O Acidental: O regime que gosta do baloiço

03-07-2011
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No “expresso da meia-noite”, Manuel de Lucena afirmou uma coisa mais do que verdadeira: o nosso regime balança; o nosso semi-presidencialismo tende a balançar consoante as pessoas que ocupam os cargos, sobretudo aquele cargo em Belém. O que faz impressão é a ausência de discussão sobre este assunto. Em Portugal, não se discute a ordem constitucional, as relações entre poderes, a esfera dos poderes. Como se esta ordem institucional fosse a verdade revelada. Este vício no baloiço institucional, esta ambiguidade institucional não é própria de uma democracia ocidental consolidada. Numa democracia liberal não há, não pode, não deve haver ambiguidade. A questão “mas o que ele vai fazer?” não se pode colocar, porque os limites dos poderes têm de estar claros para além de qualquer ambiguidade, para lá de qualquer subjectivismo interpretativo de X ou Y. Isto é a marca da modernidade política: o primado da constituição sobre a pessoa do político. Em Portugal, isso não é claro. É próprio de uma democracia consolidada a vitalidade ideológica, se quisermos, o baloiçar ideológico. Este baloiçar ideológico é o chamado pluralismo político, ideológico, cultural. Coisa que não temos. Não é próprio de uma democracia liberal a ambiguidade institucional. Coisa que temos. Esta ambiguidade tem a ver com a difícil transição (74-76). Mas a transição está feita. É tempo de completar o caminho. É tempo de mudar o quadro constitucional. E nem sequer estou a falar do “modelo social”. Estou a falar das relações entre poderes. Com ou sem “modelo social”, esta ambiguidade, esta dependência da pessoa nunca será benéfica para Portugal. Como é que isto se muda? Isto não vai lá por acordo entre os dois partidos gémeos. Um dos partidos tem de gerar a força suficiente para a mudança. Um dos partidos tem de forçar a mudança, obrigando o outro a adaptar-se. Será isso impossível em Portugal? Não sei. Mas é assim que se faz numa democracia. Thatcher levou o “centro” para a direita. Resultado: Blair está mais à direita do que qualquer político de direita na Europa continental. Num futuro hipotético, uma “Thatcher” de esquerda forçará o centro para a esquerda. Numa democracia liberal, coloca-se as opções ideológicas – e sem ambiguidade - em cima da mesa. O eleitorado vota. Essas opções ficam legitimadas. Não há acordos de regime.Política, numa democracia liberal, é um baloiço ideológico apoiado numa base institucional imóvel. Quando a base institucional não pára quieta, como a nossa, não há estabilidade, não há debate ideológico, há apenas unanimismo e cálculos a curto prazo: “que vai ele fazer?”. [Henrique Raposo]

No “expresso da meia-noite”, Manuel de Lucena afirmou uma coisa mais do que verdadeira: o nosso regime balança; o nosso semi-presidencialismo tende a balançar consoante as pessoas que ocupam os cargos, sobretudo aquele cargo em Belém. O que faz impressão é a ausência de discussão sobre este assunto. Em Portugal, não se discute a ordem constitucional, as relações entre poderes, a esfera dos poderes. Como se esta ordem institucional fosse a verdade revelada. Este vício no baloiço institucional, esta ambiguidade institucional não é própria de uma democracia ocidental consolidada. Numa democracia liberal não há, não pode, não deve haver ambiguidade. A questão “mas o que ele vai fazer?” não se pode colocar, porque os limites dos poderes têm de estar claros para além de qualquer ambiguidade, para lá de qualquer subjectivismo interpretativo de X ou Y. Isto é a marca da modernidade política: o primado da constituição sobre a pessoa do político. Em Portugal, isso não é claro. É próprio de uma democracia consolidada a vitalidade ideológica, se quisermos, o baloiçar ideológico. Este baloiçar ideológico é o chamado pluralismo político, ideológico, cultural. Coisa que não temos. Não é próprio de uma democracia liberal a ambiguidade institucional. Coisa que temos. Esta ambiguidade tem a ver com a difícil transição (74-76). Mas a transição está feita. É tempo de completar o caminho. É tempo de mudar o quadro constitucional. E nem sequer estou a falar do “modelo social”. Estou a falar das relações entre poderes. Com ou sem “modelo social”, esta ambiguidade, esta dependência da pessoa nunca será benéfica para Portugal. Como é que isto se muda? Isto não vai lá por acordo entre os dois partidos gémeos. Um dos partidos tem de gerar a força suficiente para a mudança. Um dos partidos tem de forçar a mudança, obrigando o outro a adaptar-se. Será isso impossível em Portugal? Não sei. Mas é assim que se faz numa democracia. Thatcher levou o “centro” para a direita. Resultado: Blair está mais à direita do que qualquer político de direita na Europa continental. Num futuro hipotético, uma “Thatcher” de esquerda forçará o centro para a esquerda. Numa democracia liberal, coloca-se as opções ideológicas – e sem ambiguidade - em cima da mesa. O eleitorado vota. Essas opções ficam legitimadas. Não há acordos de regime.Política, numa democracia liberal, é um baloiço ideológico apoiado numa base institucional imóvel. Quando a base institucional não pára quieta, como a nossa, não há estabilidade, não há debate ideológico, há apenas unanimismo e cálculos a curto prazo: “que vai ele fazer?”. [Henrique Raposo]

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