Como Guterres mudou os debates para sempre e as arrobas chegaram ao estrelato

30-09-2015
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António Guterres é provavelmente o político mais dotado em televisão que vimos em muitos anos. Ao pé dele, mesmo Paulo Portas ou Francisco Louçã eram “apenas” bons. Guterres tinha tanta confiança nos debates parlamentares e televisivos que mudou as suas regras para sempre. A menos de um mês das legislativas, revisitamos as nossas memórias políticas. Este é o quinto capítulo

Quem assistiu terça-feira ao debate entre Paulo Portas e Catarina Martins, ou na semana passada ao frente a frente entre a líder do Bloco e Jerónimo de Sousa, pode agradecer a António Guterres e à campanha eleitoral de 1999. Essa campanha teve uma novidade absoluta, que condicionou enormemente as agendas e mudou os debates televisivos para sempre.

Quando a SIC, que na altura tinha uma audiência esmagadora, tentou organizar um debate entre António Guterres e Durão Barroso, que tinha chegado à liderança do PSD muito pouco tempo antes, o então primeiro-ministro fez uma contraproposta absolutamente surpreendente: em vez de um frente a frente com Durão ou de um debate com todos em simultâneo, Guterres queria estar frente a frente com todos, numa sequência de seis debates absolutamente inédita na política portuguesa.

Quando a esmola é grande o pobre desconfia. Nem a SIC nem os outros partidos, sobretudo o PCP e o CDS, queriam acreditar naquela “prenda”. Seis debates era um número absolutamente invulgar – o que obrigava a SIC a profundas alterações de grelha –, que dava um tempo de antena pouco habitual aos partidos com menos representação parlamentar. Nesse ano, o Bloco ainda estava fora desta lista, mas Carlos Carvalhas, Paulo Portas, Durão Barroso e António Guterres encontraram-se em seis debates sucessivos. Cinco com 30 minutos; o final, entre os líderes do PS e do PSD, teve uma hora.

No primeiro debate, enquanto se maquilhava, António Guterres dizia: “Vocês nem sabem a relevância que isto tem: é a primeira vez que um primeiro-ministro se dispõe a este tipo de debates, contra todos e à vez”. O moderador de todos os debates foi José Alberto Carvalho e o momento mais tenso de todos foi num inesquecível Guterres-Portas.

gonçalo rosa da silva

Muita gente não se lembrará, mas em 1999 o CDS lutava pela sobrevivência depois da malograda AD com Marcelo, em plena ressaca do caso Moderna. Com pouca popularidade, Portas refugiou-se nas feiras e romarias, com a sua célebre boina e sempre a falar da lavoura. Foi de tal forma que a grande rasteira que Carlos Carvalhas levou para o debate foi esta: “Por acaso o Dr. Paulo Portas sabe quanto pesa uma arroba?”.

Portas estava à espera e levava todas as respostas sobre agricultura prontas. Disse que uma arroba valia quinze quilos e seguiu em frente, tentado mostrar que lutava mais pela agricultura que o PCP. Poucos dias depois, Portas tropeçou noutra arroba, desta vez numa divertida armadilha preparada pelo moderador, que levou uma folha em branco com o símbolo da arroba informática (o simpático @), na altura muito menos utilizado.

Convém lembrar que em 1999 quer Portas quer Guterres escreviam à mão e não usavam um computador para nada, a não ser quando os assessores os obrigavam. O momento foi embaraçoso. Depois da pergunta “sabem o que é este símbolo?” seguiu-se um longo silêncio. Guterres ficou aflito, mas Portas lá se lembrou e gritou: “arroba, arroba!”.

O problema para Portas foi o resto do debate, onde o seu nervosismo era visível e a segurança de Guterres impressionante. Portas tinha o jeito de sempre e as frases rápidas e mortais, mas estava politicamente inseguro e isso notava-se. O caso Moderna pairou sobre o debate, sem nunca ser referido, e no fim Portas saiu disparado do estúdio sem sequer se despedir ou ir à sala de maquilhagem.

Guterres passeou por ali, como passeou no debate com Durão, onde já não houve arrobas, nem agrícolas nem eletrónicas. Foi um debate duro, mas de vencedor claro. A estratégia de Guterres correu bem, mas falhou num ponto. Nunca dramatizou nem pediu a maioria absoluta. Ficou literalmente a um deputado desse feito e o seu declínio político começou, de forma inexorável, nessa eleição. A política dá muitas voltas: três anos depois, Guterres demitiu-se a abriu caminho a um governo Durão/Portas. Ficou o modelo de debates, que durou largos anos em legislativas e presidenciais, este ano num modelo diferente.

