Sua Majestade, o Príncipe Real

26-10-2014
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Há um bairro em Lisboa que está a tornar-se numa artéria de referência de comércio alternativo e que já alberga alguns nomes do panorama da moda nacional. Alexandra Moura, Lidija Kolovrat, Nuno Gama e Ricardo Preto já lá estão. Outros não vão tardar a juntar-se-lhes no Príncipe Real, o bairro mais cool da capital.

A uma curta distância do Chiado, com o Bairro Alto mesmo ali ao lado e perto da Avenida da Liberdade, o Príncipe Real está a renovar o charme de outrora e a ganhar novo fulgor. As novas lojas evidenciam a liberdade criativa individual dos mais recentes habitantes, em bem conservados palacetes de outras épocas, onde o passado vive lado a lado com o futuro. Que o diga José Luis Barbosa, um dos primeiros empresários a perceber o potencial do Príncipe Real.

Quando há 30 anos abriu a sua primeira loja de mobiliário de design, a Arquitectónica, convidou os amigos a seguirem-no. Sem sucesso. Mas o tempo está a dar-lhe razão: nos últimos cinco anos, nos 350 metros de via plana, que juntam a Rua D. Pedro V com a Rua da Escola Politécnica, abriram 20 novas lojas.

Para José Luís Barbosa, a movimentação de que o bairro está a ser alvo começou com a chegada do "Sr. Americano", diz referindo-se ao investidor norte-americano e presidente da Eastbanc, Anthony Lanier. "O primeiro edifício fui eu que lho vendi - foi um bom negócio - e, desde então, tem vindo a adquirir todos os prédios que vão vagando", entre os quais o palacete Ribeiro da Cunha ou o do Banco de Portugal. Actualmente, o Eastbanc, que trabalha a gestão e desenvolvimento imobiliário, é o senhorio de todos os novos inquilinos do bairro.

Um arquipélago criativo

A pequena "ilha" encantada de Alexandra Moura, é a mais recente aquisição deste novo arquipélago criativo e um ponto de curiosidade para quem passa. "Primeiro estranha-se, depois entranha-se", diz a criadora de moda. A loja não se denuncia da porta, há que entrar e percorrer a ilha de paredes brancas ligada por dois estreitos corredores onde se vão descobrindo as roupas que seleccionou para este Verão. Mostram-se em cabides sustentados sobre uma base espelhada que revela o interior das peças e detalhes que seriam imperceptíveis de outra forma. No centro deste percurso há um pequeno logradouro de paredes cor de alfazema, por onde caem pequenas folhas cor-de-rosa das flores de uma buganvília, convida a um momento de descanso para um olhar mais atento ao Ninho para Sementeira, uma peça do novo projecto da Aforest design, de Sara Lamúrias, que está preparado para receber terra e vida: tem camomilas semeadas no telhado e pode albergar um passarinho.

A dificuldade do espaço puxou pela criatividade da equipa da NPS Arquitectos. "Este desafio teve em conta a vontade que tenho que as pessoas interajam com as peças que crio de uma forma muito intimista, sem medo ou pudor de tocar num cabide com medo que a peça caia", afirma Alexandra Moura. No jogo de aproveitamentos dos 125 metros quadrados do espaço ainda foi possível construir um piso superior onde funciona o atelier, que se avista da loja através de uma janela em forma de óculo. Lá em cima cria-se o universo que é materializado cá em baixo.

Mulher de muitas áreas de referência, Alexandra Moura sentiu vontade de ter outros objectos que se cruzassem com a sua marca. Assim, a roupa, calçado e malas da criadora convivem lado a lado com peças especiais ou edições limitadas, que podem ser uma cerâmica, um livro ou um vinil. "Esta fusão não é mais do que os meus gostos, os meus universos, um processo contínuo de busca de novos nomes que entrem neste cruzamento. E todos portugueses. Essa é a grande característica de que não queremos abdicar". Na sua loja podemos encontrar peças de joalharia da jovem designer Carolina Curado, peças orgânicas que retiram inspiração do universo animal, como um exemplar de O amor dá-me Tesão ou um vinil original e autografado dos Buraca Som Sistema.

