O Acidental: Acontecimento do ano, II: retirada de Gaza

30-06-2011
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1. O olhar europeu tem uma narrativa certa e imutável para a questão da palestina: os israelitas são os ocidentais opressores de um povo não-acidental. Por isso, existe uma certa dificuldade em narrar a situação quando as coisas saem do padrão moral aceite à priori. Como hoje salienta Helena Matos, um terrorista palestiniano é transformado em “kamikaze”. Um termo com carga moral (terrorista) é transformado num termo exótico e remoto dentro da história.2. Num único ano (2005), Sharon – o mau da fita da narrativa oficiosa – fez mais pela paz do que Arafat na vida inteira. No final do ano, Sharon construiu um novo partido centrista - quase de unidade nacional - destinado a superar dois extremos: os nacionalistas do seu ex-partido e os utópicos do partido trabalhista. Antes, durante o verão, Sharon retirou Israel de Gaza.3. A retirada de Gaza é importante pelo que tem de simbólico. Que simbolismo é esse? Num conflito marcado pelos extremismos que pretendem anular o outro, o segredo para a paz está na capacidade que cada lado revelar na contenção dos seus extremistas. Por outras palavras, Israel tem de dominar a direita religiosa; a AP tem de dominar o Hamas e rufias afins. A retirada de Gaza teve este simbolismo: Israel consegue conter os seus extremistas; os israelitas conseguem magoar os seus. Do outro lado, ao invés, não se vê qualquer sinal desta capacidade política. Em Israel, há política. Na Palestina, só há moral e sentimento de pertença comunitário.4. Isto leva-nos para outra questão. A fundamental. Uma questão que nunca é debatida, porque implica uma visão pessimista. E é a seguinte: só haverá paz quando a legítima Autoridade Palestiniana destruir o ilegítimo Hamas. Não temos a coragem para falar disto. Mas a verdade é esta: para haver paz, é preciso haver uma guerra civil entre palestinianos. Qualquer Estado assenta numa premissa: monopólio exclusivo da violência. A AP precisa de destruir ou domesticar os rufias do seu lado da barricada. Sem isso, nada feito.5. Arafat nunca teve a coragem dos homens de estado. Nunca quis enfrentar os seus. Para Arafat, o extremismo do Hamas era, mesmo assim, seu, enquanto que os moderados israelitas eram deles. Para haver paz, os palestinianos têm de aprender a linguagem da sociedade estatal por oposição à linguagem da comunidade de laços de pertença. Rabin, certa vez, afundou um barco cheio de israelitas. Israelitas extremistas. Os palestinianos têm de afundar o seu barco. Negociar um acordo com Israel implica o controlo absoluto da Palestina por parte da AP. Um acordo de paz pressupõe dois soberanos. Israel nunca aceitará um acordo perene sem a presença de um político que detenha o monopólio exclusivo das armas palestinianas.6. O Estado, na sua génese, faz-se com Guerra. Os nossos estados - os europeus - foram assim contruidos ao longo de séculos de guerra. Guerras de pacificação interna. O Estado da Palestina não é excepção. Será feito com guerra. Não gostamos nada de ouvir estas verdades históricas. Somos - os europeus - uma civilização que despreza a história e a dureza de ensinamentos que ela determina. A Paz, esta coisa temporária que temos na Europa, tem por base a guerra. A paz na Palestina não será diferente.7. Se a legítima AP não fizer essa guerra de pacificação interna, então, será o Hamas a fazê-la quando alcançar o poder para isso. Se isto suceder, se o Hamas controlar a Palestina, então, conheceremos um problema novo. Israel responderá como nunca respondeu até agora: destruirá um estado inimigo.[Henrique Raposo]PS: depois da guerra, só me resta desejar um bom 2006 a todos. E bebam. Moderadamente, claro. Bebam. Enquanto podem. O fascismo hipocondríaco, não tarda muito, chegará a esse vício tenebroso que é beber uns copos com os amigos.

