A VELHICE DA TRISTEZA E A JUVENTUDE DAS VITÓRIAS o resultado destas eleições não revela a descoberta do caminho mas mostra que a maioria absoluta de gente quer mudar de rumo.

10-07-2011
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Derrotas são derrotas e não devem ser escamoteadas, mas nem toda a esquerda chora estas eleições agora. A que se tem lavado em lágrimas desde a contagem dos votos, e a acusar tudo e todos de serem os cavaquistas de destinos alheios, está a sentir as dores de feridas feitas por escolhas mais antigas do que o resultado das eleições. Na verdade, o seu lamento, só ainda não tinha escorrido na cara de pau dos menos apaixonados ou nas faces rosadas dos mais distraídos.

Contrariamente ao que a esquerda de veludo lamuriou na ressaca da derrota, o resultado eleitoral teve o mérito de deixar todos os erros a céu aberto e este facto não pode ser senão motivo de grande felicidade, até porque permite, como nunca, perceber que este caminho não deve continuar a ser feito. A par da pior votação de sempre no cavaquismo, da derrota do candidato do BE, do PS e do Governo, das estrondosas votações em Fernando Nobre e José Manuel Coelho, do triplo de brancos e nulos elevando-os a perto de 300 mil votos (menos de 1% de F.Lopes, mais que outros dois candidatos e o mesmo que F.Louçã em 2006) e do facto de mais de metade dos eleitores não ter encontrado sequer razões para ir às urnas, toda a esquerda de combate encontra motivos para digerir a nova vitória de Cavaco Silva muito melhor do que alguma vez esperava e naturalmente melhor do que a esquerda que assinou este desastre. Nenhum militante ou eleitor de esquerda foi cúmplice da eleição de Cavaco mas as direcções políticas que produziram esta fantasia, deram uma prodigiosa ajuda a que, mesmo esvaziado de votos, ele pudesse ser eleito sem qualquer dificuldade.

As actuais presidenciais estavam a ser preparadas pela maioria das candidaturas praticamente desde o dia da contagem dos votos nas últimas eleições. Cavaco, que finalmente tinha passado de príncipe consorte a rei, estava certo de ser eleito para dois mandatos e definiu, como se verá e como já se viu, duas estratégias claramente diferentes para cada um deles. Alegre, inebriado com o voto de mais de um milhão de almas mas incapaz de perceber a sua mensagem, começou nesse mesmo dia a trabalhar para que ao discurso de caserna da cidadania se substituísse uma coroação palaciana nos bafientos salões do Hotel Altis. Alegre pagou antes de mais a factura de ter saído de 2006 direitinho para as sedes das nomenclaturas partidárias, do Largo do Rato à Rua da Palma passando pelo comício de Coimbra, quando tinham acabado de lhe ser confiados mais de um milhão contra os negócios de cabeceira do Partido Socialista e muito especialmente do seu camarada José Sócrates.

O Bloco, cuja direcção havia fechado, por essa altura, a orientação de caminhar em terreno socialista, via neste movimento o poker que todo o projecto de poder sonha ter em mãos. Pouco ou nada interessado em eleger verdadeiramente Alegre, esta era uma nova caixa de ressonância, um novo Zé que faz falta, para ir abrindo caminho ao entendimento entre o PS e o BE no verdadeiro palco dos sonhos: São Bento. Ora, este movimento é na verdade o grande derrotado na madrugada de domingo. A esquerda, e aqui não estou só a falar do BE, pode ler neste resultado a cristalina contradição às suas crenças mais profundas, aos seus sonos mais molhados, que residem no facto de que os eleitores que fizeram nascer e insuflar o BE eleitoralmente e que têm feito o PCP crescer parlamentar, sindical e militante, querem que estas forças políticas façam unidades no sentido inverso ao Partido Socialista. O povo, esse que o pintam tão estúpido e que tem dado tantos sinais de inteligência, mostrou estar bem à frente das suas direcções naturais que, de tanto medo de andarem à frente das massas, ficaram bem distantes da sua retaguarda. Ao grito tão histérico como fútil da unidade nacional em nome do consenso mórbido dos remendos, as pessoas disseram serenamente que a unidade deve ser gritada à esquerda e o sectarismo deixado para a direita da qual o PS faz parte há demasiado tempo. Naturalmente que a consequência não podia ser outra que a continuidade das côdeas em Belém.

A esquerda grande que se queria encontrar em Alegre mais não foi do que a grande máquina do Partido Socialista, que ainda por cima estava pouco motivada uma vez que já ressoam as badaladas para a alternância do turno muito pouco democrático. Do auto-proclamado movimento de base acabou em comícios atulhados de caciques e chefes de Estado, programaticamente incapaz, politicamente governista e com o povo de costas voltadas. A campanha Alegre não podia dar neste contexto outra coisa do que paredes cheias de gente de costas e Coelho captou, estou convencido, a maioria do eleitorado do BE que se deu ao trabalho.

