Quo vadis, cinema?

26-10-2012
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Puro Cinema são vinte anos do Curtas Vila do Conde reunidos num livro de textos, entrevistas e testemunhos dos autores que marcaram o festival. Mas mais do que olhar para o passado, este livro procura um futuro.

É um objecto precioso que foge à mera função de catálogo: pelas entrevistas realizadas em Vila do Conde e aqui publicadas em livro, Puro Cinema não se fica pela celebração do vigésimo aniversário de um evento inevitável no panorama cinematográfico português. Trata, em primeiro lugar, de lançar pistas sobre o futuro de uma arte e de uma forma de trabalho em mutação: o cinema e as suas diferentes formas de existência.

Daniel Ribas, coordenador editorial do Curtas Vila do Conde, explica que a ideia nasceu quando viu que "havia algum material de arquivo com os autores que passaram por Vila de Conde". Ao montá-lo, tentou "que as entrevistas incluídas preenchessem as diferentes tendências de programação que o festival tem: um festival contaminado por diferentes manifestações artísticas que tem o cinema como fonte primordial. Isso reflecte-se na identidade do cinema hoje em dia."

É o próprio que conduz a maioria das entrevistas. Nelas, realizadores tão diferentes como Gus Van Sant, Luc Moullet, Apichatpong Weerasethakul, Corneliu Porumboiu ou Ken Jacobs expõem a sua posição no mundo e perante a arte em que se exprimem: a que reproduz imagens da realidade e constrói uma ficção, a que experimenta sobre os materiais (a película ou o digital) para contar a história do mundo, ou a que prefere ser projectada noutros territórios, para além da sala de cinema, para existir. Todas elas formam diferentes as facetas de uma mesma expressão - o cinema. "Tentámos perceber os diferentes caminhos que podiam existir: o de cineastas consagrados, como Manoel de Oliveira ou Alexander Sokurov [aqui presentes numa conversa a dois]; e uma outra linha que tinha a ver com um cinema experimental [que está] entre a galeria e a sala de cinema", explica. "Por outro lado, surge a questão da invasão da música no cinema, que nos traz Paulo Furtado [Legendary Tiger Man, responsável por vários filmes-concerto realizados no festival], assim como uma característica fundamental do Curtas: uma competição de curtas-metragens de cinema contemporâneo feita de várias tendências e realizadores."

O que é o cinema?

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Todas as entrevistas parecem chamar uma mesma pergunta nas entrelinhas: o que é o cinema? "O nome do livro saiu de uma das perguntas feitas a Matthias Müller e Christoph Girardet, porque eles trabalham tanto para salas de cinema como para galerias, tanto com filmagens próprias como através de material de arquivo. Quando perguntámos se o cinema deles é impuro, estávamos a perguntar-nos o que é o cinema, e isso pode ser muita coisa."

Uma resposta está presente em todas elas, mesmo que não escrita: se o cinema pode existir por várias maneiras, surge sempre pelo encontro entre a sensibilidade de um realizador e o material em que ele trabalha, mesmo para posições mais "conservadoras" que, afinal, são também radicais. "Numa frase célebre, Manoel de Oliveira diz que, para ele, as experiências fazem-se em casa porque que o cinema não são as experiências", diz Ribas. "Mas isso tem tudo a ver com a postura ética de liberdade do próprio Oliveira, realizador que é fiel às ideias e à sua própria abordagem." E o cineasta português surge, através deste livro, como uma das figuras tutelares do festival e de um cinema português marcado pela diversidade. "Os Verdes Anos [1963; Paulo Rocha] e Acto da Primavera [1963; Manoel de Oliveira] estão a fazer cinquenta anos sobre o ano em que se estrearam. Isso marcou toda a geração posterior. Quando se pergunta a João Canijo porque é que Oliveira é tão importante para ele, responde que tem a ver com a questão ética da abordagem do realizador à sua própria liberdade, de ser fiel a si próprio." Para Ribas, "é isso que explica o facto do cinema português ter uma diversidade tão grande de olhares e de serem cineastas tão diferentes."

Esta é a diversidade que contamina a própria identidade do festival de Vila do Conde. "Sou um cinéfilo formado no Curtas desde 1999", diz Ribas, "logo, a minha relação com o cinema é primordialmente com o cinema contemporâneo." Ou seja, um cinema que não se define exclusivamente pelo formato clássico da longa-metragem. "O Curtas entra no panorama português olhando para a curta como um formato com méritos próprios. Costuma-se ver a curta-metragem, primeiro, como um trabalho de escola, ou então, como um filme de cartão de visita para se conseguir a longa. Mas a programação do festival mostrou que a curta era um formato com potencialidades próprias" - potencialidades essas exploradas, como poucas vezes vistas noutros formatos, pelos vários autores aqui presentes.

É também essa diversidade que faz com que Puro Cinema acabe por resultar num importante testemunho para o futuro de uma expressão que, ao longo da sua história, sempre viveu em resposta a várias crises - artísticas, económicas, ou humanas. "Tenho uma visão optimista [do futuro do cinema]. As novas potencialidades e cineastas que encontramos hoje são a garantia de que teremos cinema no futuro próximo. Existem problemas de produção e exibição, mas é a mesma história repetida, e são os mesmos problemas que encontram novas soluções. A história do cinema é feita de crises e da superação delas."

