Todos os dias, alguém é torpedeado pelo politicamente correcto. Hoje, foi a minha vez. Alguém pergunta:- Mas não gosta de Rap e assim?Limitei-me a responder:- Não, não gosto de Rap e assim. E, já agora, o que é esse “assim”? Com a previsibilidade das leis da física, fui apelidado de "racista" pela turba que adora esse tal “assim”. Fiz um juízo estético. Apenas. Mas como esse juízo estético está ligado a um modo de cantar normalmente associado a negros, claro, não estou a exercer a minha capacidade de juízo. Estou a ser um branco racista. Isto é o politicamente correcto em acção: a proibição de qualquer crítica a qualquer fenómeno produzido pelo Outro (leia-se: quem não tem a tez branca). E esta proibição funde todas as esferas: a estética, a política, a moral, a cultural. Neste modo de pensar, quando alguém critica o Rap, não está a fazer um juízo de uma esfera restrita (arte), mas uma crítica total ao “negro”. E, depois, há o efeito contrário. Chega um filme do Kazaquistão. Esta brigada politicamente correcta, mesmo antes de ver a coisa, já está a dizer que é muito bom, que retrata uma especificidade cultural em vias de extinção como o Koala da Noruega, etc. E os poetas da Nicarágua são, obviamente, melhores do que qualquer poeta americano. E os pintores do Burundi? Picasso no bolso. E os batuques da selva do Brunei? Uma primordialidade de multitudes que Mozart nunca alcançou. Nada mais óbvio. Nem sequer é preciso ouvir Mozart. Aliás, nem sequer é preciso ouvir os batuques. Basta ver a etiqueta.Não conheço forma de racismo mais despudorada. Um racismo com sorriso nos lábios e voz doce. O fardo do homem branco versão mordomo simpático.Depois dos insultos simpáticos (tenho saudades da venha esquerda não-politicamente correcta. Essa, ao menos, quando insultava, insultava a sério. Mostrava cara feia. Esta nova esquerda diz as coisas com um sorriso entre o demente e a gozação), resolvi ripostar:- Então, e V.? Gosta de Coltrane? E de Louis Armstrong?Fiquei a saber o seguinte: o que interessa é o “assim”. O "assim" não é a música, mas a postura. A postura à la Outro. Como Louis Armstrong não usava boné, fios e cachuchos no dedo, não presta. Fiquei a saber que a música, para muita gente, não é para ouvir mas para ver. [Henrique Raposo]
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Todos os dias, alguém é torpedeado pelo politicamente correcto. Hoje, foi a minha vez. Alguém pergunta:- Mas não gosta de Rap e assim?Limitei-me a responder:- Não, não gosto de Rap e assim. E, já agora, o que é esse “assim”? Com a previsibilidade das leis da física, fui apelidado de "racista" pela turba que adora esse tal “assim”. Fiz um juízo estético. Apenas. Mas como esse juízo estético está ligado a um modo de cantar normalmente associado a negros, claro, não estou a exercer a minha capacidade de juízo. Estou a ser um branco racista. Isto é o politicamente correcto em acção: a proibição de qualquer crítica a qualquer fenómeno produzido pelo Outro (leia-se: quem não tem a tez branca). E esta proibição funde todas as esferas: a estética, a política, a moral, a cultural. Neste modo de pensar, quando alguém critica o Rap, não está a fazer um juízo de uma esfera restrita (arte), mas uma crítica total ao “negro”. E, depois, há o efeito contrário. Chega um filme do Kazaquistão. Esta brigada politicamente correcta, mesmo antes de ver a coisa, já está a dizer que é muito bom, que retrata uma especificidade cultural em vias de extinção como o Koala da Noruega, etc. E os poetas da Nicarágua são, obviamente, melhores do que qualquer poeta americano. E os pintores do Burundi? Picasso no bolso. E os batuques da selva do Brunei? Uma primordialidade de multitudes que Mozart nunca alcançou. Nada mais óbvio. Nem sequer é preciso ouvir Mozart. Aliás, nem sequer é preciso ouvir os batuques. Basta ver a etiqueta.Não conheço forma de racismo mais despudorada. Um racismo com sorriso nos lábios e voz doce. O fardo do homem branco versão mordomo simpático.Depois dos insultos simpáticos (tenho saudades da venha esquerda não-politicamente correcta. Essa, ao menos, quando insultava, insultava a sério. Mostrava cara feia. Esta nova esquerda diz as coisas com um sorriso entre o demente e a gozação), resolvi ripostar:- Então, e V.? Gosta de Coltrane? E de Louis Armstrong?Fiquei a saber o seguinte: o que interessa é o “assim”. O "assim" não é a música, mas a postura. A postura à la Outro. Como Louis Armstrong não usava boné, fios e cachuchos no dedo, não presta. Fiquei a saber que a música, para muita gente, não é para ouvir mas para ver. [Henrique Raposo]