O Acidental: Pilinhas e humildade, Estado e Globalização

03-07-2011
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Caro Rui,Tudo o que escrevi sobre o Helder poderia ser aplicado ao seu post. Mas gostava de acrescentar mais qualquer coisa:1.Pilinhas? Pois não sei. Limito-me a escrever. Coisas chatas e sem importância. Nunca ataco pessoas. Nunca reajo. Limito-me a escrever. Estou seguro em relação à minha longitude fálica.2.O ataque ao “estatismo odioso” de esquerda não deve significar um ataque ao próprio conceito de Estado. Sem o monopólio exclusivo da violência não há lei; sem lei não há mercado. Sem mão de ferro (e a expressão é dos “americanos” do Economist) não há mão invisível. Tão simples como isto. A não ser que V. tenha uma concepção benigna sobre o Homem… A não ser que V. considere que todos os homens são iguais e que reagem da mesma forma ao mesmo estímulo (à Bentham, portanto; não se esqueça que Bentham foi uma das influências de Marx).O Indivíduo não flutua acima das realidades históricas. Quando tivermos asas, então sim, poderemos secundarizar o Estado e a Comunidade. Até lá, temos de procurar a melhor forma de arrumar a tensão que se gera entre estes três pólos: indivíduo, comunidade e estado.Pois, eu sei que o Estado mínimo de Smith é uma concepção ética e só depois económica. Pois, eu também sei o que é a ordem espontânea de Hayek. Também acho que deve ser defendida. Mas a questão, aqui, não é essa. Mas obrigado pela explicação.3. O mundo não tem as duas dimensões do ecrã do computador. Não. Tem três dimensões. E há quem diga que existe uma quarta. E daqui decorre uma diferença: eu vejo as coisas em tensão, em conflito, com zonas cinzentas, sem resolução definitiva. Tal como elas são no mundo dos homens. Não tento mudar esse mundo. Apenas tento descobrir e compreender. V., ao invés, vê as coisas sem tensão, na busca da solução que termine com esse conflito permanente. Julga que tem uma verdade absoluta e infalível. Não quer compreender. Quer transformar. Respeito, mas critico.4. Aqui, a questão não é aceitar ou concordar, mas sim colocar as coisas em perspectiva. Não nego Smith ou Hayek quando defendo o Estado. Quando se coloca as coisas em perspectiva, percebemos que a ordem espontânea só existe porque existe um estado a protegê-la. Da segurança do Estado, nasce a ordem espontânea. Ainda bem que fala em Maquiavel. Maquiavel e Hobbes prepararam o terreno para as escolas liberais. É por isso que há continuidade e não contradição entre Hobbes e Kant, tal como dizem, e bem, estes senhores.5. Parece-me que V. tem um vício epistemológico que me faz lembrar, por exemplo, Negri. V. divide o mundo em dois campo, numa simples dicotomia mecânica: os socialistas do estado social e contrários à globalização “versus” os liberais do estado mínimo e a favor da globalização. Assim é fácil. V. encontra uma chave explicativa do mundo; uma chave que está ao seu serviço. Uma chave que lhe permite “compreender” tudo mesmo antes de analisar. Para si, tudo é previsível, porque o mundo já está contido na sua chave. V. também tem uma “multitude” e um “império”.Quando V. diz que a globalização cria “mil centros de poder” está a seguir uma forma de pensar à Negri. Mas em sentido inverso, claro. Para Negri, a Globalização é uma estrutura única e maligna. Para V., a globalização é uma estrutura benigna. Para Negri, também existem “mil rizomas”.6. V. comete o mesmo erro dos neo-marxistas: entra no mito no declínio do Estado. Nada poderia estar mais errado. A globalização existe porque está assente numa estratégia política baseada em estados-chave. Só um exemplo: se imaginar o fim da aliança do Japão com os EUA, V. estará a imaginar o fim desta globalização. Não se deixe seduzir pelos “mil rizomas”, pelos “mil centros de poder”. Fica bem no papel, mas não encaixa na realidade internacional. Os estados “liberais” não são a pilinha mas o pilar da