"Aqui só o calçado é industrializado, de resto tudo são peças feitas à mão e intemporais, até porque não sou seguidora de tendências. Gosto é de criar temas. Tenho clientes que ainda hoje usam peças que fiz em 2004 e que que estão perfeitamente actuais", remata a criadora, até porque o público também se começa a cansar do que é massificado, de baixo custo e fraca qualidade. "Hoje as pessoas seleccionam mais, preferem ter menos peças, mas mais exclusivas. Querem o que é novo, o que é feito à mão. Querem cada vez mais qualidade", defende. "O Príncipe Real sempre teve um turismo de culto. São pessoas com grande cultura visual que querem encontrar determinado tipo de produto". E compram? "Sim, mas ultimamente noto que predomina o tipo de turista low cost, aquele que entra nas lojas, fica deslumbrado com tudo, mas segue rapidamente porque quer ver a rua toda antes de partir". A mudança maior que esta criadora sente é no comportamento dos portugueses. "Já existe o orgulho pelos produtos nacionais mas a compra ainda é muito envergonhada, muito contida".

A nova alface do supermercado lisboeta

Outro recém-chegado ao bairro é Nuno Gama que, depois de alguns anos radicado no Porto, regressou à zona onde há dez anos teve a sua primeira loja. Mantém a loja na Cidade Invicta (agora na Av. da Boavista, junto à Casa da Música), mas está a viver em Lisboa. "Sou a nova alface no supermercado lisboeta", diz com o humor tranquilo que lhe é típico antes de nos chamar a atenção para a montra: "Já viu as cerejas?". Refere-se às calças vermelhas de ganga que estão meticulosamente dobradas dentro de um cesto de verga, como se fossem cerejas. "São a 99 euros o quilo".

Nuno Gama quer desmistificar a ideia que "ainda está demasiado implantada na cabeça de muita gente" de que os criadores só têm peças caras. "Um par de calças de ganga de um criador nacional, com um bom tecido, bem-feitas, giras e diferentes por 99 euros não é caro. Até porque a nossa via não é a do preço, mas sim a da excelência dos produtos. É isso que distingue as marcas umas das outras", justifica.

Mas o que caracteriza as roupas para homem deste criador são os símbolos nacionais que impõe nas maior parte das peças que cria, como as T-shirts bordadas com os dizeres típicos dos lenços dos namorados. Para a decoração da loja, Nuno Gama também quis ter coisas que fossem "nossas". É o caso dos azulejos do mestre Zagalo, que servem de base aos charriots e que despertam a atenção de quem entra na loja. "Ninguém faz ideia da quantidade de estrangeiros que entra para perguntar sobre este tipo de produtos".

Os tapetes de Arraiolos são outra das peças tipicamente portuguesas que o criador gostava de ter na loja. "Estou em conversações com a Câmara de Arraiolos para ver a possibilidade de ter tapetes diferentes com alguma frequência", conta o criador que tem o propósito de vender esta e outras peças de decoração. As que estão agora na loja são uma parceria com a Laskasas, uma empresa do Norte com quem está a criar algumas peças da sua autoria, como é o caso do enorme candeeiro de madeira, com o logotipo da marca Nuno Gama, que está em fase de execução para vir iluminar o centro da loja. "É uma experiência, até para perceber a aceitação das pessoas. Se for interessante pode haver a possibilidade de avançarmos com uma linha de mobiliário Nuno Gama para Laskasas."

