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24-05-2015
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Surpreendido pelas autoridades dois meses depois de chegar a Cabo Verde, de onde deveria transmitir o mesmo tipo de informações, Mário Ribeiro, 29 anos, confessou que estava a trabalhar para a embaixada alemã em Lisboa e mostrou-se convencido de que a sua missão era conhecida pelos capitães Agostinho Lourenço e José Catela, números um e dois na hierarquia da polícia política – que até 1945 se chamou PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado). Tudo indica que Catela era de facto germanófilo. Quanto a Agostinho Lourenço, negou qualquer intervenção no caso, mas segundo o livro O Diário Secreto que Salazar não Leu, de Rui Araújo, o seu nome foi referido em relatórios britânicos de 1944 como tendo recebido dos alemães um suborno de mil contos (cerca de 350 mil euros a preços actuais, segundo o coeficiente de desvalorização da moeda publicado em Diário da República).Mário Ribeiro e a mulher, Cidália, modista de chapéus, foram então detidos e obrigados a embarcar no paquete Guiné, onde permaneceram incomunicáveis até serem presos à chegada a Lisboa. A PIDE interrogou vários portugueses a quem Mário Ribeiro enviou mensagens enquanto esteve em Cabo Verde e um deles admitiu que no fim de 1940 tinha sido procurado por Francisco Lopes da Fonseca, que lhe pediu se recebia em casa cartas de uma "senhora com quem tinha relações clandestinas", porque era casada. Ficou assim exposto o estratagema para arranjar moradas discretas onde pudesse ser recebida correspondência secreta sem ser interceptada. O director da polícia política acabou por mandar deter o ex-funcionário dos CTT.Mário Ribeiro esteve preso sem julgamento mais de ano e meio, até Agosto de 1943, quando a PVDE deixou de mostrar interesse na sua detenção. Mas com Francisco Lopes da Fonseca foi diferente. Foi capturado pela PSP de Aveiro às 9h da manhã do dia 27 de Março, na Quinta do Olho de Água, em Esgueira, para onde entretanto se tinha mudado com a família e Theodor Mielitz, que tinha comprado a propriedade para produzir farinha – daí que na sua ficha de preso, Lopes da Fonseca, com o número 13.951, surja identificado como agricultor. Quando foi fotografado de frente e perfil, estava de fato, pulôver e gravata. As autoridades anotaram que media 1,67 m, tiraram-lhe as impressões digitais dos dez dedos e, por ordem do capitão Catela, foi mantido incomunicável na 27.ª Esquadra.No interrogatório, Fonseca declarou à PIDE que era "incapaz de se prestar a colaborar com espiões". Não ficou registada qualquer referência a Theodor Mielitz, mas falou de outro alemão, Hans Peters, com quem se encontrava nos cafés do Rossio, por serem ambos anticomunistas.A decisão de o soltar após apenas 12 dias na prisão é justificada pela polícia de forma vaga e falsa: "Não se prova que Fonseca tivesse tido conhecimento [de] um caso de espionagem e por isso foi restituído à liberdade." Em 1998, quando revelou ao seu filho que tinha trabalhado para os alemães, gerindo uma rede de caixas de correio onde chegava correspondência germânica, explicou também porque tinha estado detido tão pouco tempo: "A Embaixada da Alemanha fez pressão sobre o Estado português."Fonseca prestou informações à PVDE sobre a rede de espionagem do Eixo em Lisboa, mas quem o interrogou na polícia política deu-lhe um papel para assinar com um depoimento diferente. "Tenho aqui a sua confissão. E tenho outra maneira de resolver o problema: o senhor diz que está com o Theodor Mielitz porque têm relações homossexuais e nada mais", propôs o responsável policial, enquanto rasgava os papéis com a primeira confissão.Nesta conversa, o cúmplice dos alemães terá ainda sido convidado a trabalhar com a PVDE, não havendo certezas de que tenha rejeitado a oferta. (Após a revolução de 1974, um grupo ligado ao PCP foi procurá-lo, segundo o filho, por ter encontrado o seu nome nos ficheiros da polícia política.) No arquivo da PIDE há registo de um