O Acidental: José Ramos (10 de Julho de 1954 – 21 de Março de 2006)

25-01-2012
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A Voz que me chamava lá do fundo no bar da Sampaio e Pina “ò seu miúdo” deixava-me os joelhos a tremer. A clientela, essa, passados tantos anos ficava ainda em sobressalto. Eram os tempos em que a rádio se fazia sem computadores. Que Voz.Os anos passaram. Eu cresci, casei, tive filhos e nem por isso deixei de ser “miúdo”. Faz sentido, ele também não mudou. Miúdo, sempre, grande e ternurento abrutalhado. Senhor de gargalhada endémica que enchia sozinha uma sala. Ficou sempre naquele desassossego de consumir a vida antes que a vida se consumisse.Que privilégio ouvir-lhe a Voz ao telefone. Regalia minha que outros pagavam. E que Voz. Tinha o talento único de tornar a mais enfadonha bula numa melodiosa prosa arrebatadora de paixões. Dom nascido mas lavrado com o afinco próprio do rendeiro. Horas e horas de labuta maestral até que a Voz fosse instrumento mais próprio de sinfonia que ferramenta desperdiçada no uso diário das coisas menores.Que delicioso pesadelo trabalhar com a Voz. Quando todos insistiam que não era possível fazer melhor, ele ainda investia o tempo que ninguém tinha até que ficasse provado que só ele era dono daquela razão. E o deleite ainda maior, que esbanjava entre os amigos, deixar que a inigualável Voz declamasse Ary ou Eugénio de Andrade. E que Voz.E que saudades das horas ganhas contigo, das conversas importantes e das outras mais pequenas que essas, quando o tempo passava, estupidamente pouco apreciado, no instante da tua gargalhada. Não era tanto a Voz, mas o que ela dizia.Ontem morreu José Ramos.O senhor da “Voz”.Ontem morreu um grande amigo.Até já.[Rodrigo Moita de Deus]

A Voz que me chamava lá do fundo no bar da Sampaio e Pina “ò seu miúdo” deixava-me os joelhos a tremer. A clientela, essa, passados tantos anos ficava ainda em sobressalto. Eram os tempos em que a rádio se fazia sem computadores. Que Voz.Os anos passaram. Eu cresci, casei, tive filhos e nem por isso deixei de ser “miúdo”. Faz sentido, ele também não mudou. Miúdo, sempre, grande e ternurento abrutalhado. Senhor de gargalhada endémica que enchia sozinha uma sala. Ficou sempre naquele desassossego de consumir a vida antes que a vida se consumisse.Que privilégio ouvir-lhe a Voz ao telefone. Regalia minha que outros pagavam. E que Voz. Tinha o talento único de tornar a mais enfadonha bula numa melodiosa prosa arrebatadora de paixões. Dom nascido mas lavrado com o afinco próprio do rendeiro. Horas e horas de labuta maestral até que a Voz fosse instrumento mais próprio de sinfonia que ferramenta desperdiçada no uso diário das coisas menores.Que delicioso pesadelo trabalhar com a Voz. Quando todos insistiam que não era possível fazer melhor, ele ainda investia o tempo que ninguém tinha até que ficasse provado que só ele era dono daquela razão. E o deleite ainda maior, que esbanjava entre os amigos, deixar que a inigualável Voz declamasse Ary ou Eugénio de Andrade. E que Voz.E que saudades das horas ganhas contigo, das conversas importantes e das outras mais pequenas que essas, quando o tempo passava, estupidamente pouco apreciado, no instante da tua gargalhada. Não era tanto a Voz, mas o que ela dizia.Ontem morreu José Ramos.O senhor da “Voz”.Ontem morreu um grande amigo.Até já.[Rodrigo Moita de Deus]

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