O Acidental: Bentham e a pedagogia pós-moderna

25-01-2012
marcar artigo

1. Esta semana foi pródiga em notícias ridículas. Começou com a velha esquerda a tentar reabilitar Estaline; termina com a esquerda pós-moderna a mostrar às crianças os segredos aparentemente inexpugnáveis da masturbação (em 2005, há pessoas que consideram a masturbação como algo de complicado. É uma tarefa tão complicada que merece intervenção da escola). 2. Como é que é possível? Bom, isto tem uma causa profunda. Podemos encontrar essa causa no século XIX. A dita causa, paradoxalmente, é uma certa “ética”. E esta “ética” é fundamental para a compreensão da nossa triste e masturbatória época. O autor desta afamada e muito usada “ética” dá pelo nome de Jeremy Bentham. Bentham foi um liberal de segunda geração. Isto é, já não foi um liberal clássico; inventou essa “ética” problemática que dá pelo nome de “Utilitarismo”. Basicamente, a ética utilitarista fundiu “moral” com “prazer”. A ética utilitarista afirma que o bem é “prazer”e o mal a “dor”. Tudo deve ser feito para evitar a dor e para dar prazer. Prazer material, entenda-se. Tudo se define em redor do “objecto” que dá prazer. Esta “ética” não gira em torno do indivíduo mas dos “objectos” prazenteiros que o rodeiam. É puro materialismo (não é por acaso que Keynes considerava o utilitarista Bentham como uma das bases do materialista Marx – não refilem comigo, meus caros. Refilem com Keynes). 3. Se Bentham, segundo Keynes, “entrou” em Marx, também “entrou” nas novas esquerdas. A ética utilitarista está enraizada nas “esquerdas caviares” que nasceram dos escombros do marxismo. O exemplo óbvio é a pedagogia pós-moderna. Hoje, não se pode ensinar nada de substantivo às crianças, porque isso é visto como uma imposição à liberdade do “ego” da criança. Para os pós-modernos, o uso da memória é uma coisa arcaica. Aliás, a memória deve ser vista como uma “meta-narrativa”, isto é, uma ignomínia mentira que subjuga o “Eu”. Aqui, o que interessa é a criatividade, pois cada criança é vista como um mundo em si mesmo. Corrija-se: esta “criança” educada por pós-modernos até pode ser um “mundo”, mas é, com certeza, um mundo fechado, sem janelas para o mundo. 4. Aprender implica sofrimento. Aprender implica que o indivíduo tome consciência das suas limitações. Mas, claro, o “Eu” pós-moderno não tem limites. Portanto, não se pode ensinar nada difícil, porque isso, dizem as sumidades, causa angústia aos meninos. Mais: Aprender implica fazer escolhas: se queremos ser bons em política, temos de esquecer a arte, por exemplo (esquecer no sentido de uma actividade de estudo intenso). Mas, hoje, também é proibido fazer escolhas. Escolher causa angústia. E as criancinhas não podem ter angústias. Tradução: as crianças não podem crescer. 5. Ensinar exige respeito pelo Professor. Hoje, isso é impossível. O aluno é o centro do mundo. Por isso, não podemos ensinar nada que ele… não saiba. Ou seja, não podemos ensinar nada. Só podemos refazer aquilo que ele… já conhece. Ou seja, temos de dissertar sobre o “Big Brother”, deixar que escreva “k” do lugar do “que”, tolerar que “sequesso” passe por “sexo”, e, claro, ensinar-lhes aquilo que eles já sabem… fazer: o acto privado da masturbação. [Henrique Raposo]

1. Esta semana foi pródiga em notícias ridículas. Começou com a velha esquerda a tentar reabilitar Estaline; termina com a esquerda pós-moderna a mostrar às crianças os segredos aparentemente inexpugnáveis da masturbação (em 2005, há pessoas que consideram a masturbação como algo de complicado. É uma tarefa tão complicada que merece intervenção da escola). 2. Como é que é possível? Bom, isto tem uma causa profunda. Podemos encontrar essa causa no século XIX. A dita causa, paradoxalmente, é uma certa “ética”. E esta “ética” é fundamental para a compreensão da nossa triste e masturbatória época. O autor desta afamada e muito usada “ética” dá pelo nome de Jeremy Bentham. Bentham foi um liberal de segunda geração. Isto é, já não foi um liberal clássico; inventou essa “ética” problemática que dá pelo nome de “Utilitarismo”. Basicamente, a ética utilitarista fundiu “moral” com “prazer”. A ética utilitarista afirma que o bem é “prazer”e o mal a “dor”. Tudo deve ser feito para evitar a dor e para dar prazer. Prazer material, entenda-se. Tudo se define em redor do “objecto” que dá prazer. Esta “ética” não gira em torno do indivíduo mas dos “objectos” prazenteiros que o rodeiam. É puro materialismo (não é por acaso que Keynes considerava o utilitarista Bentham como uma das bases do materialista Marx – não refilem comigo, meus caros. Refilem com Keynes). 3. Se Bentham, segundo Keynes, “entrou” em Marx, também “entrou” nas novas esquerdas. A ética utilitarista está enraizada nas “esquerdas caviares” que nasceram dos escombros do marxismo. O exemplo óbvio é a pedagogia pós-moderna. Hoje, não se pode ensinar nada de substantivo às crianças, porque isso é visto como uma imposição à liberdade do “ego” da criança. Para os pós-modernos, o uso da memória é uma coisa arcaica. Aliás, a memória deve ser vista como uma “meta-narrativa”, isto é, uma ignomínia mentira que subjuga o “Eu”. Aqui, o que interessa é a criatividade, pois cada criança é vista como um mundo em si mesmo. Corrija-se: esta “criança” educada por pós-modernos até pode ser um “mundo”, mas é, com certeza, um mundo fechado, sem janelas para o mundo. 4. Aprender implica sofrimento. Aprender implica que o indivíduo tome consciência das suas limitações. Mas, claro, o “Eu” pós-moderno não tem limites. Portanto, não se pode ensinar nada difícil, porque isso, dizem as sumidades, causa angústia aos meninos. Mais: Aprender implica fazer escolhas: se queremos ser bons em política, temos de esquecer a arte, por exemplo (esquecer no sentido de uma actividade de estudo intenso). Mas, hoje, também é proibido fazer escolhas. Escolher causa angústia. E as criancinhas não podem ter angústias. Tradução: as crianças não podem crescer. 5. Ensinar exige respeito pelo Professor. Hoje, isso é impossível. O aluno é o centro do mundo. Por isso, não podemos ensinar nada que ele… não saiba. Ou seja, não podemos ensinar nada. Só podemos refazer aquilo que ele… já conhece. Ou seja, temos de dissertar sobre o “Big Brother”, deixar que escreva “k” do lugar do “que”, tolerar que “sequesso” passe por “sexo”, e, claro, ensinar-lhes aquilo que eles já sabem… fazer: o acto privado da masturbação. [Henrique Raposo]

marcar artigo