ficheiro em nome de Francisco que desapareceu – como sucedeu com milhares de outros processos. Irene Pimentel, autora do livro A História da PIDE, acha que faz sentido este episódio relatado por Francisco Lopes da Fonseca ao filho, pois o capitão Catela teria interesse em manter ocultas certas informações relacionadas com a espionagem alemã.Jorge Fonseca soube que o pai e Theodor Mielitz mantinham uma relação passional porque a mãe lhe contou. Chamava-se Helena Santana, conheceu Francisco, nove anos mais novo, numa festa em casa do agente alemão e esteve sempre a par da vida dupla do marido em termos afectivos. Foi a pedido de Theodor Mielitz que deu aulas privadas de Francês a Francisco e apaixonaram-se, apesar de ela ser casada com um espião de França que trabalhava em Lisboa, também disfarçado de jornalista. Divorciou-se em 1943 e, um ano depois, em plena guerra, casou-se com Francisco, numa cerimónia que juntou representantes de todos os lados do conflito – um dos padrinhos foi, claro, Theodor Mielitz. Um diplomata italiano e uma cidadã britânica também apadrinharam o casamento, que contou assim com representantes de três países envolvidos na Guerra.A actividade do agente alemão já tinha chamado a atenção da polícia política, como se lê num ofício de 1941: "Segundo diz, é casado e tem a mulher na Alemanha, onde tem bens de fortuna de que vive, recebendo-os em Portugal, por intermédio do consulado alemão." Foi mesmo chamado a prestar declarações nos serviços secretos da PVDE, na R. António Maria Cardoso, onde se identificou como devoto da religião evangélica e declarou que pretendia trabalhar na venda de livros e antiguidades em Portugal, tendo entrado no País em 1931.Um documento sobre os agentes alemães em Lisboa, elaborado em 1941 pelo MI5 e citado no livro O Império dos espiões, de Rui Araújo, apontava Mielitz como "figura proeminente" e indicava: "Emprega vários subagentes e parece preocupado com o recrutamento de agentes para o estrangeiro."No dia em que a Alemanha perdeu a Guerra, 8 de Maio de 1945, Mielitz entrou num notário na Rua da Conceição, em Lisboa, e pagou 103 escudos para registar o seu testamento: "De todos os bens, direitos e acções que constituírem a minha herança, instituo único e universal herdeiro o senhor Francisco Lopes da Fonseca."Com o fim da guerra e a desvalorização do marco, o alemão deixou de ter o mesmo poder financeiro, mas recebia ainda uma pensão mensal de 1.400 escudos através da Embaixada da Alemanha. Quando nasceu Jorge Fonseca, em 1953, o alemão foi convidado para padrinho de baptismo e continuou a viver com a família numa casa na Linha do Estoril. Não foi incomodado até 1957, quando a PIDE o convocou para dar explicações por causa de uma queixa de George Kraatz, outro espião alemão que tinha estado em Lisboa e que o acusava de se ter apropriado de várias jóias que tinha deixado em Portugal, de onde teve de se ausentar de repente durante a Guerra. Estavam em causa 826 gramas de ouro fino; um colar de ouro; dois anéis com um brilhante, diamantes e platina, e duas máquinas fotográficas. Nove anos antes, Kraatz tinha escrito uma carta a Mielitz, onde mostrava conhecer a relação íntima com o português: "Agrada-me que V. esteja em companhia do Francisco, ele é boa pessoa e é bom quando nós, rapazes velhos, temos uma pessoa mais nova junto de nós".Após várias diligências da PIDE, Theodor Mielitz acabou por admitir o seu passado de espionagem, contou que tinha vendido as jóias em ourivesarias e reconheceu que devia 22.850 escudos a Kraatz (8 mil euros a preços de hoje), mas pediu para pagar em prestações de 500 escudos mensais e falhou logo ao segundo mês.Francisco Lopes da Fonseca foi chamado a prestar declarações na PIDE por causa do processo das jóias, mas faltou ao primeiro interrogatório por estar de férias numa quinta em Arruda dos Vinhos com o companheiro alemão. Quando depôs, declarou que Mielitz, "em virtude de não ter pessoa alguma de família consigo", foi viver para casa dos seus pais em 1936, "pagando a