Se há dez anos a loja Nuno Gama na capital situava-se no Bairro Alto, desta vez, os amigos trouxeram-no para o Príncipe Real. "O Pedro Poseiro abriu cá a Poison d'Amour - a pastelaria de charme e inspiração parisiense - e disse-me que isto era outro mundo". No dia a seguir à conversa, veio ver a loja e "foi um amor à primeira vista". Não existem condições especiais de arrendamento para os criadores portugueses, mas Nuno Gama elogia o espírito de modernidade dos novos negócios que o Eastbanc está a trazer para o Príncipe Real "A minha renda é dura. Foi uma negociação esgrimida, mas desejada por ambas as partes. E tenho de realçar o empenho da Helena Pinto, directora comercial do Eastbanc, que em muito contribuiu para chegar aos 3000 euros de renda pelos 320 metros quadrados de espaço".

A localização também lhe trouxe um novo tipo de cliente. "Aqui passam imensos estrangeiros. Há dias entrou um norte-americano a viver em Hong Kong que encontrou o blusão que há muito procurava. Levou o modelo em todas as cores disponíveis e pagou em notas", exemplifica.

"Esta zona está na berra"

As pessoas sentem a dinâmica que o bairro está a ganhar, com os novos conceitos que estão ali a nascer e lhe mudam a identidade. "Esta zona tem a ver comigo. Tem um certo charme que sempre me atraiu, muito antes do boom que está agora a viver", conta Alexandra Moura, que encontrou este espaço através de um amigo que trabalha na zona.

Paredes meias com Alexandra Moura está Lidija Kolovrat, a jugoslava que há mais de 20 anos se instalou em Portugal. Mudou-se da Rua do Salitre e foi a primeira criadora de moda a instalar-se na Rua D. Pedro V- espaço que descobriu também através de uma amiga. "Estava há 15 anos no mesmo sítio e precisava de um novo desafio. Uma amiga falou-me do espaço. Gostei e posso dizer que tenho um senhorio que me compreende e ajuda a seguir em frente, e isso gera dinâmica."

Quando aqui se instalou, a loja de 300 metros quadrados espalhados por dois pisos, estava em mau estado. "Tinha buracos e tanto entulho no piso superior que só depois de o limparmos é que percebemos que tinha mais três quartos", conta a criadora. Algumas obras foram feitas e o primeiro piso, onde hoje Lidija tem o seu atelier, ainda mostra alguma degradação provocada pelo tempo. Antes foi palco de alguns concertos. "Não deram lucro mas foram muito bons. O som era fabuloso", diz esboçando um sorriso.

O ponto forte do bairro é, para Lidija Kolovrat, o jardim de estilo romântico que separa a Rua D. Pedro V da Rua da Escola Politécnica. "A maior parte das pessoas que entra vem ver o jardim". Na loja, que tem tantos clientes estrangeiros como portugueses, para além das peças das colecções que Lidija apresenta na ModaLisboa, estão disponíveis os acessórios que a criadora tem à venda no Victoria Albert Museum, em Londres. E também peças de marcas como a Unconditional. Encontram-se acessórios a partir dos quinze euros e casacos que podem chegar aos mil euros.

Neste quarteirão da Rua D. Pedro V existem apenas lojas de roupa. "É uma concorrência saudável que nos faz olhar com mais atenção para a imagem e para os produtos. Os projectos são mais eclécticos, mais modernos. Sinto que poso crescer, mas só se cresce se formos melhores e mais rápidos", opina Lidija Kolovrat.

Um pouco mais à frente, o café pastelaria Doce Real é ponto de paragem obrigatório para os fãs do pastel de nata. Com a sua decoração típica dos anos de 1920, encanta com relevos dourados no tecto, espelhos e azulejos antigos. "Estamos aqui há muito tempo, e o negócio tem corrido sempre bem, mas de há cinco anos para cá o bairro está com mais vida. Tem mais casas e lojas para alugar", conta D. Alice, a proprietária, enquanto comprovamos a qualidade da especialidade da casa. "Esta zona está na berra", remata.

Mas não são só marcas portuguesas que aqui se estão a instalar. Ao lado de Lidija Kolovrat, encontramos a Barbour, marca de refe­rên­cia que deve muito da sua fama ao facto de ser usada pela família real inglesa. Na porta ao lado está a American Vintage, que no final de Março abriu em Lisboa a primeira casa para as suas propostas preppy. A representante da marca, Sónia Gonçalves, diz que "o Príncipe Real foi uma escolha natural pela excelente localização que vem de encontro ao perfil e posicionamento da marca, ao mesmo tempo que confere uma grande visibilidade à loja".

