Assembleia Municipal de Lisboa discute impacte de cruzeiros na saúde e no ambiente

02-06-2020
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O BE quer que a Câmara de Lisboa lidere um estudo científico sobre os diversos impactes do terminal de cruzeiros na saúde pública. Em 2017, um estudo europeu colocou-a como a cidade que mais cruzeiros recebeu em toda a Europa. Um único navio polui tanto como um milhão de carros num dia

© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

A Assembleia Municipal (AM) de Lisboa - que reúne esta quinta-feira, em continuação da sessão do dia 18 - vai discutir e votar uma recomendação do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) para reduzir o impacte do terminal de cruzeiros no ambiente e na saúde.

No documento - assinado pelo pelos deputados Ricardo Moreira, Isabel Pires e Tiago Ivo Pereira. O BE recomenda ao executivo da Câmara Municipal de Lisboa que promova "a realização de um estudo científico, em articulação com entidades públicas com competência para o efeito, sobre os diversos impactes da exploração do Terminal de Cruzeiros de Lisboa, incidindo no impacto sobre a saúde pública, no bem-estar e no ambiente e associando os custos que esse impacto representa para a sociedade".

"Existem vários estudos, mas nenhum deles ainda foi feito em articulação com as diversas entidades, nenhum que nos dê uma perspetiva real do problema", disse ao DN Isabel Pires, do grupo parlamentar do BE. A deputada acredita que há condições para que a recomendação seja aprovada, até porque "não vamos tão longe quanto poderíamos ir". Ainda assim, "é um primeiro passo".

Da recomendação faz também parte a inclusão, no plano de ação climático da cidade de Lisboa, de "medidas que reduzam efetivamente a poluição da atividade do Terminal de Cruzeiros de Lisboa e da atividade comercial marítima no rio Tejo". E essa parece ser a grande questão que se sobrepõe a tudo o resto. Segundo a Associação Zero, as emissões dos navios que abastecem em Portugal são equivalentes à emissão de dióxido de carbono das oito cidades portuguesas com mais carros registados - que se localizam nas áreas de Lisboa, Porto e Braga.

"Dados da Federação Europeia para os Transportes e Ambiente indicam que se o transporte marítimo integrasse o regime de comércio de licenças de emissão da UE, a companhia de navios "MSC" seria o oitavo maior emissor na lista dos dez maiores poluidores europeus, lista onde constam 8 centrais a carvão e uma companhia aérea", sublinha o BE, que cita também um estudo da mesma Federação, com dados relativos a 2017: Portugal é o 5.º país europeu com maiores emissões associadas ao transporte marítimo de combustíveis fósseis (25%).

Lisboa, capital europeia dos cruzeiros

O mesmo estudo indica que Lisboa é a cidade europeia que mais cruzeiros recebeu (115), a terceira com mais horas de cruzeiros em estacionamento (7953 horas) e a sexta cidade mais exposta relacionada com cruzeiros. "O elevado número de embarcações a atracar em Lisboa significa também um elevado número de emissões poluentes com largas quantidades de dióxido de enxofre e de óxidos de azoto, partículas finas e ultrafinas, entre outros poluentes". A este propósito, o BE cita um estudo feito no Reino Unido (às partículas poluentes ultrafinas no ar em redor a um navio de cruzeiro) que mostra como apenas um navio pode emitir níveis de poluição equivalente à poluição criada por um milhão de carros num dia, sendo a qualidade de ar no convés equivalente ao das cidades mais poluídas do mundo.

Uma vez que o setor marítimo está isento pela legislação da UE de pagar impostos sobre o combustível que consome, isso "representa uma efetiva subsidiação no valor de 2 mil milhões de euros por ano e um incentivo a não investir em combustíveis menos danosos para o ambiente", refere um dos pontos prévios à recomendação. Por outro lado, lembra que "os navios de cruzeiro necessitam de garantir os seus gigantes consumos de energia, mantendo os motores em funcionamento enquanto estacionados, queimando dezenas de toneladas de combustível extremamente poluente. O combustível utilizado por estes navios apresenta teores de enxofre até 100 vezes superiores aos utilizados por outros meios de transporte".

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a poluição do ar constitui-se com uma importante causa de doenças coronárias e respiratórias, cancros do pulmão, AVCs e pode causar demências várias, como o Alzheimer. Ao mesmo tempo, "a má qualidade do ar relacionada com navios representa 400 mil mortes prematuras por ano a nível mundial, com um custo para a sociedade estimado em 58 mil milhões de euros. Na Europa, a poluição associada a navios representa 50mil mortes prematuras por ano", recorda o BE.