globalização.Aconselho uma saída dos autores de sempre. Aconselho umas leituras históricas e estratégicas. É que o Rodrigo tem razão numa coisa: O liberalismo – na Internet – é uma coisa. Lá fora, é uma coisa bem diferente. Convém ter humildade perante a realidade e perante os outros. É dessa humildade que sai o Saber.7. Fala em “meta-políticos”. Pois, eu creio que o Direito Natural deve ser defendido. Mas não acredito (no sentido religioso ou ideológico) no direito natural. Não é a minha fé. Mais: sem direito positivo (isto é, sem o Estado), o direito natural meta-político não passa de uma utopia.8. Claro que defendo um estado mínimo. Mas na expressão “estado mínimo” convém dar alguma atenção ao “Estado”. A história da tradição liberal foi sempre acompanhada pela seguinte tensão: é necessário conter o poder do Estado (liberdade), mas o estado é necessário (ordem). Como manter a autoridade do estado e, simultaneamente, controlar os seus excessos? É esta a pergunta-chave da tradição liberal. Uma sociedade liberal vive nesta tensão. E não a resolve. A vitalidade do Ocidente liberal é feita de tensões, de conflitos. Este é um deles.9. O liberalismo para consumo e brilho pessoal é uma coisa. É fácil ser-se liberal ao computador. Mas, lá fora, dentro do pó da história e da estratégia as coisas ficam um pouco mais complicadas. Por isso, sempre concebi a tradição liberal como uma predisposição para as coisas (Tocqueville, Constant, Madison, Hume) e não como uma ideologia. O liberalismo deve ser céptico como Hume e não optimista como Bentham.10.Muitos liberais, em hoje em dia, fazem o mesmo que os marxistas do passado: identificam-se pessoalmente com a ideologia. Fundem-se com a causa. Deixam de ter uma existência exterior a essa causa. A sua identidade pré-política é a sua causa política. E isso é um problema. Sobretudo para a pilinha de quem faz esta fusão.Com um abraço; um abraço de quem pensa que Bentham é o momento negro na história da tradição liberal.[Henrique Raposo]

Caro Rui,Tudo o que escrevi sobre o Helder poderia ser aplicado ao seu post. Mas gostava de acrescentar mais qualquer coisa:1.Pilinhas? Pois não sei. Limito-me a escrever. Coisas chatas e sem importância. Nunca ataco pessoas. Nunca reajo. Limito-me a escrever. Estou seguro em relação à minha longitude fálica.2.O ataque ao “estatismo odioso” de esquerda não deve significar um ataque ao próprio conceito de Estado. Sem o monopólio exclusivo da violência não há lei; sem lei não há mercado. Sem mão de ferro (e a expressão é dos “americanos” do Economist) não há mão invisível. Tão simples como isto. A não ser que V. tenha uma concepção benigna sobre o Homem… A não ser que V. considere que todos os homens são iguais e que reagem da mesma forma ao mesmo estímulo (à Bentham, portanto; não se esqueça que Bentham foi uma das influências de Marx).O Indivíduo não flutua acima das realidades históricas. Quando tivermos asas, então sim, poderemos secundarizar o Estado e a Comunidade. Até lá, temos de procurar a melhor forma de arrumar a tensão que se gera entre estes três pólos: indivíduo, comunidade e estado.Pois, eu sei que o Estado mínimo de Smith é uma concepção ética e só depois económica. Pois, eu também sei o que é a ordem espontânea de Hayek. Também acho que deve ser defendida. Mas a questão, aqui, não é essa. Mas obrigado pela explicação.3. O mundo não tem as duas dimensões do ecrã do computador. Não. Tem três dimensões. E há quem diga que existe uma quarta. E daqui decorre uma diferença: eu vejo as coisas em tensão, em conflito, com zonas cinzentas, sem resolução definitiva. Tal como elas são no mundo dos homens. Não tento mudar esse mundo. Apenas tento descobrir e compreender. V., ao invés, vê as coisas sem tensão, na busca da solução que termine com esse conflito permanente. Julga que tem uma verdade absoluta e infalível. Não quer compreender. Quer transformar. Respeito, mas critico.4. Aqui, a