1. O olhar europeu tem uma narrativa certa e imutável para a questão da palestina: os israelitas são os ocidentais opressores de um povo não-acidental. Por isso, existe uma certa dificuldade em narrar a situação quando as coisas saem do padrão moral aceite à priori. Como hoje salienta Helena Matos, um terrorista palestiniano é transformado em “kamikaze”. Um termo com carga moral (terrorista) é transformado num termo exótico e remoto dentro da história.2. Num único ano (2005), Sharon – o mau da fita da narrativa oficiosa – fez mais pela paz do que Arafat na vida inteira. No final do ano, Sharon construiu um novo partido centrista - quase de unidade nacional - destinado a superar dois extremos: os nacionalistas do seu ex-partido e os utópicos do partido trabalhista. Antes, durante o verão, Sharon retirou Israel de Gaza.3. A retirada de Gaza é importante pelo que tem de simbólico. Que simbolismo é esse? Num conflito marcado pelos extremismos que pretendem anular o outro, o segredo para a paz está na capacidade que cada lado revelar na contenção dos seus extremistas. Por outras palavras, Israel tem de dominar a direita religiosa; a AP tem de dominar o Hamas e rufias afins. A retirada de Gaza teve este simbolismo: Israel consegue conter os seus extremistas; os israelitas conseguem magoar os seus. Do outro lado, ao invés, não se vê qualquer sinal desta capacidade política. Em Israel, há política. Na Palestina, só há moral e sentimento de pertença comunitário.4. Isto leva-nos para outra questão. A fundamental. Uma questão que nunca é debatida, porque implica uma visão pessimista. E é a seguinte: só haverá paz quando a legítima Autoridade Palestiniana destruir o ilegítimo Hamas. Não temos a coragem para falar disto. Mas a verdade é esta: para haver paz, é preciso haver uma guerra civil entre palestinianos. Qualquer Estado assenta numa premissa: monopólio exclusivo da violência. A AP precisa de destruir ou domesticar os rufias do seu lado da barricada. Sem isso, nada feito.5. Arafat nunca teve a coragem dos homens de estado. Nunca quis enfrentar os seus. Para Arafat, o extremismo do Hamas era, mesmo assim, seu, enquanto que os moderados israelitas eram deles. Para haver paz, os palestinianos têm de aprender a linguagem da sociedade estatal por oposição à linguagem da comunidade de laços de pertença. Rabin, certa vez, afundou um barco cheio de israelitas. Israelitas extremistas. Os palestinianos têm de afundar o seu barco. Negociar um acordo com Israel implica o controlo absoluto da Palestina por parte da AP. Um acordo de paz pressupõe dois soberanos. Israel nunca aceitará um acordo perene sem a presença de um político que detenha o monopólio exclusivo das armas palestinianas.6. O Estado, na sua génese, faz-se com Guerra. Os nossos estados - os europeus - foram assim contruidos ao longo de séculos de guerra. Guerras de pacificação interna. O Estado da Palestina não é excepção. Será feito com guerra. Não gostamos nada de ouvir estas verdades históricas. Somos - os europeus - uma civilização que despreza a história e a dureza de ensinamentos que ela determina. A Paz, esta coisa temporária que temos na Europa, tem por base a guerra. A paz na Palestina não será diferente.7. Se a legítima AP não fizer essa guerra de pacificação interna, então, será o Hamas a fazê-la quando alcançar o poder para isso. Se isto suceder, se o Hamas controlar a Palestina, então, conheceremos um problema novo. Israel responderá como nunca respondeu até agora: destruirá um estado inimigo.[Henrique Raposo]PS: depois da guerra, só me resta desejar um bom 2006 a todos. E bebam. Moderadamente, claro. Bebam. Enquanto podem. O fascismo hipocondríaco, não tarda muito, chegará a esse vício tenebroso que é beber uns copos com os amigos.

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