Puro Cinema são vinte anos do Curtas Vila do Conde reunidos num livro de textos, entrevistas e testemunhos dos autores que marcaram o festival. Mas mais do que olhar para o passado, este livro procura um futuro.

É um objecto precioso que foge à mera função de catálogo: pelas entrevistas realizadas em Vila do Conde e aqui publicadas em livro, Puro Cinema não se fica pela celebração do vigésimo aniversário de um evento inevitável no panorama cinematográfico português. Trata, em primeiro lugar, de lançar pistas sobre o futuro de uma arte e de uma forma de trabalho em mutação: o cinema e as suas diferentes formas de existência.

Daniel Ribas, coordenador editorial do Curtas Vila do Conde, explica que a ideia nasceu quando viu que "havia algum material de arquivo com os autores que passaram por Vila de Conde". Ao montá-lo, tentou "que as entrevistas incluídas preenchessem as diferentes tendências de programação que o festival tem: um festival contaminado por diferentes manifestações artísticas que tem o cinema como fonte primordial. Isso reflecte-se na identidade do cinema hoje em dia."

É o próprio que conduz a maioria das entrevistas. Nelas, realizadores tão diferentes como Gus Van Sant, Luc Moullet, Apichatpong Weerasethakul, Corneliu Porumboiu ou Ken Jacobs expõem a sua posição no mundo e perante a arte em que se exprimem: a que reproduz imagens da realidade e constrói uma ficção, a que experimenta sobre os materiais (a película ou o digital) para contar a história do mundo, ou a que prefere ser projectada noutros territórios, para além da sala de cinema, para existir. Todas elas formam diferentes as facetas de uma mesma expressão - o cinema. "Tentámos perceber os diferentes caminhos que podiam existir: o de cineastas consagrados, como Manoel de Oliveira ou Alexander Sokurov [aqui presentes numa conversa a dois]; e uma outra linha que tinha a ver com um cinema experimental [que está] entre a galeria e a sala de cinema", explica. "Por outro lado, surge a questão da invasão da música no cinema, que nos traz Paulo Furtado [Legendary Tiger Man, responsável por vários filmes-concerto realizados no festival], assim como uma característica fundamental do Curtas: uma competição de curtas-metragens de cinema contemporâneo feita de várias tendências e realizadores."

O que é o cinema?

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Todas as entrevistas parecem chamar uma mesma pergunta nas entrelinhas: o que é o cinema? "O nome do livro saiu de uma das perguntas feitas a Matthias Müller e Christoph Girardet, porque eles trabalham tanto para salas de cinema como para galerias, tanto com filmagens próprias como através de material de arquivo. Quando perguntámos se o cinema deles é impuro, estávamos a perguntar-nos o que é o cinema, e isso pode ser muita coisa."

Uma resposta está presente em todas elas, mesmo que não escrita: se o cinema pode existir por várias maneiras, surge sempre pelo encontro entre a sensibilidade de um realizador e o material em que ele trabalha, mesmo para posições mais "conservadoras" que, afinal, são também radicais. "Numa frase célebre, Manoel de Oliveira diz que, para ele, as experiências fazem-se em casa porque que o cinema não são as experiências", diz Ribas. "Mas isso tem tudo a ver com a postura ética de liberdade do próprio Oliveira, realizador que é fiel às ideias e à sua própria abordagem." E o cineasta português surge, através deste livro, como uma das figuras tutelares do festival e de um cinema português marcado pela diversidade. "Os Verdes Anos [1963; Paulo Rocha] e Acto da Primavera [1963; Manoel de Oliveira] estão a fazer cinquenta anos sobre o ano em que se estrearam. Isso marcou toda a geração posterior. Quando se pergunta a João Canijo porque é que Oliveira é tão importante para ele, responde que tem a ver com a questão ética da abordagem do realizador à sua própria liberdade, de ser fiel a si próprio." Para Ribas, "é isso que explica o facto do cinema português ter uma diversidade tão grande de olhares e de serem cineastas tão diferentes."

Esta é a diversidade que contamina a própria identidade do festival de Vila do Conde. "Sou um cinéfilo formado no Curtas desde 1999", diz Ribas, "logo, a minha relação com o cinema é primordialmente com o cinema contemporâneo." Ou seja, um cinema que não se define exclusivamente pelo formato clássico da longa-metragem. "O Curtas entra no panorama português olhando para a curta como um formato com méritos próprios. Costuma-se ver a curta-metragem, primeiro, como um trabalho de escola, ou então, como um filme de cartão de visita para se conseguir a longa. Mas a programação do festival mostrou que a curta era um formato com potencialidades próprias" - potencialidades essas exploradas, como poucas vezes vistas noutros formatos, pelos vários autores aqui presentes.

É também essa diversidade que faz com que Puro Cinema acabe por resultar num importante testemunho para o futuro de uma expressão que, ao longo da sua história, sempre viveu em resposta a várias crises - artísticas, económicas, ou humanas. "Tenho uma visão optimista [do futuro do cinema]. As novas potencialidades e cineastas que encontramos hoje são a garantia de que teremos cinema no futuro próximo. Existem problemas de produção e exibição, mas é a mesma história repetida, e são os mesmos problemas que encontram novas soluções. A história do cinema é feita de crises e da superação delas."

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