questão não é aceitar ou concordar, mas sim colocar as coisas em perspectiva. Não nego Smith ou Hayek quando defendo o Estado. Quando se coloca as coisas em perspectiva, percebemos que a ordem espontânea só existe porque existe um estado a protegê-la. Da segurança do Estado, nasce a ordem espontânea. Ainda bem que fala em Maquiavel. Maquiavel e Hobbes prepararam o terreno para as escolas liberais. É por isso que há continuidade e não contradição entre Hobbes e Kant, tal como dizem, e bem, estes senhores.5. Parece-me que V. tem um vício epistemológico que me faz lembrar, por exemplo, Negri. V. divide o mundo em dois campo, numa simples dicotomia mecânica: os socialistas do estado social e contrários à globalização “versus” os liberais do estado mínimo e a favor da globalização. Assim é fácil. V. encontra uma chave explicativa do mundo; uma chave que está ao seu serviço. Uma chave que lhe permite “compreender” tudo mesmo antes de analisar. Para si, tudo é previsível, porque o mundo já está contido na sua chave. V. também tem uma “multitude” e um “império”.Quando V. diz que a globalização cria “mil centros de poder” está a seguir uma forma de pensar à Negri. Mas em sentido inverso, claro. Para Negri, a Globalização é uma estrutura única e maligna. Para V., a globalização é uma estrutura benigna. Para Negri, também existem “mil rizomas”.6. V. comete o mesmo erro dos neo-marxistas: entra no mito no declínio do Estado. Nada poderia estar mais errado. A globalização existe porque está assente numa estratégia política baseada em estados-chave. Só um exemplo: se imaginar o fim da aliança do Japão com os EUA, V. estará a imaginar o fim desta globalização. Não se deixe seduzir pelos “mil rizomas”, pelos “mil centros de poder”. Fica bem no papel, mas não encaixa na realidade internacional. Os estados “liberais” não são a pilinha mas o pilar da globalização.Aconselho uma saída dos autores de sempre. Aconselho umas leituras históricas e estratégicas. É que o Rodrigo tem razão numa coisa: O liberalismo – na Internet – é uma coisa. Lá fora, é uma coisa bem diferente. Convém ter humildade perante a realidade e perante os outros. É dessa humildade que sai o Saber.7. Fala em “meta-políticos”. Pois, eu creio que o Direito Natural deve ser defendido. Mas não acredito (no sentido religioso ou ideológico) no direito natural. Não é a minha fé. Mais: sem direito positivo (isto é, sem o Estado), o direito natural meta-político não passa de uma utopia.8. Claro que defendo um estado mínimo. Mas na expressão “estado mínimo” convém dar alguma atenção ao “Estado”. A história da tradição liberal foi sempre acompanhada pela seguinte tensão: é necessário conter o poder do Estado (liberdade), mas o estado é necessário (ordem). Como manter a autoridade do estado e, simultaneamente, controlar os seus excessos? É esta a pergunta-chave da tradição liberal. Uma sociedade liberal vive nesta tensão. E não a resolve. A vitalidade do Ocidente liberal é feita de tensões, de conflitos. Este é um deles.9. O liberalismo para consumo e brilho pessoal é uma coisa. É fácil ser-se liberal ao computador. Mas, lá fora, dentro do pó da história e da estratégia as coisas ficam um pouco mais complicadas. Por isso, sempre concebi a tradição liberal como uma predisposição para as coisas (Tocqueville, Constant, Madison, Hume) e não como uma ideologia. O liberalismo deve ser céptico como Hume e não optimista como Bentham.10.Muitos liberais, em hoje em dia, fazem o mesmo que os marxistas do passado: identificam-se pessoalmente com a ideologia. Fundem-se com a causa. Deixam de ter uma existência exterior a essa causa. A sua identidade pré-política é a sua causa política. E isso é um problema. Sobretudo para a pilinha de quem faz esta fusão.Com um abraço; um abraço de quem pensa que Bentham é o momento negro na história da tradição liberal.[Henrique Raposo]

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