António Guterres é provavelmente o político mais dotado em televisão que vimos em muitos anos. Ao pé dele, mesmo Paulo Portas ou Francisco Louçã eram “apenas” bons. Guterres tinha tanta confiança nos debates parlamentares e televisivos que mudou as suas regras para sempre. A menos de um mês das legislativas, revisitamos as nossas memórias políticas. Este é o quinto capítulo

Quem assistiu terça-feira ao debate entre Paulo Portas e Catarina Martins, ou na semana passada ao frente a frente entre a líder do Bloco e Jerónimo de Sousa, pode agradecer a António Guterres e à campanha eleitoral de 1999. Essa campanha teve uma novidade absoluta, que condicionou enormemente as agendas e mudou os debates televisivos para sempre.

Quando a SIC, que na altura tinha uma audiência esmagadora, tentou organizar um debate entre António Guterres e Durão Barroso, que tinha chegado à liderança do PSD muito pouco tempo antes, o então primeiro-ministro fez uma contraproposta absolutamente surpreendente: em vez de um frente a frente com Durão ou de um debate com todos em simultâneo, Guterres queria estar frente a frente com todos, numa sequência de seis debates absolutamente inédita na política portuguesa.

Quando a esmola é grande o pobre desconfia. Nem a SIC nem os outros partidos, sobretudo o PCP e o CDS, queriam acreditar naquela “prenda”. Seis debates era um número absolutamente invulgar – o que obrigava a SIC a profundas alterações de grelha –, que dava um tempo de antena pouco habitual aos partidos com menos representação parlamentar. Nesse ano, o Bloco ainda estava fora desta lista, mas Carlos Carvalhas, Paulo Portas, Durão Barroso e António Guterres encontraram-se em seis debates sucessivos. Cinco com 30 minutos; o final, entre os líderes do PS e do PSD, teve uma hora.

No primeiro debate, enquanto se maquilhava, António Guterres dizia: “Vocês nem sabem a relevância que isto tem: é a primeira vez que um primeiro-ministro se dispõe a este tipo de debates, contra todos e à vez”. O moderador de todos os debates foi José Alberto Carvalho e o momento mais tenso de todos foi num inesquecível Guterres-Portas.

gonçalo rosa da silva

Muita gente não se lembrará, mas em 1999 o CDS lutava pela sobrevivência depois da malograda AD com Marcelo, em plena ressaca do caso Moderna. Com pouca popularidade, Portas refugiou-se nas feiras e romarias, com a sua célebre boina e sempre a falar da lavoura. Foi de tal forma que a grande rasteira que Carlos Carvalhas levou para o debate foi esta: “Por acaso o Dr. Paulo Portas sabe quanto pesa uma arroba?”.

Portas estava à espera e levava todas as respostas sobre agricultura prontas. Disse que uma arroba valia quinze quilos e seguiu em frente, tentado mostrar que lutava mais pela agricultura que o PCP. Poucos dias depois, Portas tropeçou noutra arroba, desta vez numa divertida armadilha preparada pelo moderador, que levou uma folha em branco com o símbolo da arroba informática (o simpático @), na altura muito menos utilizado.

Convém lembrar que em 1999 quer Portas quer Guterres escreviam à mão e não usavam um computador para nada, a não ser quando os assessores os obrigavam. O momento foi embaraçoso. Depois da pergunta “sabem o que é este símbolo?” seguiu-se um longo silêncio. Guterres ficou aflito, mas Portas lá se lembrou e gritou: “arroba, arroba!”.

O problema para Portas foi o resto do debate, onde o seu nervosismo era visível e a segurança de Guterres impressionante. Portas tinha o jeito de sempre e as frases rápidas e mortais, mas estava politicamente inseguro e isso notava-se. O caso Moderna pairou sobre o debate, sem nunca ser referido, e no fim Portas saiu disparado do estúdio sem sequer se despedir ou ir à sala de maquilhagem.

Guterres passeou por ali, como passeou no debate com Durão, onde já não houve arrobas, nem agrícolas nem eletrónicas. Foi um debate duro, mas de vencedor claro. A estratégia de Guterres correu bem, mas falhou num ponto. Nunca dramatizou nem pediu a maioria absoluta. Ficou literalmente a um deputado desse feito e o seu declínio político começou, de forma inexorável, nessa eleição. A política dá muitas voltas: três anos depois, Guterres demitiu-se a abriu caminho a um governo Durão/Portas. Ficou o modelo de debates, que durou largos anos em legislativas e presidenciais, este ano num modelo diferente.

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