O Acidental: Multiculturalismo e Republicanismo

01-07-2011
marcar artigo

Em França, parece-me, esvoaçam dois problemas:1. Os franceses sempre tiveram um problema: como lidar com a diferença? Existe uma incapacidade na cultura política francesa para aceitar o pluralismo. Desde o reaccionário Rousseau ao iluminista Voltaire, existiu sempre um culto pela Unidade. E essa Unidade não sabe o que fazer com a diferença. Em França, tende-se a pensar em tabula rasa. E quando se tenta a tabula rasa muitas vezes, a reacção cultural, inevitavelmente, aparece. A polémica do véu é apenas a última prova da incapacidade francesa para lidar com uma sociedade plural.O modelo republicano francês só funciona num país fechado. Cultural e economicamente. Não é por acaso que os franceses andam a namorar com o proteccionismo económico e com a dita especificidade cultural francesa. Atenção: o modelo republicano francês não é apenas um modelo económico. Tal como um modelo liberal, o modelo social francês é, antes de mais, um modelo que contém uma concepção cívica da sociedade. E a concepção cívica francesa pressupõe uma unidade social como aquela que existia há 50 anos. Essa unidade deixou de existir. Hoje, a França (e toda a Europa) precisa de um modelo cosmopolita que recuse, simultaneamente, o “republicanismo” que unifica à força (caso do véu) e o “multiculturalismo” paternalista que esvoaça nas nossas televisões. 2. O segundo problema é, precisamente, o multiculturalismo. E o que é o Multiculturalismo? Resposta: uma forma de estilhaçar a sociedade, formando guetos onde cada um só pode ser aquilo onde nasceu. Ser-se multiculturalista é ser-se reaccionário com capa progressista.É tempo de gritar: multiculturalismo é o velho nacionalismo com ares esquerdistas. E o multiculturalista é tão racista como o nacionalista. É, como lhe chamou Ian Buruma, um “orientalismo ao contrário”; um “racismo altruísta” (Paulo Tunhas). O “Outro” não é respeitado. O “Outro” é infantilizado. É desresponsabilizado. O “Outro” não tem agência própria. Só reage aos poderes ocidentais. É tempo de pôr cobro à fraude: o multiculturalismo não é cosmopolitismo. O cosmopolitismo baseia-se na lei, na igualdade de todos perante a lei, independentemente da cor da pele. Todos têm os mesmos direitos e os mesmos deveres. O Multiculturalismo, ao invés, é a cópia do romantismo político do XIX (aquela coisa que reagiu aos iluminismos cosmopolitas); baseia-se na etnia e na religião; aqui, há deveres e direitos diferentes - o princípio do caos.O cosmopolitismo transforma o indivíduo num cidadão. O multiculturalismo aprisiona o indivíduo numa dada comunidade. Os jovens nascem em dada comunidade e são “convidados” a ser apenas membros daquela comunidade. É por isso que Todorov fala em demência identitária. O multiculturalismo é uma tremenda falta de respeito pela liberdade, pela a agência dos indivíduos. O multiculturalista no XXI, tal como o romântico no XIX, quando olha para um indivíduo vê apenas um membro de qualquer coisa. E esta cultura politicamente correcta (atenção, uma invenção mais americana do que francesa; aliás, os melhores críticos do multiculturalismo são franceses) arranca aplausos nas TV’s (só uma pergunta: os repórteres da RTP fazem informação ou ideologia?) e nas escolas de currículo único.4. O Politicamente correcto é um bárbaro com pele de Cinderela virgem. Sempre que Y legitima ou desculpabiliza um acto de X devido ao facto de X ser pobre, então, Y está a insultar todos os pobres. Y conduz um raciocínio que liga directamente pobreza com violência e actos ilegais. É óbvio que Y nunca foi pobre. Também é óbvio que é tempo de pôr cobro à impunidade desta forma de pensar que lança barbaridades com um sorriso nos lábios.[Henrique Raposo]

