O Acidental: O Ruído Certo

03-07-2011
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Espero não desapontar os meus amigos de direita, mas o ruído até agora feito pelo novo governo do PS vai num sentido que considero positivo. Ainda é cedo para dizer muito sobre este governo – aliás, surpreende-me a profusão de comentários que já se fizeram, ainda o governo não fez ou definiu nada. Deve ser o horror à página vazia, nem que para isso ela seja preenchida com inutilidades. Mas, para já, existem três indícios de que o governo means business:1. A já famosa história da possibilidade de se vir a aumentar o IVA. Não estou de acordo. O aumento do IVA é um sinal de desistência sobre o controle da despesa pública e um convite ao seu aumento no futuro. Na minha opinião, Portugal deveria baixar a despesa pública e a carga fiscal, encontrando todos os meios possíveis para o fazer. Mas o aspecto positivo desta ideia é a transição rápida que o PS fez do mundo mirífico da “confiança” e da “alegria” durante a campanha, para a realidade bem pior do crescimento económico a passo de caracol e das dificuldades orçamentais. Não acho a ideia boa. Mas, desde que ela foi enunciada, já todos descemos à terra. O perigo de o PS persistir na fantasia da “confiança” (em que algumas pessoas lá dentro genuinamente acreditam) parece ter sido ultrapassada, pelo menos em parte. A pulsão ainda lá está, mas para já está controlada.2. A já famosa comparação de Bush a Hitler, da autoria do escritor Freitas do Amaral. Ao reafirmar o “atlantismo” português, Sócrates deu um pontapé na possível “zapaterização” do seu governo. As palermices do escritor ficaram enterradas e os receios de que o governo delas ficasse refém afastados. Para além disso, Sócrates mostrou quem manda. Esperemos que continue assim. Se fosse eu, fazia mais. Afirmava a nossa vontade de plena participação na Guerra ao Terrorismo e participação nos esforços de transformação política do Médio Oriente. Tentava fazer a pedagogia da importância destas acções americanas e tentaria que a União Europeia nelas participasse com clareza. Mas isto é um governo do PS, e a um governo do PS não se pode pedir muito melhor. Livrarmo-nos da “zapaterização” já foi muito bom.3. A já famosa história da liberalização da venda de medicamentos sem receita médica. Como creio que disse Luís Filipe Menezes, para um discurso de tomada de posse, talvez existissem coisas mais importantes para falar. Mas a política também é feita de sinais. E este parece ter sido um sinal de que o governo está disposto a enfrentar lobbies que bloqueiam reformas importantes. Claro que também pode ser lido de outra maneira: fazer muito barulho agora para depois não enfrentar nada. Mas não é de crer que a proverbial teimosia do Engenheiro mais a sua maioria absoluta signifiquem isso. Esperemos para ver. Os problemas principais do país estão noutro lado: nas finanças públicas, na administração pública, na economia. Será preciso saber se aí o governo terá a determinação para que estes sinais apontam. Mas, se a tiver, a direita que se cuide. Pode aproximar-se uma longa travessia do deserto.[Luciano Amaral]

Espero não desapontar os meus amigos de direita, mas o ruído até agora feito pelo novo governo do PS vai num sentido que considero positivo. Ainda é cedo para dizer muito sobre este governo – aliás, surpreende-me a profusão de comentários que já se fizeram, ainda o governo não fez ou definiu nada. Deve ser o horror à página vazia, nem que para isso ela seja preenchida com inutilidades. Mas, para já, existem três indícios de que o governo means business:1. A já famosa história da possibilidade de se vir a aumentar o IVA. Não estou de acordo. O aumento do IVA é um sinal de desistência sobre o controle da despesa pública e um convite ao seu aumento no futuro. Na minha opinião, Portugal deveria baixar a despesa pública e a carga fiscal, encontrando todos os meios possíveis para o fazer. Mas o aspecto positivo desta ideia é a transição rápida que o PS fez do mundo mirífico da “confiança” e da “alegria” durante a campanha, para a realidade bem pior do crescimento económico a passo de caracol e das dificuldades orçamentais. Não acho a ideia boa. Mas, desde que ela foi enunciada, já todos descemos à terra. O perigo de o PS persistir na fantasia da “confiança” (em que algumas pessoas lá dentro genuinamente acreditam) parece ter sido ultrapassada, pelo menos em parte. A pulsão ainda lá está, mas para já está controlada.2. A já famosa comparação de Bush a Hitler, da autoria do escritor Freitas do Amaral. Ao reafirmar o “atlantismo” português, Sócrates deu um pontapé na possível “zapaterização” do seu governo. As palermices do escritor ficaram enterradas e os receios de que o governo delas ficasse refém afastados. Para além disso, Sócrates mostrou quem manda. Esperemos que continue assim. Se fosse eu, fazia mais. Afirmava a nossa vontade de plena participação na Guerra ao Terrorismo e participação nos esforços de transformação política do Médio Oriente. Tentava fazer a pedagogia da importância destas acções americanas e tentaria que a União Europeia nelas participasse com clareza. Mas isto é um governo do PS, e a um governo do PS não se pode pedir muito melhor. Livrarmo-nos da “zapaterização” já foi muito bom.3. A já famosa história da liberalização da venda de medicamentos sem receita médica. Como creio que disse Luís Filipe Menezes, para um discurso de tomada de posse, talvez existissem coisas mais importantes para falar. Mas a política também é feita de sinais. E este parece ter sido um sinal de que o governo está disposto a enfrentar lobbies que bloqueiam reformas importantes. Claro que também pode ser lido de outra maneira: fazer muito barulho agora para depois não enfrentar nada. Mas não é de crer que a proverbial teimosia do Engenheiro mais a sua maioria absoluta signifiquem isso. Esperemos para ver. Os problemas principais do país estão noutro lado: nas finanças públicas, na administração pública, na economia. Será preciso saber se aí o governo terá a determinação para que estes sinais apontam. Mas, se a tiver, a direita que se cuide. Pode aproximar-se uma longa travessia do deserto.[Luciano Amaral]

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