Uma palavra de consolo para o João Miguel Tavares, que bem precisa

28-11-2014
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João Miguel Tavares, na sua coluna no PÚBLICO, respondeu ao apelo para uma intervenção pública na PT com um enérgico contra-apelo “para não resgatar a PT”. Felizmente, a sua voz está a ser escutada e obedecida pelas mais altas instâncias do país, como bem merece, e o governo, como é bom de ver, não fará nada – a não ser que haja desmembramento da empresa, corrigiu a medo o nosso Marco António Costa. Se alguém se atrever a desmantelar a PT, nem imagina com quem se mete. Suponho que JM Tavares não gostará desta putativa intromissão, mas que estará descansado quanto à probabilidade ínfima de ela se concretizar, vinda de quem vem. Nestas matérias, o governo segue firmemente o princípio daquela filosofia oriental que aponta o caminho para a transcendência, no que alinha com a doutrina tavarista: “sentado, nada fazendo”.

Dizia-nos Tavares, de quem não se esperaria que tivesse ouvido quem inutilmente perorou contra a “fusão” da PT com a Oi, e aqui preciso como uma seta para revelar a marosca: “Aliás, segundo sei, a PT já é brasileira. Portanto, ser brasileira não colide com o interesse nacional, mas ser francesa, sim?”. Portanto, sentado, nada fazendo, a empresa é brasileira ou francesa ou lá o que é. Que importa que a PT seja sempre uma empresa portuguesa, submetida à lei portuguesa porque opera em Portugal, independentemente de quem é o seu accionista? Tavares, homem do mundo, pensará certamente que a EDP e a REN ficaram chinesas e submetidas à lei da China, ou que a ANA ficou submetida à lei francesa, e que são os respectivos governos do Partido Comunista Chinês e de quem for em França que ditam a lei e a ordem quanto a estes negócios. É uma mundivisão alegre, uma promessa de um mundo plano, de um generosidade emocionante, até levemente internacionalista, que só tem o óbice de ser uma fábula. Aliás, Tavares escorrega logo de seguida ao perguntar se a tal intervenção do Estado “respeita o enquadramento jurídico português e comunitário?” – afinal, parece que a empresa tem de cumprir a lei deste cantinho à beira-mar plantado e de quem cá manda.

Mas tudo isto são trivialidades. Tavares, aliás, só usa o pretexto para apresentar o texto da sua angústia e é ela que me comove: pois não é que tudo isto só demonstra a razão dos “seis ou sete liberais genuínos deste país, que há muito garantem que no que à economia portuguesa diz respeito aquilo que continua a imperar é um pensamento único e uma visão centralista e clientelar do Estado”? Seis ou sete liberais esforçados, entre os quais Tavares brilha evidentemente, eles que são os únicos a combater o “pensamento único” e a “visão centralista e clientelar do Estado”.

É por isso que lhe trago uma palavra de consolo. É que ele não está sozinho, os outros cinco ou seis mosqueteiros são rapazes esforçados, terçam pela vida, não abdicam dos seus luminosos princípios, hão-de levar Portugal a bom porto.

Alguns deles, aliás, vêm singrando.

Passos Coelho, ninguém dava por ele, mas caminhou desde a Tecnoforma e daquela coisa do centro de cooperação internacional, que ia educar Cabo Verde a troco de umas alimónias sobre cujo valor me falha a memória, até ao cargo de primeiro-ministro, onde assegura garbosamente que o governo não mexe em empresas, que o mercado funciona, venham eles que a PT está à venda. Quanto ao resto, caro Tavares, não se amofine com o aumento de impostos: os liberais, mesmo os fiéis dos fiéis, aumentam os impostos quando a finança precisa de uma renda, é a isso que se chama empreendedorismo. O homem é mesmo dos liberais de boa cepa.

