O Acidental: Eu pecador me confesso

03-07-2011
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Nunca tinha entrado no El Corte Inglés de Lisboa até à passada quinta-feira. Não por mero acaso ou por esta grande superfície ficar muito distante das minhas rotas habituais. Em boa verdade, até fica bastante mais perto do que os templos do consumo do tio Belmiro onde alegremente rebento orçamentos à custa da Fnac, da Tema e de tantas outras lojas “ready to please”.Nunca tinha entrado no El Corte Inglés de Lisboa - cheguei a ficar um quarto de hora à porta enquanto a minha “better half” foi comprar uma prenda, o que me assegura entrada directa para o “top ten” dos teimosos - por militância. Não queria dar um mísero cêntimo à grande superfície que melhor representa o avanço de Espanha sobre a economia portuguesa, considerada por “los hermanitos" extensão natural da sua própria. Uma vã filosofia facilmente enquadrável no nacionalismo serôdio, mas que segui religiosamente, sem precisar de incendiar a Embaixada de Espanha para lavrar o meu protesto (e continuando a fazer compras nas lojas da Inditex, com a justificação de se tratar de um grupo galego).Mas na manhã de quinta-feira entrei no El Corte Inglés de Lisboa. O táxi deixou-me à porta e, com alguma relutância, embrenhei-me pelos seus corredores - lembrando-me dos Armazéns do Chiado e do Grandella da minha infância, quando a austeridade (geral e familiar) fazia com que os produtos expostos nas montras fossem tão inacessíveis quanto o turismo no Espaço -, sentindo-me vagamente desconfortável por ali me encontrar. Acabei por gastar um par de euros num pequeno-almoço alternativo, ao qual não o pastel de nata mais tristonho que tive a infelicidade de degustar nos últimos anos - mas talvez seja mesmo o mau feitio a subverter a informação das papilas gustativas -, e encaminhei-me para as salas de UCI.Entrei no El Corte Inglés de Lisboa graças aos senhores da Vitória Filmes, que naquelas coordenadas realizaram o visionamento de “A History of Violence”, novo filme de David Cronenberg, no qual Viggo Mortensen poderá ou não ser um ex-mafioso descoberto após 20 anos em que se dedicou a construir uma família, uma existência numa pacata cidadezinha do Midwest e, acima de tudo, uma nova personalidade. O filme só chega às salas a 16 de Março, mas ficam já avisados: vê-lo é de tal modo obrigatório que justifica pecados maiores do que entrar num símbolo de Espanha cravado no coração de Lisboa.[Leonardo Ralha]P.S. - Espero que o professor Diogo perdoe tão licenciosa xenofobia e o apelo à guerra das civilizações.

Nunca tinha entrado no El Corte Inglés de Lisboa até à passada quinta-feira. Não por mero acaso ou por esta grande superfície ficar muito distante das minhas rotas habituais. Em boa verdade, até fica bastante mais perto do que os templos do consumo do tio Belmiro onde alegremente rebento orçamentos à custa da Fnac, da Tema e de tantas outras lojas “ready to please”.Nunca tinha entrado no El Corte Inglés de Lisboa - cheguei a ficar um quarto de hora à porta enquanto a minha “better half” foi comprar uma prenda, o que me assegura entrada directa para o “top ten” dos teimosos - por militância. Não queria dar um mísero cêntimo à grande superfície que melhor representa o avanço de Espanha sobre a economia portuguesa, considerada por “los hermanitos" extensão natural da sua própria. Uma vã filosofia facilmente enquadrável no nacionalismo serôdio, mas que segui religiosamente, sem precisar de incendiar a Embaixada de Espanha para lavrar o meu protesto (e continuando a fazer compras nas lojas da Inditex, com a justificação de se tratar de um grupo galego).Mas na manhã de quinta-feira entrei no El Corte Inglés de Lisboa. O táxi deixou-me à porta e, com alguma relutância, embrenhei-me pelos seus corredores - lembrando-me dos Armazéns do Chiado e do Grandella da minha infância, quando a austeridade (geral e familiar) fazia com que os produtos expostos nas montras fossem tão inacessíveis quanto o turismo no Espaço -, sentindo-me vagamente desconfortável por ali me encontrar. Acabei por gastar um par de euros num pequeno-almoço alternativo, ao qual não o pastel de nata mais tristonho que tive a infelicidade de degustar nos últimos anos - mas talvez seja mesmo o mau feitio a subverter a informação das papilas gustativas -, e encaminhei-me para as salas de UCI.Entrei no El Corte Inglés de Lisboa graças aos senhores da Vitória Filmes, que naquelas coordenadas realizaram o visionamento de “A History of Violence”, novo filme de David Cronenberg, no qual Viggo Mortensen poderá ou não ser um ex-mafioso descoberto após 20 anos em que se dedicou a construir uma família, uma existência numa pacata cidadezinha do Midwest e, acima de tudo, uma nova personalidade. O filme só chega às salas a 16 de Março, mas ficam já avisados: vê-lo é de tal modo obrigatório que justifica pecados maiores do que entrar num símbolo de Espanha cravado no coração de Lisboa.[Leonardo Ralha]P.S. - Espero que o professor Diogo perdoe tão licenciosa xenofobia e o apelo à guerra das civilizações.

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