A American Vintage inaugurou a 29 de Marco com uma festa que contou com a presença do senhorio comum a todos estes novos inquilinos, Anthony Lanier, presidente do Eastbanc."O Príncipe Real está a dar muita força à tendência para o design local e internacional. Estas lojas trazem de volta o entusiasmo em ir às compras e progressivamente transformam este bairro em ‘o sítio onde estar'.

Ricardo Preto também encontrou por aqui um local para a sua segunda linha, a Meam, que pretende ser acessível para todas as mulheres. É um corner dentro da Design Store, uma loja que alberga várias marcas. "Só ouvimos falar em crise e este espaço tem um conceito que é exactamente ‘fashion for everybody' (moda para todos)", explica o criador.

Há uma semana, a designer de jóias Maria João Sopa inaugurou também neste espaço um corner para a sua marca, La Princesa y la Lechuga. São jóias e peças de autor, para as quais utiliza peças em pedras semipreciosas, cristal, prata e metais variados de diferentes formas e cores.

Um country club na cidade

O Príncipe Real ainda é uma zona de comércio em vias de consolidação e, por isso, a falta de metro e de parques de estacionamento é um grande entrave. Contudo, trata-se de um problema que, segundo Helena Pinto, directora comercial do Eastbanc, já está a ser estudado pela autarquia. "Aqui, a Câmara Municipal de Lisboa tem de ser muito esperta", alerta José Luís Barbosa que sente a falta de um cuidado maior com a limpeza. "A Rua D. Pedro V é talvez uma das mais sujas de Lisboa, principalmente nos fins-de-semana devido às enchentes que povoam o Bairro Alto e aos grafiteiros que há um tempo andam a riscar montas de lojas.

O senhorio comum é o elo que liga todos estes novos inquilinos e nenhum deles é indiferente ao trabalho que o Eastbanc tem desenvolvido para que este bairro tenha uma identidade própria. "Queremos estar envolvidos para criar uma sustentabilidade a longo prazo nesta zona. Promovemos o diálogo entre as pessoas. Quando nós aqui chegámos ninguém falava com ninguém, ninguém se conhecia", explica Helena Pinto. "É um bocadinho como aplicar as regras de um centro comercial ao comércio de rua, como acontece, por exemplo em Oxford Street, em Londres, onde a Koffman faz a gestão de todas as lojas que pertencem ao mesmo dono".

Mas claro que negócio é negócio e este caso não foge à regra. A intenção deste investidor é criar um projecto "irreplicável, uma espécie de country club dentro da cidade, com projectos que integram também condomínios de luxo e hotéis", conta Catarina Lopes, representante do Eastbanc em Portugal. Até lá, há que criar condições para que a regeneração do bairro aconteça e se consiga trazer os habitantes de volta ao centro da cidade. Um projecto semelhante ao que o Eastbanc levou a cabo na recuperação do bairro de Georgetown, em Washington.

Na rua, já começa a notar-se a estratégia destes novos espaços mais trendy e tailor made com a chegada dos criadores de moda e com acções como o Príncipe Real Live ou a inclusão da zona na Fashion's Night Out. O Eastbanc está envolvido em todos estes projectos e através deles promove o espírito de comunidade. "Estamos sempre disponíveis para discutir ideias para dinamizar o bairro e procuramos envolver tanto os residentes como os comerciantes para que todos se revejam no projecto", refere Catarina Lopes. A representante do Eastbanc em Portugal acredita que este é o caminho para que o Príncipe Real se distinguir das outras zonas de comércio que já estão consolidadas, como o Chiado ou a Av. da Liberdade, e ter uma identidade própria na rua", diz Helena Pinto. E assim se vai construindo, o reino de Sua Majestade, o Príncipe Real.

