Pó dos Livros: Saber ler e escrever

27-01-2012
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- Avô, como era a tua escola?- Eu nunca fui à escola.- Nunca!?...- Nunca.- Porquê?- Olha, porque nasci há muitos anos, no tempo em que não era obrigatório levar as crianças à escola. - Então, como é que tu sabes ler e escrever? - A vida, por vezes, ensina-nos.- Como assim?- Estou a brincar, foi o meu pai que me ensinou as primeiras letras.- E como é que ele aprendeu?- Não sei bem, talvez sozinho. Ele era um homem muito persistente, só assim se explica porque é que o teu trisavô – como tu sabes e apesar de me chamares avô, eu sou, na realidade, teu bisavô… -- Eu sei, avô.- ... Então, como eu estava a dizer, o meu pai era muito persistente, sobreviveu à 1.ª Grande Guerra, enquanto Cabo Chefe da Infantaria. Sobreviveu, primeiro às balas e canhões dos alemães; depois à prisão e à fome, durante nove longos meses algures em França. Como ele escrevia muito bem, deixou, inclusive, um diário que te posso emprestar um dia para leres, onde ele relata o quotidiano da guerra e da prisão, em condições que ele descreve como desumanas.- Desumanas, como?- Olha, por exemplo, ter que andar à pancada com os camaradas de armas, só para poder comer um rato.- Que nojo… avô!- Pois é meu filho, mas é verdade.- E como é que ele conseguiu salvar-se?- Porque sabia ler.- Porque sabia ler?- Sim, naquele tempo, a maioria das pessoas não sabia ler, nem escrever. Saber ler e escrever, e naquelas circunstâncias, era ter uma grande vantagem em relação aos outros.- Porquê?- Porque em troca, por exemplo, de alguns alimentos, o meu pai escrevia e lia as cartas aos outros prisioneiros, o que lhe permitia ir mantendo uma saúde razoável.- Como é que ele voltou para casa - conseguiu fugir?- Não. Um dia pediram-lhe para ler um papel que um francês, em segredo, tinha entregue a um dos prisioneiros.- E o que é que esse papel dizia?- La guerre est finie! La guerre est finie!Nota: Ouvi esta conversa entre o Senhor José António Soeiro e o seu bisneto, meu filho. Embora, o avô Zé, como lhe chamam, nunca tenha ido à escola, é ainda hoje , o mais antigo colaborador activo do jornal semanal Cidade de Tomar.Jaime Bulhosa


- Avô, como era a tua escola?- Eu nunca fui à escola.- Nunca!?...- Nunca.- Porquê?- Olha, porque nasci há muitos anos, no tempo em que não era obrigatório levar as crianças à escola. - Então, como é que tu sabes ler e escrever? - A vida, por vezes, ensina-nos.- Como assim?- Estou a brincar, foi o meu pai que me ensinou as primeiras letras.- E como é que ele aprendeu?- Não sei bem, talvez sozinho. Ele era um homem muito persistente, só assim se explica porque é que o teu trisavô – como tu sabes e apesar de me chamares avô, eu sou, na realidade, teu bisavô… -- Eu sei, avô.- ... Então, como eu estava a dizer, o meu pai era muito persistente, sobreviveu à 1.ª Grande Guerra, enquanto Cabo Chefe da Infantaria. Sobreviveu, primeiro às balas e canhões dos alemães; depois à prisão e à fome, durante nove longos meses algures em França. Como ele escrevia muito bem, deixou, inclusive, um diário que te posso emprestar um dia para leres, onde ele relata o quotidiano da guerra e da prisão, em condições que ele descreve como desumanas.- Desumanas, como?- Olha, por exemplo, ter que andar à pancada com os camaradas de armas, só para poder comer um rato.- Que nojo… avô!- Pois é meu filho, mas é verdade.- E como é que ele conseguiu salvar-se?- Porque sabia ler.- Porque sabia ler?- Sim, naquele tempo, a maioria das pessoas não sabia ler, nem escrever. Saber ler e escrever, e naquelas circunstâncias, era ter uma grande vantagem em relação aos outros.- Porquê?- Porque em troca, por exemplo, de alguns alimentos, o meu pai escrevia e lia as cartas aos outros prisioneiros, o que lhe permitia ir mantendo uma saúde razoável.- Como é que ele voltou para casa - conseguiu fugir?- Não. Um dia pediram-lhe para ler um papel que um francês, em segredo, tinha entregue a um dos prisioneiros.- E o que é que esse papel dizia?- La guerre est finie! La guerre est finie!Nota: Ouvi esta conversa entre o Senhor José António Soeiro e o seu bisneto, meu filho. Embora, o avô Zé, como lhe chamam, nunca tenha ido à escola, é ainda hoje , o mais antigo colaborador activo do jornal semanal Cidade de Tomar.Jaime Bulhosa

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