Fora dos palácios onde a esquerda democrática andava entretida em festas, a esquerda de combate queria respostas sabendo perfeitamente que Alegre e Cavaco são as duas faces da crise, dos PEC’s, de 37 anos de privatizações e recuos, em suma, o mesmo lado da má moeda que se anda a combater nas ruas. Ganharam todos os outros porque foi a maneira que a maioria absoluta de gente encontrou para transformar o silêncio em palavras, mais ou menos dotadas de grande coerência, clarividência ou coragem.

O PCP, que manteve a sua reserva de dignidade com uma campanha militante mas demasiado aparelhista, viu castigada a sua falta de ousadia. Acabou, e bem, por não entrar no Altis pela porta grande, mas estava preparado para entrar pela dos fundos. Assim, sem querer arriscar nada, não soube dar às ruas do protesto o candidato que estas precisavam, preferindo unicamente salvaguardar a sua torre de marfim e o seu castelo de cartas. Com estas condições políticas, Francisco Lopes tinha a obrigação de pelo menos levar o seu eleitorado às urnas e o PCP devia ter percebido a enorme janela de oportunidade que teria sido para o movimento social ter alguém mobilizador e unitário à frente de uma candidatura de base, anti-capitalista e acima de tudo, dotada de capacidade para disputar ela própria a vitória eleitoral. Carvalho da Silva teria, sem o PS a atrapalhar e com o apoio do BE, todas as condições para fazer história e daria garantias de que a luta saia reforçada para as batalhas que se avizinham e para uma nova greve geral que tarda em reunir consensos.

A dureza da realidade e a beleza dos desejos é agora pintada em todas as cores do arco-íris, mas o murmúrio que a esmagadora maioria das pessoas deu vai perdurar por muitos e bons anos aos ouvidos dos que parecem já só querer fazer a luta política nos corredores da Assembleia da República e que insistem em fazer unidade com aqueles cuja derrota deve ser efusivamente saudada e celebrada. Nunca será possível vencer Alegre com Alegre, Sócrates com Sócrates, António José Seguro com António José Seguro. É preciso mesmo recomeçar tudo de novo que nunca se viu ninguém semear sem capina.

Quem não quiser ouvir o que nos diz o avesso das urnas estará condenado à repetição do erro, da derrota e das lágrimas, em nome unicamente da cavalgadura dos suspeitos do costume. A esquerda tem finalmente que perceber que a direita não são só os partidos do PSD adiante, e que a aplicação das suas políticas vem tanto da pneumática aristocracia cavaquista como dos alegres barões do socialismo democrático.

Eu também quero que a esquerda mude!

Derrotas são derrotas e não devem ser escamoteadas, mas nem toda a esquerda chora estas eleições agora. A que se tem lavado em lágrimas desde a contagem dos votos, e a acusar tudo e todos de serem os cavaquistas de destinos alheios, está a sentir as dores de feridas feitas por escolhas mais antigas do que o resultado das eleições. Na verdade, o seu lamento, só ainda não tinha escorrido na cara de pau dos menos apaixonados ou nas faces rosadas dos mais distraídos.

Contrariamente ao que a esquerda de veludo lamuriou na ressaca da derrota, o resultado eleitoral teve o mérito de deixar todos os erros a céu aberto e este facto não pode ser senão motivo de grande felicidade, até porque permite, como nunca, perceber que este caminho não deve continuar a ser feito. A par da pior votação de sempre no cavaquismo, da derrota do candidato do BE, do PS e do Governo, das estrondosas votações em Fernando Nobre e José Manuel Coelho, do triplo de brancos e nulos elevando-os a perto de 300 mil votos (menos de 1% de F.Lopes, mais que outros dois candidatos e o mesmo que F.Louçã em 2006) e do facto de mais de metade dos eleitores não ter encontrado sequer razões para ir às urnas, toda a esquerda de combate encontra motivos para digerir a nova vitória de Cavaco Silva muito melhor do que alguma vez esperava e naturalmente melhor do que a esquerda que assinou este desastre. Nenhum militante ou eleitor de esquerda foi cúmplice da eleição de Cavaco mas as direcções políticas que produziram esta fantasia, deram uma prodigiosa ajuda a que, mesmo esvaziado de votos, ele pudesse ser eleito sem qualquer dificuldade.

As actuais presidenciais estavam a ser preparadas pela maioria das candidaturas praticamente desde o dia da contagem dos votos nas últimas eleições. Cavaco, que finalmente tinha passado de príncipe consorte a rei, estava certo de ser eleito para dois mandatos e definiu, como se verá e como já se viu, duas estratégias claramente diferentes para cada um deles. Alegre, inebriado com o voto de mais de um milhão de almas mas incapaz de perceber a sua mensagem, começou nesse mesmo dia a trabalhar para que ao discurso de caserna da cidadania se substituísse uma coroação palaciana nos bafientos salões do Hotel Altis. Alegre pagou antes de mais a factura de ter saído de 2006 direitinho para as sedes das nomenclaturas partidárias, do Largo do Rato à Rua da Palma passando pelo comício de Coimbra, quando tinham acabado de lhe ser confiados mais de um milhão contra os negócios de cabeceira do Partido Socialista e muito especialmente do seu camarada José Sócrates.