E depois temos o Moedas. O Moedas está agora em Bruxelas, claro que em cruzada contra o “pensamento único”, leva bons pergaminhos de Portugal – e como ele é estimado no estrangeiro! – sempre a jurar pela transparência das privatizações e das operações financeiras (façam favor, não nos macem com essa história de que Ricciardi discutia as privatizações da EDP e da REN ao telefone com o ministro Miguel Relvas, coisas de amigos, ou com a CMVM que garante que há indícios de crime em todas as OPAs na última década, coisas do outro Tavares). Por cá, tudo transparente. E, claro, o Moedas nunca desistiu de combater “a visão centralista e clientelar do Estado”, razão que levou Ricardo Salgado, no calor de uma reunião do conselho de administração do BES, a anunciar que ia “pôr o Moedas a funcionar” para salvar o banco contra os tentáculos dos gananciosos. Com a ajuda do Estado “centralista e clientelar”, enfim, neste caso esta era a forma de salvar o mercado e o mercado é que evitará que, doravante, o Estado continue clientelar como a pescada, que antes de ser já o era.

Mas há mais. Juntos serão só seis ou sete, mas que diamantes! E como esquecer um dos melhores, o Bruno Maçães, esse homem que vai arrasar o passado sinistro de estatistas que tudo controlavam, porque “todos os dias (…) lembram o muito que os 35 anos de hegemonia socialista em Portugal fizeram de mal ao país. Felizmente podemos hoje dizer que esses dias acabaram” – Cavaco, Guterres, Durão Barroso, Sócrates, todos esses socialistas hegemónicos hão-de responder por tudo o que “fizeram de mal ao país”. É que, agora, chegou o Maçães: meu caro Tavares, fique descansado, ele vem com vontade de arrasar.

Ele, aliás, tem explicação para tudo. Se, nos seus momentos de angústia, pensar que a austeridade faz mal ou, até, que disparate, que a austeridade provoca recessão, leia o Maçães, para saber como a cura é saborosa:

“a relação entre austeridade e recessão é muito menos direta ou evidente do que se pensa. Claro que se a consolidação orçamental for feita através do aumento de impostos os efeitos recessivos serão imediatos, mas nesse caso o problema não é a austeridade. Mais importante, não podemos confundir causalidade com correlação. É verdade que a austeridade tende a acompanhar a recessão económica, mas qual é a causa e qual é o efeito? Se uma economia estiver desequilibrada, se tiver subitamente de deslocar recursos de uns sectores para outros, e se as instituições que facilitam este equilíbrio forem pouco flexíveis, então uma contração será inevitável. E com esta contração, que remédio resta senão gastar menos em despesa pública? Mas notem que a recessão provocou a austeridade e não o inverso. A compressão no tempo cria uma aparência de causalidade.”

Por isso, como “os desequilíbrios acumulados eram impressionantes e, sobretudo, (…) a sua correção implicaria uma ajustamento de preços e salários conduzido imperiosamente do exterior. Era algo que não imaginava que o país fosse capaz de aceitar e levar a cabo”. Que coragem foi precisa para “conduzir imperiosamente do exterior” esse “ajustamento de preços e salários”! Os nossos liberais, caro Tavares, são garbosos, agem “imperiosamente do exterior”. Tenha confiança, eles vão lá.

E, se temos homens, poucos mas bons, liberais dos quatro costados, temos também os seus feitos. Eles salvaram o Mercado, venderam o que havia a vender, desmantelaram esses bocados do Estado “centralista e clientelar” que nos oprimia. A venda dos CTT, as garrafas de champanhe que os liberais abriram nesse dia! Era uma empresa pública desde D. João II, obviamente “centralista e clientelar”, onde ela já vai. E a energia? Champanhe com ela. E os aeroportos? Champanhe. E a PT? Mais champanhe. E a TAP, arrumada até ao fim do ano segundo garante Passos Coelho? JM Tavares fará mais um risco na coronha da sua Colt das privatizações, mais uma empresa “centralista e clientelar” devolvida ao mercado.

A coisa vai, caro Tavares. Não desanime. Esses “seis ou sete liberais” vencerão. Ainda bem que lhes recomenda que deixem a PT sossegada. Que a PT, pela mão de Zeinal Bava (indemnização de quatro milhões?), Henrique Granadeiro, Rafael Mora, Ricardo Salgado, a Oi, a Altice, Isabel dos Santos e tutti quanti, já demonstrou que, se destruirmos o Estado “centralista e clientelar”, o mercado funciona.