respectiva hospedagem". Na realidade, segundo Jorge Fonseca, aconteceu o oposto: o alemão, que era 31 anos mais velho, é que acolheu Francisco em casa, como se fosse seu filho adoptivo, e recebeu depois a sua irmã e os seus pais, a quem deu emprego – a mãe era governanta, o pai vendedor na editora.O filho de Francisco lembra-se de o ter visto abalado com a morte de Theodor Mielitz em 1962: "Ficou muito triste." Não chegou a reclamar a fortuna que lhe seria devida pelo testamento, por ter receio de ser preso, se tentasse entrar na Alemanha. Jorge também ainda não foi à procura dos bens de Mielitz.Nessa altura, Francisco Lopes da Fonseca estava a viver com a mulher e o filho em Paris. Conseguiu emprego como motorista do Ministério da Cultura francês quando o ministro era Jacques Duhamel, em 1971. Obteve a nacionalidade francesa em 1972 e manteve o trabalho até ao consulado do ministro Jack Lang, que fez dele cavaleiro das Artes e das Letras, em 1982, como recompensa "pelos serviços prestados durante tantos anos no Ministério da Cultura", segundo o documento conservado pelo filho, que também trabalhou no ministério.Além da condecoração, o Estado francês atribuiu-lhe uma casa quando se reformou, o que não fez a todos os motoristas. A explicação de Jorge é que o pai continuou a desempenhar missões secretas – o filho não sabe se a mando das autoridades portuguesas se das francesas, embora a mãe lhe tenha dito que o pai trabalhava para a Interpol.Francisco Lopes da Fonseca e Helena Santana regressaram a Portugal nos últimos anos de vida. Ela morreu em 2005, com 96 anos. Ele sobreviveu até 2007. Foi encontrado morto no apartamento onde morava, em Linda-a-Velha, a 13 de Setembro de 2007. Três semanas depois, o filho recebeu uma carta onde alguém manifestava a "imensa tristeza" pelo desaparecimento do pai, com elogios à sua gentileza extrema, ao seu sorriso e à sua hospitalidade. No fim, surgia a assinatura do influente ex-ministro francês da Cultura, Jack Lang.(Artigo publicado na SÁBADO 360, de 24 de Março de 2011)

Surpreendido pelas autoridades dois meses depois de chegar a Cabo Verde, de onde deveria transmitir o mesmo tipo de informações, Mário Ribeiro, 29 anos, confessou que estava a trabalhar para a embaixada alemã em Lisboa e mostrou-se convencido de que a sua missão era conhecida pelos capitães Agostinho Lourenço e José Catela, números um e dois na hierarquia da polícia política – que até 1945 se chamou PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado). Tudo indica que Catela era de facto germanófilo. Quanto a Agostinho Lourenço, negou qualquer intervenção no caso, mas segundo o livro O Diário Secreto que Salazar não Leu, de Rui Araújo, o seu nome foi referido em relatórios britânicos de 1944 como tendo recebido dos alemães um suborno de mil contos (cerca de 350 mil euros a preços actuais, segundo o coeficiente de desvalorização da moeda publicado em Diário da República).Mário Ribeiro e a mulher, Cidália, modista de chapéus, foram então detidos e obrigados a embarcar no paquete Guiné, onde permaneceram incomunicáveis até serem presos à chegada a Lisboa. A PIDE interrogou vários portugueses a quem Mário Ribeiro enviou mensagens enquanto esteve em Cabo Verde e um deles admitiu que no fim de 1940 tinha sido procurado por Francisco Lopes da Fonseca, que lhe pediu se recebia em casa cartas de uma "senhora com quem tinha relações clandestinas", porque era casada. Ficou assim exposto o estratagema para arranjar moradas discretas onde pudesse ser recebida correspondência secreta sem ser interceptada. O director da polícia política acabou por mandar deter o ex-funcionário dos CTT.Mário Ribeiro esteve preso sem julgamento mais de ano e meio, até Agosto de 1943, quando a PVDE deixou de mostrar interesse na sua detenção. Mas com Francisco Lopes da Fonseca foi diferente. Foi capturado pela PSP de Aveiro às 9h da manhã do dia 27 de Março, na Quinta do Olho de Água, em Esgueira, para onde entretanto se tinha mudado com a família e Theodor Mielitz, que tinha comprado a propriedade para produzir farinha – daí que na sua ficha de preso, Lopes da Fonseca, com o número 13.951, surja identificado como agricultor. Quando foi fotografado de frente e perfil, estava de fato, pulôver e gravata. As autoridades anotaram que media 1,67 m, tiraram-lhe as impressões digitais dos dez dedos e, por ordem do capitão Catela, foi mantido incomunicável na 27.