O Acidental: Grandes vistos em 2005, II

01-07-2011
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1.Primeiro: é um acontecimento porque marca o regresso de um clássico vivo. Ser-se um clássico em vida é privilégio do génio invisível e simples de poucos. Bergman é um deles. Segundo: é um acontecimento porque este clássico que ainda respira regressa com novas tecnologias. Sem birras saudosistas. Terceiro: apesar de tudo, não é uma obra-prima.2.É um grande filme, mas não é a obra-prima para o espaço. Não tem a dimensão da ternura (Morangos Silvestres), do medo (Sétimo Selo) e do lirismo emocional (Lágrimas e Suspiros) do passado glorioso (e clássico) de Bergman. Considerar que Saraband é tão bom como Morangos Silvestres representa a entrada no provincianismo do presente; é desrespeitar a História do cinema e a noção de escala e perspectiva que essa História impõe à avaliação de uma obra do nosso tempo. Mais: neste caso, considerar Saraband ao nível dos clássicos de Bergman significa avaliar por baixo toda a obra do sueco.3. Bergman sempre teve o condão de arrancar a alma aos actores. Nos seus filmes, os actores revelam os excessos da condição humana. De Saraband, marquei uma cena que simboliza o excesso típico da raça: o ódio. Apenas o Homem pode odiar. A besta limita-se a reagir. Deus limita-se a amar. A máquina limita-se a estar. Só a besta humana pode odiar.E a cena é aquela da biblioteca. Entre pai e filho. O ódio, a tensão pré-suicida, o asco, enfim, todo o lixo que se concentra no ressentimento foi ali figurado. Aquele ódio é de tal forma esmagador, que, a certa altura, temos vontade de sair da sala. É demasiada realidade. É confrangedoramente real.[Henrique Raposo]

1.Primeiro: é um acontecimento porque marca o regresso de um clássico vivo. Ser-se um clássico em vida é privilégio do génio invisível e simples de poucos. Bergman é um deles. Segundo: é um acontecimento porque este clássico que ainda respira regressa com novas tecnologias. Sem birras saudosistas. Terceiro: apesar de tudo, não é uma obra-prima.2.É um grande filme, mas não é a obra-prima para o espaço. Não tem a dimensão da ternura (Morangos Silvestres), do medo (Sétimo Selo) e do lirismo emocional (Lágrimas e Suspiros) do passado glorioso (e clássico) de Bergman. Considerar que Saraband é tão bom como Morangos Silvestres representa a entrada no provincianismo do presente; é desrespeitar a História do cinema e a noção de escala e perspectiva que essa História impõe à avaliação de uma obra do nosso tempo. Mais: neste caso, considerar Saraband ao nível dos clássicos de Bergman significa avaliar por baixo toda a obra do sueco.3. Bergman sempre teve o condão de arrancar a alma aos actores. Nos seus filmes, os actores revelam os excessos da condição humana. De Saraband, marquei uma cena que simboliza o excesso típico da raça: o ódio. Apenas o Homem pode odiar. A besta limita-se a reagir. Deus limita-se a amar. A máquina limita-se a estar. Só a besta humana pode odiar.E a cena é aquela da biblioteca. Entre pai e filho. O ódio, a tensão pré-suicida, o asco, enfim, todo o lixo que se concentra no ressentimento foi ali figurado. Aquele ódio é de tal forma esmagador, que, a certa altura, temos vontade de sair da sala. É demasiada realidade. É confrangedoramente real.[Henrique Raposo]

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