Há um bairro em Lisboa que está a tornar-se numa artéria de referência de comércio alternativo e que já alberga alguns nomes do panorama da moda nacional. Alexandra Moura, Lidija Kolovrat, Nuno Gama e Ricardo Preto já lá estão. Outros não vão tardar a juntar-se-lhes no Príncipe Real, o bairro mais cool da capital.

A uma curta distância do Chiado, com o Bairro Alto mesmo ali ao lado e perto da Avenida da Liberdade, o Príncipe Real está a renovar o charme de outrora e a ganhar novo fulgor. As novas lojas evidenciam a liberdade criativa individual dos mais recentes habitantes, em bem conservados palacetes de outras épocas, onde o passado vive lado a lado com o futuro. Que o diga José Luis Barbosa, um dos primeiros empresários a perceber o potencial do Príncipe Real.

Quando há 30 anos abriu a sua primeira loja de mobiliário de design, a Arquitectónica, convidou os amigos a seguirem-no. Sem sucesso. Mas o tempo está a dar-lhe razão: nos últimos cinco anos, nos 350 metros de via plana, que juntam a Rua D. Pedro V com a Rua da Escola Politécnica, abriram 20 novas lojas.

Para José Luís Barbosa, a movimentação de que o bairro está a ser alvo começou com a chegada do "Sr. Americano", diz referindo-se ao investidor norte-americano e presidente da Eastbanc, Anthony Lanier. "O primeiro edifício fui eu que lho vendi - foi um bom negócio - e, desde então, tem vindo a adquirir todos os prédios que vão vagando", entre os quais o palacete Ribeiro da Cunha ou o do Banco de Portugal. Actualmente, o Eastbanc, que trabalha a gestão e desenvolvimento imobiliário, é o senhorio de todos os novos inquilinos do bairro.

Um arquipélago criativo

A pequena "ilha" encantada de Alexandra Moura, é a mais recente aquisição deste novo arquipélago criativo e um ponto de curiosidade para quem passa. "Primeiro estranha-se, depois entranha-se", diz a criadora de moda. A loja não se denuncia da porta, há que entrar e percorrer a ilha de paredes brancas ligada por dois estreitos corredores onde se vão descobrindo as roupas que seleccionou para este Verão. Mostram-se em cabides sustentados sobre uma base espelhada que revela o interior das peças e detalhes que seriam imperceptíveis de outra forma. No centro deste percurso há um pequeno logradouro de paredes cor de alfazema, por onde caem pequenas folhas cor-de-rosa das flores de uma buganvília, convida a um momento de descanso para um olhar mais atento ao Ninho para Sementeira, uma peça do novo projecto da Aforest design, de Sara Lamúrias, que está preparado para receber terra e vida: tem camomilas semeadas no telhado e pode albergar um passarinho.

A dificuldade do espaço puxou pela criatividade da equipa da NPS Arquitectos. "Este desafio teve em conta a vontade que tenho que as pessoas interajam com as peças que crio de uma forma muito intimista, sem medo ou pudor de tocar num cabide com medo que a peça caia", afirma Alexandra Moura. No jogo de aproveitamentos dos 125 metros quadrados do espaço ainda foi possível construir um piso superior onde funciona o atelier, que se avista da loja através de uma janela em forma de óculo. Lá em cima cria-se o universo que é materializado cá em baixo.

Mulher de muitas áreas de referência, Alexandra Moura sentiu vontade de ter outros objectos que se cruzassem com a sua marca. Assim, a roupa, calçado e malas da criadora convivem lado a lado com peças especiais ou edições limitadas, que podem ser uma cerâmica, um livro ou um vinil. "Esta fusão não é mais do que os meus gostos, os meus universos, um processo contínuo de busca de novos nomes que entrem neste cruzamento. E todos portugueses. Essa é a grande característica de que não queremos abdicar". Na sua loja podemos encontrar peças de joalharia da jovem designer Carolina Curado, peças orgânicas que retiram inspiração do universo animal, como um exemplar de O amor dá-me Tesão ou um vinil original e autografado dos Buraca Som Sistema.