ª Esquadra.No interrogatório, Fonseca declarou à PIDE que era "incapaz de se prestar a colaborar com espiões". Não ficou registada qualquer referência a Theodor Mielitz, mas falou de outro alemão, Hans Peters, com quem se encontrava nos cafés do Rossio, por serem ambos anticomunistas.A decisão de o soltar após apenas 12 dias na prisão é justificada pela polícia de forma vaga e falsa: "Não se prova que Fonseca tivesse tido conhecimento [de] um caso de espionagem e por isso foi restituído à liberdade." Em 1998, quando revelou ao seu filho que tinha trabalhado para os alemães, gerindo uma rede de caixas de correio onde chegava correspondência germânica, explicou também porque tinha estado detido tão pouco tempo: "A Embaixada da Alemanha fez pressão sobre o Estado português."Fonseca prestou informações à PVDE sobre a rede de espionagem do Eixo em Lisboa, mas quem o interrogou na polícia política deu-lhe um papel para assinar com um depoimento diferente. "Tenho aqui a sua confissão. E tenho outra maneira de resolver o problema: o senhor diz que está com o Theodor Mielitz porque têm relações homossexuais e nada mais", propôs o responsável policial, enquanto rasgava os papéis com a primeira confissão.Nesta conversa, o cúmplice dos alemães terá ainda sido convidado a trabalhar com a PVDE, não havendo certezas de que tenha rejeitado a oferta. (Após a revolução de 1974, um grupo ligado ao PCP foi procurá-lo, segundo o filho, por ter encontrado o seu nome nos ficheiros da polícia política.) No arquivo da PIDE há registo de um ficheiro em nome de Francisco que desapareceu – como sucedeu com milhares de outros processos. Irene Pimentel, autora do livro A História da PIDE, acha que faz sentido este episódio relatado por Francisco Lopes da Fonseca ao filho, pois o capitão Catela teria interesse em manter ocultas certas informações relacionadas com a espionagem alemã.Jorge Fonseca soube que o pai e Theodor Mielitz mantinham uma relação passional porque a mãe lhe contou. Chamava-se Helena Santana, conheceu Francisco, nove anos mais novo, numa festa em casa do agente alemão e esteve sempre a par da vida dupla do marido em termos afectivos. Foi a pedido de Theodor Mielitz que deu aulas privadas de Francês a Francisco e apaixonaram-se, apesar de ela ser casada com um espião de França que trabalhava em Lisboa, também disfarçado de jornalista. Divorciou-se em 1943 e, um ano depois, em plena guerra, casou-se com Francisco, numa cerimónia que juntou representantes de todos os lados do conflito – um dos padrinhos foi, claro, Theodor Mielitz. Um diplomata italiano e uma cidadã britânica também apadrinharam o casamento, que contou assim com representantes de três países envolvidos na Guerra.A actividade do agente alemão já tinha chamado a atenção da polícia política, como se lê num ofício de 1941: "Segundo diz, é casado e tem a mulher na Alemanha, onde tem bens de fortuna de que vive, recebendo-os em Portugal, por intermédio do consulado alemão." Foi mesmo chamado a prestar declarações nos serviços secretos da PVDE, na R. António Maria Cardoso, onde se identificou como devoto da religião evangélica e declarou que pretendia trabalhar na venda de livros e antiguidades em Portugal, tendo entrado no País em 1931.Um documento sobre os agentes alemães em Lisboa, elaborado em 1941 pelo MI5 e citado no livro O Império dos espiões, de Rui Araújo, apontava Mielitz como "figura proeminente" e indicava: "Emprega vários subagentes e parece preocupado com o recrutamento de agentes para o estrangeiro."No dia em que a Alemanha perdeu a Guerra, 8 de Maio de 1945, Mielitz entrou num notário na Rua da Conceição, em