O Bloco, cuja direcção havia fechado, por essa altura, a orientação de caminhar em terreno socialista, via neste movimento o poker que todo o projecto de poder sonha ter em mãos. Pouco ou nada interessado em eleger verdadeiramente Alegre, esta era uma nova caixa de ressonância, um novo Zé que faz falta, para ir abrindo caminho ao entendimento entre o PS e o BE no verdadeiro palco dos sonhos: São Bento. Ora, este movimento é na verdade o grande derrotado na madrugada de domingo. A esquerda, e aqui não estou só a falar do BE, pode ler neste resultado a cristalina contradição às suas crenças mais profundas, aos seus sonos mais molhados, que residem no facto de que os eleitores que fizeram nascer e insuflar o BE eleitoralmente e que têm feito o PCP crescer parlamentar, sindical e militante, querem que estas forças políticas façam unidades no sentido inverso ao Partido Socialista. O povo, esse que o pintam tão estúpido e que tem dado tantos sinais de inteligência, mostrou estar bem à frente das suas direcções naturais que, de tanto medo de andarem à frente das massas, ficaram bem distantes da sua retaguarda. Ao grito tão histérico como fútil da unidade nacional em nome do consenso mórbido dos remendos, as pessoas disseram serenamente que a unidade deve ser gritada à esquerda e o sectarismo deixado para a direita da qual o PS faz parte há demasiado tempo. Naturalmente que a consequência não podia ser outra que a continuidade das côdeas em Belém.

A esquerda grande que se queria encontrar em Alegre mais não foi do que a grande máquina do Partido Socialista, que ainda por cima estava pouco motivada uma vez que já ressoam as badaladas para a alternância do turno muito pouco democrático. Do auto-proclamado movimento de base acabou em comícios atulhados de caciques e chefes de Estado, programaticamente incapaz, politicamente governista e com o povo de costas voltadas. A campanha Alegre não podia dar neste contexto outra coisa do que paredes cheias de gente de costas e Coelho captou, estou convencido, a maioria do eleitorado do BE que se deu ao trabalho.

Fora dos palácios onde a esquerda democrática andava entretida em festas, a esquerda de combate queria respostas sabendo perfeitamente que Alegre e Cavaco são as duas faces da crise, dos PEC’s, de 37 anos de privatizações e recuos, em suma, o mesmo lado da má moeda que se anda a combater nas ruas. Ganharam todos os outros porque foi a maneira que a maioria absoluta de gente encontrou para transformar o silêncio em palavras, mais ou menos dotadas de grande coerência, clarividência ou coragem.

O PCP, que manteve a sua reserva de dignidade com uma campanha militante mas demasiado aparelhista, viu castigada a sua falta de ousadia. Acabou, e bem, por não entrar no Altis pela porta grande, mas estava preparado para entrar pela dos fundos. Assim, sem querer arriscar nada, não soube dar às ruas do protesto o candidato que estas precisavam, preferindo unicamente salvaguardar a sua torre de marfim e o seu castelo de cartas. Com estas condições políticas, Francisco Lopes tinha a obrigação de pelo menos levar o seu eleitorado às urnas e o PCP devia ter percebido a enorme janela de oportunidade que teria sido para o movimento social ter alguém mobilizador e unitário à frente de uma candidatura de base, anti-capitalista e acima de tudo, dotada de capacidade para disputar ela própria a vitória eleitoral. Carvalho da Silva teria, sem o PS a atrapalhar e com o apoio do BE, todas as condições para fazer história e daria garantias de que a luta saia reforçada para as batalhas que se avizinham e para uma nova greve geral que tarda em reunir consensos.

A dureza da realidade e a beleza dos desejos é agora pintada em todas as cores do arco-íris, mas o murmúrio que a esmagadora maioria das pessoas deu vai perdurar por muitos e bons anos aos ouvidos dos que parecem já só querer fazer a luta política nos corredores da Assembleia da República e que insistem em fazer unidade com aqueles cuja derrota deve ser efusivamente saudada e celebrada. Nunca será possível vencer Alegre com Alegre, Sócrates com Sócrates, António José Seguro com António José Seguro. É preciso mesmo recomeçar tudo de novo que nunca se viu ninguém semear sem capina.

Quem não quiser ouvir o que nos diz o avesso das urnas estará condenado à repetição do erro, da derrota e das lágrimas, em nome unicamente da cavalgadura dos suspeitos do costume. A esquerda tem finalmente que perceber que a direita não são só os partidos do PSD adiante, e que a aplicação das suas políticas vem tanto da pneumática aristocracia cavaquista como dos alegres barões do socialismo democrático.

Eu também quero que a esquerda mude!

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