Efeitos negativos do turismo

"Não se conhecem os impactos que a operação naval causa na saúde e no ambiente da cidade de Lisboa", sublinha Isabel Pires. O tema bate de frente com outro: "a cidade de Lisboa alberga milhões de turistas ao longo do ano. Para responder a este turismo massificado, não só foi criada, em 2014, a taxa municipal turística, operacionalizada através do Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa, como também o valor daquela foi recentemente elevado para o dobro". Para mais, o BE insiste que se preocupa "cada vez mais com os efeitos negativos que advêm daí, dessa massificação do turismo, com implicações a nível social gravíssimas. Esta é apenas uma delas", conclui a deputada. O partido entende que "esta receita do município tem de ser utilizada para responder aos problemas ambientais e de saúde pública que o exponencial aumento de cruzeiros provoca a quem vive e trabalha em Lisboa".

No ano que a capital do país acumula com a designação de Capital Europeia Verde (em 2020), tendo-se também tornado membro do Grupo da Liderança Climática das Grandes Cidades, e assumido o compromisso de criar um plano de ação climático que seja consistente com as metas mais altas do Acordo de Paris, "faz todo o sentido que comecemos a agir", afirma a interlocutora do BE, lembrando que outras cidades europeias já anunciaram medidas no sentido de diminuir a poluição associada aos navios de Cruzeiro, como é o caso de Barcelona ou Veneza. Ambas se comprometeram a reduzir o número de cruzeiros e a tomar medidas como a criação de condições estruturais para que o Terminal de Cruzeiros forneça eletricidade aos navios aí parados.

Da recomendação que esta tarde será votada pela AM de Lisboa faz parte também a medida de garantir que no sistema de medição de emissões atmosféricas da cidade de Lisboa seja incluída a zona do Terminal de Cruzeiros, tornando pública e em tempo real a monitorização dos níveis de poluição, nomeadamente no site da Câmara Municipal de Lisboa e em painéis em locais públicos. O documento estabelece ainda a necessidade de articular com as diversas entidades competentes pela navegação no Rio Tejo, a proibição, já a partir de 2021, de navios cruzeiro que não tenham transitado para energias mais limpas e sustentáveis.

O BE quer que a Câmara de Lisboa lidere um estudo científico sobre os diversos impactes do terminal de cruzeiros na saúde pública. Em 2017, um estudo europeu colocou-a como a cidade que mais cruzeiros recebeu em toda a Europa. Um único navio polui tanto como um milhão de carros num dia

© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

A Assembleia Municipal (AM) de Lisboa - que reúne esta quinta-feira, em continuação da sessão do dia 18 - vai discutir e votar uma recomendação do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) para reduzir o impacte do terminal de cruzeiros no ambiente e na saúde.

No documento - assinado pelo pelos deputados Ricardo Moreira, Isabel Pires e Tiago Ivo Pereira. O BE recomenda ao executivo da Câmara Municipal de Lisboa que promova "a realização de um estudo científico, em articulação com entidades públicas com competência para o efeito, sobre os diversos impactes da exploração do Terminal de Cruzeiros de Lisboa, incidindo no impacto sobre a saúde pública, no bem-estar e no ambiente e associando os custos que esse impacto representa para a sociedade".

"Existem vários estudos, mas nenhum deles ainda foi feito em articulação com as diversas entidades, nenhum que nos dê uma perspetiva real do problema", disse ao DN Isabel Pires, do grupo parlamentar do BE. A deputada acredita que há condições para que a recomendação seja aprovada, até porque "não vamos tão longe quanto poderíamos ir". Ainda assim, "é um primeiro passo".

Da recomendação faz também parte a inclusão, no plano de ação climático da cidade de Lisboa, de "medidas que reduzam efetivamente a poluição da atividade do Terminal de Cruzeiros de Lisboa e da atividade comercial marítima no rio Tejo". E essa parece ser a grande questão que se sobrepõe a tudo o resto. Segundo a Associação Zero, as emissões dos navios que abastecem em Portugal são equivalentes à emissão de dióxido de carbono das oito cidades portuguesas com mais carros registados - que se localizam nas áreas de Lisboa, Porto e Braga.