Lisboa, e pagou 103 escudos para registar o seu testamento: "De todos os bens, direitos e acções que constituírem a minha herança, instituo único e universal herdeiro o senhor Francisco Lopes da Fonseca."Com o fim da guerra e a desvalorização do marco, o alemão deixou de ter o mesmo poder financeiro, mas recebia ainda uma pensão mensal de 1.400 escudos através da Embaixada da Alemanha. Quando nasceu Jorge Fonseca, em 1953, o alemão foi convidado para padrinho de baptismo e continuou a viver com a família numa casa na Linha do Estoril. Não foi incomodado até 1957, quando a PIDE o convocou para dar explicações por causa de uma queixa de George Kraatz, outro espião alemão que tinha estado em Lisboa e que o acusava de se ter apropriado de várias jóias que tinha deixado em Portugal, de onde teve de se ausentar de repente durante a Guerra. Estavam em causa 826 gramas de ouro fino; um colar de ouro; dois anéis com um brilhante, diamantes e platina, e duas máquinas fotográficas. Nove anos antes, Kraatz tinha escrito uma carta a Mielitz, onde mostrava conhecer a relação íntima com o português: "Agrada-me que V. esteja em companhia do Francisco, ele é boa pessoa e é bom quando nós, rapazes velhos, temos uma pessoa mais nova junto de nós".Após várias diligências da PIDE, Theodor Mielitz acabou por admitir o seu passado de espionagem, contou que tinha vendido as jóias em ourivesarias e reconheceu que devia 22.850 escudos a Kraatz (8 mil euros a preços de hoje), mas pediu para pagar em prestações de 500 escudos mensais e falhou logo ao segundo mês.Francisco Lopes da Fonseca foi chamado a prestar declarações na PIDE por causa do processo das jóias, mas faltou ao primeiro interrogatório por estar de férias numa quinta em Arruda dos Vinhos com o companheiro alemão. Quando depôs, declarou que Mielitz, "em virtude de não ter pessoa alguma de família consigo", foi viver para casa dos seus pais em 1936, "pagando a respectiva hospedagem". Na realidade, segundo Jorge Fonseca, aconteceu o oposto: o alemão, que era 31 anos mais velho, é que acolheu Francisco em casa, como se fosse seu filho adoptivo, e recebeu depois a sua irmã e os seus pais, a quem deu emprego – a mãe era governanta, o pai vendedor na editora.O filho de Francisco lembra-se de o ter visto abalado com a morte de Theodor Mielitz em 1962: "Ficou muito triste." Não chegou a reclamar a fortuna que lhe seria devida pelo testamento, por ter receio de ser preso, se tentasse entrar na Alemanha. Jorge também ainda não foi à procura dos bens de Mielitz.Nessa altura, Francisco Lopes da Fonseca estava a viver com a mulher e o filho em Paris. Conseguiu emprego como motorista do Ministério da Cultura francês quando o ministro era Jacques Duhamel, em 1971. Obteve a nacionalidade francesa em 1972 e manteve o trabalho até ao consulado do ministro Jack Lang, que fez dele cavaleiro das Artes e das Letras, em 1982, como recompensa "pelos serviços prestados durante tantos anos no Ministério da Cultura", segundo o documento conservado pelo filho, que também trabalhou no ministério.Além da condecoração, o Estado francês atribuiu-lhe uma casa quando se reformou, o que não fez a todos os motoristas. A explicação de Jorge é que o pai continuou a desempenhar missões secretas – o filho não sabe se a mando das autoridades portuguesas se das francesas, embora a mãe lhe tenha dito que o pai trabalhava para a Interpol.Francisco Lopes da Fonseca e Helena Santana regressaram a Portugal nos últimos anos de vida. Ela morreu em 2005, com 96 anos. Ele sobreviveu até 2007. Foi encontrado morto no apartamento onde morava, em Linda-a-Velha, a 13 de Setembro de 2007. Três semanas depois, o filho recebeu uma carta onde alguém manifestava a "imensa tristeza" pelo desaparecimento do pai, com elogios à sua gentileza extrema, ao seu sorriso e à sua hospitalidade. No fim, surgia a assinatura do influente ex-ministro francês da Cultura, Jack Lang.(Artigo publicado na SÁBADO 360, de 24 de Março de 2011)

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