não. Constant fez algo fabuloso: abriu o Futuro. O Futuro, com o liberalismo clássico, deixa de ser uma condição política. O Futuro passa a ser uma condição individual. Há “apenas” uma base jurídica a montante, mas a jusante (o Bem, o futuro colectivo) não há nada. Essa base a montante é um valor absoluto? É. Mas um valor absoluto não é sinónimo de ideologia. É isto que marca a diferença entre uma ideologia (Comte, Maistre) e uma “predisposição” (Constant). Uma ideologia fecha-nos dentro de um quadrado sem saída, onde o futuro já foi escrito por deus ou por um gajo com vergonha de ser rico. Há montante e, acima de tudo, há uma overdose de jusante: o Bem e o Futuro copulam por todo o lado, numa orgia de prazer ideológico. E o que sucede quando alguém não acha graça a esse Futuro? Mata-se esse alguém, esse ímpio que não sonha (já repararam como os tatalitários até os nossos sonhos querem resgatar e controlar?). Ao invés, uma predisposição não tem um futuro glorioso a jusante, apenas um forte base a montante, a tal Constituição, a tal Lei que os Marcuses deste mundo - como Negri - consideram como algo tirânico.6. O futuro não pertence a deus, nem a história pertence a um livro. O futuro é meu e a história nunca foi de ninguém.[Henrique Raposo]

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