"Aqui só o calçado é industrializado, de resto tudo são peças feitas à mão e intemporais, até porque não sou seguidora de tendências. Gosto é de criar temas. Tenho clientes que ainda hoje usam peças que fiz em 2004 e que que estão perfeitamente actuais", remata a criadora, até porque o público também se começa a cansar do que é massificado, de baixo custo e fraca qualidade. "Hoje as pessoas seleccionam mais, preferem ter menos peças, mas mais exclusivas. Querem o que é novo, o que é feito à mão. Querem cada vez mais qualidade", defende. "O Príncipe Real sempre teve um turismo de culto. São pessoas com grande cultura visual que querem encontrar determinado tipo de produto". E compram? "Sim, mas ultimamente noto que predomina o tipo de turista low cost, aquele que entra nas lojas, fica deslumbrado com tudo, mas segue rapidamente porque quer ver a rua toda antes de partir". A mudança maior que esta criadora sente é no comportamento dos portugueses. "Já existe o orgulho pelos produtos nacionais mas a compra ainda é muito envergonhada, muito contida".

A nova alface do supermercado lisboeta

Outro recém-chegado ao bairro é Nuno Gama que, depois de alguns anos radicado no Porto, regressou à zona onde há dez anos teve a sua primeira loja. Mantém a loja na Cidade Invicta (agora na Av. da Boavista, junto à Casa da Música), mas está a viver em Lisboa. "Sou a nova alface no supermercado lisboeta", diz com o humor tranquilo que lhe é típico antes de nos chamar a atenção para a montra: "Já viu as cerejas?". Refere-se às calças vermelhas de ganga que estão meticulosamente dobradas dentro de um cesto de verga, como se fossem cerejas. "São a 99 euros o quilo".

Nuno Gama quer desmistificar a ideia que "ainda está demasiado implantada na cabeça de muita gente" de que os criadores só têm peças caras. "Um par de calças de ganga de um criador nacional, com um bom tecido, bem-feitas, giras e diferentes por 99 euros não é caro. Até porque a nossa via não é a do preço, mas sim a da excelência dos produtos. É isso que distingue as marcas umas das outras", justifica.

Mas o que caracteriza as roupas para homem deste criador são os símbolos nacionais que impõe nas maior parte das peças que cria, como as T-shirts bordadas com os dizeres típicos dos lenços dos namorados. Para a decoração da loja, Nuno Gama também quis ter coisas que fossem "nossas". É o caso dos azulejos do mestre Zagalo, que servem de base aos charriots e que despertam a atenção de quem entra na loja. "Ninguém faz ideia da quantidade de estrangeiros que entra para perguntar sobre este tipo de produtos".

Os tapetes de Arraiolos são outra das peças tipicamente portuguesas que o criador gostava de ter na loja. "Estou em conversações com a Câmara de Arraiolos para ver a possibilidade de ter tapetes diferentes com alguma frequência", conta o criador que tem o propósito de vender esta e outras peças de decoração. As que estão agora na loja são uma parceria com a Laskasas, uma empresa do Norte com quem está a criar algumas peças da sua autoria, como é o caso do enorme candeeiro de madeira, com o logotipo da marca Nuno Gama, que está em fase de execução para vir iluminar o centro da loja. "É uma experiência, até para perceber a aceitação das pessoas. Se for interessante pode haver a possibilidade de avançarmos com uma linha de mobiliário Nuno Gama para Laskasas."