João Miguel Tavares, na sua coluna no PÚBLICO, respondeu ao apelo para uma intervenção pública na PT com um enérgico contra-apelo “para não resgatar a PT”. Felizmente, a sua voz está a ser escutada e obedecida pelas mais altas instâncias do país, como bem merece, e o governo, como é bom de ver, não fará nada – a não ser que haja desmembramento da empresa, corrigiu a medo o nosso Marco António Costa. Se alguém se atrever a desmantelar a PT, nem imagina com quem se mete. Suponho que JM Tavares não gostará desta putativa intromissão, mas que estará descansado quanto à probabilidade ínfima de ela se concretizar, vinda de quem vem. Nestas matérias, o governo segue firmemente o princípio daquela filosofia oriental que aponta o caminho para a transcendência, no que alinha com a doutrina tavarista: “sentado, nada fazendo”.

Dizia-nos Tavares, de quem não se esperaria que tivesse ouvido quem inutilmente perorou contra a “fusão” da PT com a Oi, e aqui preciso como uma seta para revelar a marosca: “Aliás, segundo sei, a PT já é brasileira. Portanto, ser brasileira não colide com o interesse nacional, mas ser francesa, sim?”. Portanto, sentado, nada fazendo, a empresa é brasileira ou francesa ou lá o que é. Que importa que a PT seja sempre uma empresa portuguesa, submetida à lei portuguesa porque opera em Portugal, independentemente de quem é o seu accionista? Tavares, homem do mundo, pensará certamente que a EDP e a REN ficaram chinesas e submetidas à lei da China, ou que a ANA ficou submetida à lei francesa, e que são os respectivos governos do Partido Comunista Chinês e de quem for em França que ditam a lei e a ordem quanto a estes negócios. É uma mundivisão alegre, uma promessa de um mundo plano, de um generosidade emocionante, até levemente internacionalista, que só tem o óbice de ser uma fábula. Aliás, Tavares escorrega logo de seguida ao perguntar se a tal intervenção do Estado “respeita o enquadramento jurídico português e comunitário?” – afinal, parece que a empresa tem de cumprir a lei deste cantinho à beira-mar plantado e de quem cá manda.

Mas tudo isto são trivialidades. Tavares, aliás, só usa o pretexto para apresentar o texto da sua angústia e é ela que me comove: pois não é que tudo isto só demonstra a razão dos “seis ou sete liberais genuínos deste país, que há muito garantem que no que à economia portuguesa diz respeito aquilo que continua a imperar é um pensamento único e uma visão centralista e clientelar do Estado”? Seis ou sete liberais esforçados, entre os quais Tavares brilha evidentemente, eles que são os únicos a combater o “pensamento único” e a “visão centralista e clientelar do Estado”.

É por isso que lhe trago uma palavra de consolo. É que ele não está sozinho, os outros cinco ou seis mosqueteiros são rapazes esforçados, terçam pela vida, não abdicam dos seus luminosos princípios, hão-de levar Portugal a bom porto.

Alguns deles, aliás, vêm singrando.

Passos Coelho, ninguém dava por ele, mas caminhou desde a Tecnoforma e daquela coisa do centro de cooperação internacional, que ia educar Cabo Verde a troco de umas alimónias sobre cujo valor me falha a memória, até ao cargo de primeiro-ministro, onde assegura garbosamente que o governo não mexe em empresas, que o mercado funciona, venham eles que a PT está à venda. Quanto ao resto, caro Tavares, não se amofine com o aumento de impostos: os liberais, mesmo os fiéis dos fiéis, aumentam os impostos quando a finança precisa de uma renda, é a isso que se chama empreendedorismo. O homem é mesmo dos liberais de boa cepa.

