O Acidental: O MEC de sapatos Jimmy Choo

30-06-2011
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A coisa mais estúpida que ouvi nos últimos anos - à parte, sei lá, da relevância internacional da França - foi a coroação de Margarida Rebelo Pinto como a MEC de saias. Não pela inolvidável imagem que pela expressão "MEC de saias" se nos cola ao cérebro (já de si bastante improvável), mas pela absoluta impossibilidade e insanidade da comparação. Não é por escrevermos crónicas sobre os costumes de gente da cidade que nos podemos achar uns MECs de saias, suspensórios ou chapéu tirolês. Deixemos de parte a forma, a qualidade estilística da escrita. Vejamos a substância. A escrita de MEC é mais do que humor observador e diletante. Fale ele sobre os nomes impensáveis das nossas terras, da maneira pesada e trágica com que nos despedimos uns dos outros ou da discriminação social sofrida pelos que gostam de dormir muito (=até tarde), todos os seus melhores textos partilham um mesmo tema subjacente. MEC é, por excelência, o escritor de Portugal e dos Portugueses. Fala de nós com superioridade, mas com ternura. Com distância, mas com amor. Puxa por vezes pela erudição e pelo pedantismo, mas o resultado é sempre a compreensão e a exaltação das nossas maneiras de ser. É uma coisa muito inglesa e deliciosamente chauvinista, essa do "antes os nossos defeitos que as vossas virtudes". E muito conservadora também. Pode-se citar o Oakeshott? MEC é isso mesmo: "present laughter" e nunca "utopian bliss". Se estão certos os arautos da desgraça e o país está mesmo em decadência, então há um óbvio sinal: nos anos 80 e inícios de 90, Portugal revia-se e ria-se com o MEC. Hoje, coitado, acha-se muito bem representado no provincianismo bacoco e estrangeirado de José Gil. Juro que, se a conta bancária me deixase, visitaria a casa de todas as pessoas que conheço e sei terem um exemplar de Portugal - O Medo de Existir na mesa da sala só para armar ao pingarelho e deixáva-lhes a todos as Explicações de Português. Goste-se ou não, concorde-se ou não, no MEC há uma Ideia, há uma filosofia, há um pensamento definido. Pode não ser programado, mas há uma estrutura antropológica prévia. Rebelo Pinto não tem nada disso. Do pouco que li, aquilo é telenovela mexicana tranvestida de Sexo e a Cidade da Cauda da Europa. A única pessoa a quem, sem chocar, poderiam chamar "A MEC de saias" é a Carla Hilário de Almeida Quevedo. A disposição é a mesma, o estilo é semelhante, apenas a agenda difere substancialmente. MEC é (era) mais Velvets, Joy Division e Sacas, a Charlie é mais Madonna, Gardel e Kavafis. Ora, este fim-de-semana, soubémos que o Expresso, tendo a possibilidade de ter os dois, resolveu ficar só com o MEC. O que é uma pena. Em 2005, a Charlie foi, com o João Pereira Coutinho, o Inevitável e o Cutileiro, o melhorzinho que o semanário teve para oferecer. Se calhar, ao convidá-la, esperavam outra Margarida Rebelo Pinto. A Charlie saíu-lhes, portanto, bem melhor que a encomenda. Decididamente não sabem o que perdem.[FMS]

A coisa mais estúpida que ouvi nos últimos anos - à parte, sei lá, da relevância internacional da França - foi a coroação de Margarida Rebelo Pinto como a MEC de saias. Não pela inolvidável imagem que pela expressão "MEC de saias" se nos cola ao cérebro (já de si bastante improvável), mas pela absoluta impossibilidade e insanidade da comparação. Não é por escrevermos crónicas sobre os costumes de gente da cidade que nos podemos achar uns MECs de saias, suspensórios ou chapéu tirolês. Deixemos de parte a forma, a qualidade estilística da escrita. Vejamos a substância. A escrita de MEC é mais do que humor observador e diletante. Fale ele sobre os nomes impensáveis das nossas terras, da maneira pesada e trágica com que nos despedimos uns dos outros ou da discriminação social sofrida pelos que gostam de dormir muito (=até tarde), todos os seus melhores textos partilham um mesmo tema subjacente. MEC é, por excelência, o escritor de Portugal e dos Portugueses. Fala de nós com superioridade, mas com ternura. Com distância, mas com amor. Puxa por vezes pela erudição e pelo pedantismo, mas o resultado é sempre a compreensão e a exaltação das nossas maneiras de ser. É uma coisa muito inglesa e deliciosamente chauvinista, essa do "antes os nossos defeitos que as vossas virtudes". E muito conservadora também. Pode-se citar o Oakeshott? MEC é isso mesmo: "present laughter" e nunca "utopian bliss". Se estão certos os arautos da desgraça e o país está mesmo em decadência, então há um óbvio sinal: nos anos 80 e inícios de 90, Portugal revia-se e ria-se com o MEC. Hoje, coitado, acha-se muito bem representado no provincianismo bacoco e estrangeirado de José Gil. Juro que, se a conta bancária me deixase, visitaria a casa de todas as pessoas que conheço e sei terem um exemplar de Portugal - O Medo de Existir na mesa da sala só para armar ao pingarelho e deixáva-lhes a todos as Explicações de Português. Goste-se ou não, concorde-se ou não, no MEC há uma Ideia, há uma filosofia, há um pensamento definido. Pode não ser programado, mas há uma estrutura antropológica prévia. Rebelo Pinto não tem nada disso. Do pouco que li, aquilo é telenovela mexicana tranvestida de Sexo e a Cidade da Cauda da Europa. A única pessoa a quem, sem chocar, poderiam chamar "A MEC de saias" é a Carla Hilário de Almeida Quevedo. A disposição é a mesma, o estilo é semelhante, apenas a agenda difere substancialmente. MEC é (era) mais Velvets, Joy Division e Sacas, a Charlie é mais Madonna, Gardel e Kavafis. Ora, este fim-de-semana, soubémos que o Expresso, tendo a possibilidade de ter os dois, resolveu ficar só com o MEC. O que é uma pena. Em 2005, a Charlie foi, com o João Pereira Coutinho, o Inevitável e o Cutileiro, o melhorzinho que o semanário teve para oferecer. Se calhar, ao convidá-la, esperavam outra Margarida Rebelo Pinto. A Charlie saíu-lhes, portanto, bem melhor que a encomenda. Decididamente não sabem o que perdem.[FMS]

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