Se há dez anos a loja Nuno Gama na capital situava-se no Bairro Alto, desta vez, os amigos trouxeram-no para o Príncipe Real. "O Pedro Poseiro abriu cá a Poison d'Amour - a pastelaria de charme e inspiração parisiense - e disse-me que isto era outro mundo". No dia a seguir à conversa, veio ver a loja e "foi um amor à primeira vista". Não existem condições especiais de arrendamento para os criadores portugueses, mas Nuno Gama elogia o espírito de modernidade dos novos negócios que o Eastbanc está a trazer para o Príncipe Real "A minha renda é dura. Foi uma negociação esgrimida, mas desejada por ambas as partes. E tenho de realçar o empenho da Helena Pinto, directora comercial do Eastbanc, que em muito contribuiu para chegar aos 3000 euros de renda pelos 320 metros quadrados de espaço".

A localização também lhe trouxe um novo tipo de cliente. "Aqui passam imensos estrangeiros. Há dias entrou um norte-americano a viver em Hong Kong que encontrou o blusão que há muito procurava. Levou o modelo em todas as cores disponíveis e pagou em notas", exemplifica.

"Esta zona está na berra"

As pessoas sentem a dinâmica que o bairro está a ganhar, com os novos conceitos que estão ali a nascer e lhe mudam a identidade. "Esta zona tem a ver comigo. Tem um certo charme que sempre me atraiu, muito antes do boom que está agora a viver", conta Alexandra Moura, que encontrou este espaço através de um amigo que trabalha na zona.

Paredes meias com Alexandra Moura está Lidija Kolovrat, a jugoslava que há mais de 20 anos se instalou em Portugal. Mudou-se da Rua do Salitre e foi a primeira criadora de moda a instalar-se na Rua D. Pedro V- espaço que descobriu também através de uma amiga. "Estava há 15 anos no mesmo sítio e precisava de um novo desafio. Uma amiga falou-me do espaço. Gostei e posso dizer que tenho um senhorio que me compreende e ajuda a seguir em frente, e isso gera dinâmica."

Quando aqui se instalou, a loja de 300 metros quadrados espalhados por dois pisos, estava em mau estado. "Tinha buracos e tanto entulho no piso superior que só depois de o limparmos é que percebemos que tinha mais três quartos", conta a criadora. Algumas obras foram feitas e o primeiro piso, onde hoje Lidija tem o seu atelier, ainda mostra alguma degradação provocada pelo tempo. Antes foi palco de alguns concertos. "Não deram lucro mas foram muito bons. O som era fabuloso", diz esboçando um sorriso.

O ponto forte do bairro é, para Lidija Kolovrat, o jardim de estilo romântico que separa a Rua D. Pedro V da Rua da Escola Politécnica. "A maior parte das pessoas que entra vem ver o jardim". Na loja, que tem tantos clientes estrangeiros como portugueses, para além das peças das colecções que Lidija apresenta na ModaLisboa, estão disponíveis os acessórios que a criadora tem à venda no Victoria Albert Museum, em Londres. E também peças de marcas como a Unconditional. Encontram-se acessórios a partir dos quinze euros e casacos que podem chegar aos mil euros.

Neste quarteirão da Rua D. Pedro V existem apenas lojas de roupa. "É uma concorrência saudável que nos faz olhar com mais atenção para a imagem e para os produtos. Os projectos são mais eclécticos, mais modernos. Sinto que poso crescer, mas só se cresce se formos melhores e mais rápidos", opina Lidija Kolovrat.

Um pouco mais à frente, o café pastelaria Doce Real é ponto de paragem obrigatório para os fãs do pastel de nata. Com a sua decoração típica dos anos de 1920, encanta com relevos dourados no tecto, espelhos e azulejos antigos. "Estamos aqui há muito tempo, e o negócio tem corrido sempre bem, mas de há cinco anos para cá o bairro está com mais vida. Tem mais casas e lojas para alugar", conta D. Alice, a proprietária, enquanto comprovamos a qualidade da especialidade da casa. "Esta zona está na berra", remata.

Mas não são só marcas portuguesas que aqui se estão a instalar. Ao lado de Lidija Kolovrat, encontramos a Barbour, marca de refe­rên­cia que deve muito da sua fama ao facto de ser usada pela família real inglesa. Na porta ao lado está a American Vintage, que no final de Março abriu em Lisboa a primeira casa para as suas propostas preppy. A representante da marca, Sónia Gonçalves, diz que "o Príncipe Real foi uma escolha natural pela excelente localização que vem de encontro ao perfil e posicionamento da marca, ao mesmo tempo que confere uma grande visibilidade à loja".