Em França, parece-me, esvoaçam dois problemas:1. Os franceses sempre tiveram um problema: como lidar com a diferença? Existe uma incapacidade na cultura política francesa para aceitar o pluralismo. Desde o reaccionário Rousseau ao iluminista Voltaire, existiu sempre um culto pela Unidade. E essa Unidade não sabe o que fazer com a diferença. Em França, tende-se a pensar em tabula rasa. E quando se tenta a tabula rasa muitas vezes, a reacção cultural, inevitavelmente, aparece. A polémica do véu é apenas a última prova da incapacidade francesa para lidar com uma sociedade plural.O modelo republicano francês só funciona num país fechado. Cultural e economicamente. Não é por acaso que os franceses andam a namorar com o proteccionismo económico e com a dita especificidade cultural francesa. Atenção: o modelo republicano francês não é apenas um modelo económico. Tal como um modelo liberal, o modelo social francês é, antes de mais, um modelo que contém uma concepção cívica da sociedade. E a concepção cívica francesa pressupõe uma unidade social como aquela que existia há 50 anos. Essa unidade deixou de existir. Hoje, a França (e toda a Europa) precisa de um modelo cosmopolita que recuse, simultaneamente, o “republicanismo” que unifica à força (caso do véu) e o “multiculturalismo” paternalista que esvoaça nas nossas televisões. 2. O segundo problema é, precisamente, o multiculturalismo. E o que é o Multiculturalismo? Resposta: uma forma de estilhaçar a sociedade, formando guetos onde cada um só pode ser aquilo onde nasceu. Ser-se multiculturalista é ser-se reaccionário com capa progressista.É tempo de gritar: multiculturalismo é o velho nacionalismo com ares esquerdistas. E o multiculturalista é tão racista como o nacionalista. É, como lhe chamou Ian Buruma, um “orientalismo ao contrário”; um “racismo altruísta” (Paulo Tunhas). O “Outro” não é respeitado. O “Outro” é infantilizado. É desresponsabilizado. O “Outro” não tem agência própria. Só reage aos poderes ocidentais. É tempo de pôr cobro à fraude: o multiculturalismo não é cosmopolitismo. O cosmopolitismo baseia-se na lei, na igualdade de todos perante a lei, independentemente da cor da pele. Todos têm os mesmos direitos e os mesmos deveres. O Multiculturalismo, ao invés, é a cópia do romantismo político do XIX (aquela coisa que reagiu aos iluminismos cosmopolitas); baseia-se na etnia e na religião; aqui, há deveres e direitos diferentes - o princípio do caos.O cosmopolitismo transforma o indivíduo num cidadão. O multiculturalismo aprisiona o indivíduo numa dada comunidade. Os jovens nascem em dada comunidade e são “convidados” a ser apenas membros daquela comunidade. É por isso que Todorov fala em demência identitária. O multiculturalismo é uma tremenda falta de respeito pela liberdade, pela a agência dos indivíduos. O multiculturalista no XXI, tal como o romântico no XIX, quando olha para um indivíduo vê apenas um membro de qualquer coisa. E esta cultura politicamente correcta (atenção, uma invenção mais americana do que francesa; aliás, os melhores críticos do multiculturalismo são franceses) arranca aplausos nas TV’s (só uma pergunta: os repórteres da RTP fazem informação ou ideologia?) e nas escolas de currículo único.4. O Politicamente correcto é um bárbaro com pele de Cinderela virgem. Sempre que Y legitima ou desculpabiliza um acto de X devido ao facto de X ser pobre, então, Y está a insultar todos os pobres. Y conduz um raciocínio que liga directamente pobreza com violência e actos ilegais. É óbvio que Y nunca foi pobre. Também é óbvio que é tempo de pôr cobro à impunidade desta forma de pensar que lança barbaridades com um sorriso nos lábios.[Henrique Raposo]

marcar artigo