O Acidental: De novo o gulag tropical

30-06-2011
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Para se discutir Guantánamo é necessário esclarecer duas coisas: uma, quem são os detidos no campo, a outra, o que é o estatuto de prisioneiro de guerra.1. Quem são os detidos? São combatentes Taliban e/ou da al-Qaeda, capturados em 2002 no Afeganistão durante a guerra do Afeganistão. Constitutem uma selecção do conjunto de presos feitos na ocasião, desviados para Guantánamo para “continuação de interrogatório”. Não são soldados, no sentido em que a 3ª Convenção de Genebra define um soldado. São terroristas, passíveis de possuir informação relevante que, uma vez obtida, pode permitir evitar outros ataques terroristas.2. O que é o estatuto de prisioneiro de guerra? Esse estatuto, de acordo com a Convenção, só pode ser atribuído a soldados que, em princípio e por definição, dirijam a sua actividade violenta apenas contra outros soldados e não contra civis. É por isso que os soldados devem usar uniforme (para serem facilmente reconhecíveis), transportar armas de forma visível (para evitar o seu uso de forma inesperada) e não se misturarem com a população civil (para evitar ao máximo os danos civis da actividade militar). Tudo isto tem ainda uma outra consequência, que é a de que, mesmo os soldados, não devem usar a violência para além daquilo que são as situações propriamente de combate. Quando um soldado se rende, o outro deve aceitar a sua rendição detendo-o e não liquidando-o.3. Os prisioneiros de Guantánamo não cabem em nenhuma dimensão desta classificação. Aliás, são eles que pela sua própria actividade se colocam fora das regras de Genebra: os seus objectivos são maioritariamente civis (bastará ilustrar com os atentados de Nova Iorque, Madrid ou Bali para percebermos isto), não usam uniforme (não sendo, por isso, facilmente identificáveis), usam armas escondidas, misturam-se com a população civil e não aceitam rendições. As regras de Genebra pressupõem reciprocidade. Ora, a reciprocidade não está aqui presente.4. A concessão do estatuto de prisioneiro de guerra a estes combatentes corresponderia, desde logo, a uma violação da convenção. Corresponderia ainda a tornar impossível qualquer interrogatório com o fim de obter informações sobre eventuais futuros ataques terroristas (entre outros privilégios, o estatuto de prisioneiro de guerra garante imunidade perante tribunais civis e militares).5. A realidade do terrorismo é, portanto, diferente da realidade de uma guerra convencional. Para ser levada a bom termo tem de exigir adaptações da legislação existente, que não foi concebida tendo em vista uma situação como a da presente guerra. Mas também é para isso que existe a jurisprudência: perante realidades novas, têm de se conceber regras novas.6. O que é que o gulag tem que ver com isto? PC, não venha outra vez com a história do papagaio. Já todos percebemos a piada. Nos gulags estiveram presos e foram assassinados, de acordo com as categorias soviéticas (por exemplo), “burgueses”, “capitalistas”, “imperialistas”, “artistas decadentes”, “traidores ao partido”, “prostitutas”, “proxenetas”, “pequenos ladrões”, um sem-número de maravilhosas categorias criminais, de resto dotadas de grande elasticidade: quem sabe se eu ou o PC, se tivéssemos lá vivido ao tempo, não seríamos presos sob a acusação de “proxenetas” ou até mesmo de “prostitutas”. Foi daqui que resultaram os tais milhões de mortos. Guantánamo=Gulag? Meu caro PC, eu acho que você consegue fazer melhor.[Luciano Amaral]

Para se discutir Guantánamo é necessário esclarecer duas coisas: uma, quem são os detidos no campo, a outra, o que é o estatuto de prisioneiro de guerra.1. Quem são os detidos? São combatentes Taliban e/ou da al-Qaeda, capturados em 2002 no Afeganistão durante a guerra do Afeganistão. Constitutem uma selecção do conjunto de presos feitos na ocasião, desviados para Guantánamo para “continuação de interrogatório”. Não são soldados, no sentido em que a 3ª Convenção de Genebra define um soldado. São terroristas, passíveis de possuir informação relevante que, uma vez obtida, pode permitir evitar outros ataques terroristas.2. O que é o estatuto de prisioneiro de guerra? Esse estatuto, de acordo com a Convenção, só pode ser atribuído a soldados que, em princípio e por definição, dirijam a sua actividade violenta apenas contra outros soldados e não contra civis. É por isso que os soldados devem usar uniforme (para serem facilmente reconhecíveis), transportar armas de forma visível (para evitar o seu uso de forma inesperada) e não se misturarem com a população civil (para evitar ao máximo os danos civis da actividade militar). Tudo isto tem ainda uma outra consequência, que é a de que, mesmo os soldados, não devem usar a violência para além daquilo que são as situações propriamente de combate. Quando um soldado se rende, o outro deve aceitar a sua rendição detendo-o e não liquidando-o.3. Os prisioneiros de Guantánamo não cabem em nenhuma dimensão desta classificação. Aliás, são eles que pela sua própria actividade se colocam fora das regras de Genebra: os seus objectivos são maioritariamente civis (bastará ilustrar com os atentados de Nova Iorque, Madrid ou Bali para percebermos isto), não usam uniforme (não sendo, por isso, facilmente identificáveis), usam armas escondidas, misturam-se com a população civil e não aceitam rendições. As regras de Genebra pressupõem reciprocidade. Ora, a reciprocidade não está aqui presente.4. A concessão do estatuto de prisioneiro de guerra a estes combatentes corresponderia, desde logo, a uma violação da convenção. Corresponderia ainda a tornar impossível qualquer interrogatório com o fim de obter informações sobre eventuais futuros ataques terroristas (entre outros privilégios, o estatuto de prisioneiro de guerra garante imunidade perante tribunais civis e militares).5. A realidade do terrorismo é, portanto, diferente da realidade de uma guerra convencional. Para ser levada a bom termo tem de exigir adaptações da legislação existente, que não foi concebida tendo em vista uma situação como a da presente guerra. Mas também é para isso que existe a jurisprudência: perante realidades novas, têm de se conceber regras novas.6. O que é que o gulag tem que ver com isto? PC, não venha outra vez com a história do papagaio. Já todos percebemos a piada. Nos gulags estiveram presos e foram assassinados, de acordo com as categorias soviéticas (por exemplo), “burgueses”, “capitalistas”, “imperialistas”, “artistas decadentes”, “traidores ao partido”, “prostitutas”, “proxenetas”, “pequenos ladrões”, um sem-número de maravilhosas categorias criminais, de resto dotadas de grande elasticidade: quem sabe se eu ou o PC, se tivéssemos lá vivido ao tempo, não seríamos presos sob a acusação de “proxenetas” ou até mesmo de “prostitutas”. Foi daqui que resultaram os tais milhões de mortos. Guantánamo=Gulag? Meu caro PC, eu acho que você consegue fazer melhor.[Luciano Amaral]

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