A American Vintage inaugurou a 29 de Marco com uma festa que contou com a presença do senhorio comum a todos estes novos inquilinos, Anthony Lanier, presidente do Eastbanc."O Príncipe Real está a dar muita força à tendência para o design local e internacional. Estas lojas trazem de volta o entusiasmo em ir às compras e progressivamente transformam este bairro em ‘o sítio onde estar'.

Ricardo Preto também encontrou por aqui um local para a sua segunda linha, a Meam, que pretende ser acessível para todas as mulheres. É um corner dentro da Design Store, uma loja que alberga várias marcas. "Só ouvimos falar em crise e este espaço tem um conceito que é exactamente ‘fashion for everybody' (moda para todos)", explica o criador.

Há uma semana, a designer de jóias Maria João Sopa inaugurou também neste espaço um corner para a sua marca, La Princesa y la Lechuga. São jóias e peças de autor, para as quais utiliza peças em pedras semipreciosas, cristal, prata e metais variados de diferentes formas e cores.

Um country club na cidade

O Príncipe Real ainda é uma zona de comércio em vias de consolidação e, por isso, a falta de metro e de parques de estacionamento é um grande entrave. Contudo, trata-se de um problema que, segundo Helena Pinto, directora comercial do Eastbanc, já está a ser estudado pela autarquia. "Aqui, a Câmara Municipal de Lisboa tem de ser muito esperta", alerta José Luís Barbosa que sente a falta de um cuidado maior com a limpeza. "A Rua D. Pedro V é talvez uma das mais sujas de Lisboa, principalmente nos fins-de-semana devido às enchentes que povoam o Bairro Alto e aos grafiteiros que há um tempo andam a riscar montas de lojas.

O senhorio comum é o elo que liga todos estes novos inquilinos e nenhum deles é indiferente ao trabalho que o Eastbanc tem desenvolvido para que este bairro tenha uma identidade própria. "Queremos estar envolvidos para criar uma sustentabilidade a longo prazo nesta zona. Promovemos o diálogo entre as pessoas. Quando nós aqui chegámos ninguém falava com ninguém, ninguém se conhecia", explica Helena Pinto. "É um bocadinho como aplicar as regras de um centro comercial ao comércio de rua, como acontece, por exemplo em Oxford Street, em Londres, onde a Koffman faz a gestão de todas as lojas que pertencem ao mesmo dono".

Mas claro que negócio é negócio e este caso não foge à regra. A intenção deste investidor é criar um projecto "irreplicável, uma espécie de country club dentro da cidade, com projectos que integram também condomínios de luxo e hotéis", conta Catarina Lopes, representante do Eastbanc em Portugal. Até lá, há que criar condições para que a regeneração do bairro aconteça e se consiga trazer os habitantes de volta ao centro da cidade. Um projecto semelhante ao que o Eastbanc levou a cabo na recuperação do bairro de Georgetown, em Washington.

Na rua, já começa a notar-se a estratégia destes novos espaços mais trendy e tailor made com a chegada dos criadores de moda e com acções como o Príncipe Real Live ou a inclusão da zona na Fashion's Night Out. O Eastbanc está envolvido em todos estes projectos e através deles promove o espírito de comunidade. "Estamos sempre disponíveis para discutir ideias para dinamizar o bairro e procuramos envolver tanto os residentes como os comerciantes para que todos se revejam no projecto", refere Catarina Lopes. A representante do Eastbanc em Portugal acredita que este é o caminho para que o Príncipe Real se distinguir das outras zonas de comércio que já estão consolidadas, como o Chiado ou a Av. da Liberdade, e ter uma identidade própria na rua", diz Helena Pinto. E assim se vai construindo, o reino de Sua Majestade, o Príncipe Real.

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