E depois temos o Moedas. O Moedas está agora em Bruxelas, claro que em cruzada contra o “pensamento único”, leva bons pergaminhos de Portugal – e como ele é estimado no estrangeiro! – sempre a jurar pela transparência das privatizações e das operações financeiras (façam favor, não nos macem com essa história de que Ricciardi discutia as privatizações da EDP e da REN ao telefone com o ministro Miguel Relvas, coisas de amigos, ou com a CMVM que garante que há indícios de crime em todas as OPAs na última década, coisas do outro Tavares). Por cá, tudo transparente. E, claro, o Moedas nunca desistiu de combater “a visão centralista e clientelar do Estado”, razão que levou Ricardo Salgado, no calor de uma reunião do conselho de administração do BES, a anunciar que ia “pôr o Moedas a funcionar” para salvar o banco contra os tentáculos dos gananciosos. Com a ajuda do Estado “centralista e clientelar”, enfim, neste caso esta era a forma de salvar o mercado e o mercado é que evitará que, doravante, o Estado continue clientelar como a pescada, que antes de ser já o era.

Mas há mais. Juntos serão só seis ou sete, mas que diamantes! E como esquecer um dos melhores, o Bruno Maçães, esse homem que vai arrasar o passado sinistro de estatistas que tudo controlavam, porque “todos os dias (…) lembram o muito que os 35 anos de hegemonia socialista em Portugal fizeram de mal ao país. Felizmente podemos hoje dizer que esses dias acabaram” – Cavaco, Guterres, Durão Barroso, Sócrates, todos esses socialistas hegemónicos hão-de responder por tudo o que “fizeram de mal ao país”. É que, agora, chegou o Maçães: meu caro Tavares, fique descansado, ele vem com vontade de arrasar.

Ele, aliás, tem explicação para tudo. Se, nos seus momentos de angústia, pensar que a austeridade faz mal ou, até, que disparate, que a austeridade provoca recessão, leia o Maçães, para saber como a cura é saborosa:

“a relação entre austeridade e recessão é muito menos direta ou evidente do que se pensa. Claro que se a consolidação orçamental for feita através do aumento de impostos os efeitos recessivos serão imediatos, mas nesse caso o problema não é a austeridade. Mais importante, não podemos confundir causalidade com correlação. É verdade que a austeridade tende a acompanhar a recessão económica, mas qual é a causa e qual é o efeito? Se uma economia estiver desequilibrada, se tiver subitamente de deslocar recursos de uns sectores para outros, e se as instituições que facilitam este equilíbrio forem pouco flexíveis, então uma contração será inevitável. E com esta contração, que remédio resta senão gastar menos em despesa pública? Mas notem que a recessão provocou a austeridade e não o inverso. A compressão no tempo cria uma aparência de causalidade.”

Por isso, como “os desequilíbrios acumulados eram impressionantes e, sobretudo, (…) a sua correção implicaria uma ajustamento de preços e salários conduzido imperiosamente do exterior. Era algo que não imaginava que o país fosse capaz de aceitar e levar a cabo”. Que coragem foi precisa para “conduzir imperiosamente do exterior” esse “ajustamento de preços e salários”! Os nossos liberais, caro Tavares, são garbosos, agem “imperiosamente do exterior”. Tenha confiança, eles vão lá.

E, se temos homens, poucos mas bons, liberais dos quatro costados, temos também os seus feitos. Eles salvaram o Mercado, venderam o que havia a vender, desmantelaram esses bocados do Estado “centralista e clientelar” que nos oprimia. A venda dos CTT, as garrafas de champanhe que os liberais abriram nesse dia! Era uma empresa pública desde D. João II, obviamente “centralista e clientelar”, onde ela já vai. E a energia? Champanhe com ela. E os aeroportos? Champanhe. E a PT? Mais champanhe. E a TAP, arrumada até ao fim do ano segundo garante Passos Coelho? JM Tavares fará mais um risco na coronha da sua Colt das privatizações, mais uma empresa “centralista e clientelar” devolvida ao mercado.

A coisa vai, caro Tavares. Não desanime. Esses “seis ou sete liberais” vencerão. Ainda bem que lhes recomenda que deixem a PT sossegada. Que a PT, pela mão de Zeinal Bava (indemnização de quatro milhões?), Henrique Granadeiro, Rafael Mora, Ricardo Salgado, a Oi, a Altice, Isabel dos Santos e tutti quanti, já demonstrou que, se destruirmos o Estado “centralista e clientelar”, o mercado funciona.

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