"Dados da Federação Europeia para os Transportes e Ambiente indicam que se o transporte marítimo integrasse o regime de comércio de licenças de emissão da UE, a companhia de navios "MSC" seria o oitavo maior emissor na lista dos dez maiores poluidores europeus, lista onde constam 8 centrais a carvão e uma companhia aérea", sublinha o BE, que cita também um estudo da mesma Federação, com dados relativos a 2017: Portugal é o 5.º país europeu com maiores emissões associadas ao transporte marítimo de combustíveis fósseis (25%).

Lisboa, capital europeia dos cruzeiros

O mesmo estudo indica que Lisboa é a cidade europeia que mais cruzeiros recebeu (115), a terceira com mais horas de cruzeiros em estacionamento (7953 horas) e a sexta cidade mais exposta relacionada com cruzeiros. "O elevado número de embarcações a atracar em Lisboa significa também um elevado número de emissões poluentes com largas quantidades de dióxido de enxofre e de óxidos de azoto, partículas finas e ultrafinas, entre outros poluentes". A este propósito, o BE cita um estudo feito no Reino Unido (às partículas poluentes ultrafinas no ar em redor a um navio de cruzeiro) que mostra como apenas um navio pode emitir níveis de poluição equivalente à poluição criada por um milhão de carros num dia, sendo a qualidade de ar no convés equivalente ao das cidades mais poluídas do mundo.

Uma vez que o setor marítimo está isento pela legislação da UE de pagar impostos sobre o combustível que consome, isso "representa uma efetiva subsidiação no valor de 2 mil milhões de euros por ano e um incentivo a não investir em combustíveis menos danosos para o ambiente", refere um dos pontos prévios à recomendação. Por outro lado, lembra que "os navios de cruzeiro necessitam de garantir os seus gigantes consumos de energia, mantendo os motores em funcionamento enquanto estacionados, queimando dezenas de toneladas de combustível extremamente poluente. O combustível utilizado por estes navios apresenta teores de enxofre até 100 vezes superiores aos utilizados por outros meios de transporte".

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a poluição do ar constitui-se com uma importante causa de doenças coronárias e respiratórias, cancros do pulmão, AVCs e pode causar demências várias, como o Alzheimer. Ao mesmo tempo, "a má qualidade do ar relacionada com navios representa 400 mil mortes prematuras por ano a nível mundial, com um custo para a sociedade estimado em 58 mil milhões de euros. Na Europa, a poluição associada a navios representa 50mil mortes prematuras por ano", recorda o BE.

Efeitos negativos do turismo

"Não se conhecem os impactos que a operação naval causa na saúde e no ambiente da cidade de Lisboa", sublinha Isabel Pires. O tema bate de frente com outro: "a cidade de Lisboa alberga milhões de turistas ao longo do ano. Para responder a este turismo massificado, não só foi criada, em 2014, a taxa municipal turística, operacionalizada através do Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa, como também o valor daquela foi recentemente elevado para o dobro". Para mais, o BE insiste que se preocupa "cada vez mais com os efeitos negativos que advêm daí, dessa massificação do turismo, com implicações a nível social gravíssimas. Esta é apenas uma delas", conclui a deputada. O partido entende que "esta receita do município tem de ser utilizada para responder aos problemas ambientais e de saúde pública que o exponencial aumento de cruzeiros provoca a quem vive e trabalha em Lisboa".

No ano que a capital do país acumula com a designação de Capital Europeia Verde (em 2020), tendo-se também tornado membro do Grupo da Liderança Climática das Grandes Cidades, e assumido o compromisso de criar um plano de ação climático que seja consistente com as metas mais altas do Acordo de Paris, "faz todo o sentido que comecemos a agir", afirma a interlocutora do BE, lembrando que outras cidades europeias já anunciaram medidas no sentido de diminuir a poluição associada aos navios de Cruzeiro, como é o caso de Barcelona ou Veneza. Ambas se comprometeram a reduzir o número de cruzeiros e a tomar medidas como a criação de condições estruturais para que o Terminal de Cruzeiros forneça eletricidade aos navios aí parados.

Da recomendação que esta tarde será votada pela AM de Lisboa faz parte também a medida de garantir que no sistema de medição de emissões atmosféricas da cidade de Lisboa seja incluída a zona do Terminal de Cruzeiros, tornando pública e em tempo real a monitorização dos níveis de poluição, nomeadamente no site da Câmara Municipal de Lisboa e em painéis em locais públicos. O documento estabelece ainda a necessidade de articular com as diversas entidades competentes pela navegação no Rio Tejo, a proibição, já a partir de 2021, de navios cruzeiro que não tenham transitado para energias mais limpas e sustentáveis.

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