Da Literatura: Natureza profissional e tentação totalitária

22-01-2012
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Meus caros Eduardo Pitta e Luís Mourão, não há aqui qualquer equívoco. O que há é uma redacção ambígua, o suficiente para que não se saiba com rigor do que se está a falar, assim permitindo que aqueles a quem couber a interpretação da lei tenham amplo campo de manobra. Senão, vejamos. O que são «actividades ou funções de natureza profissional»? Não são outras profissões, mas trabalhos que podem revestir­‑se de um carácter profissional, ainda que não sejam desempenhados desse modo. Explicando melhor: é possível ser­‑se escritor profissional, logo o trabalho de escrita pode revestir­‑se de natureza profissional; é possível viver­‑se da pintura, logo esta actividade também se pode revestir de natureza profissional. Quem decide se o é? Quem julga se aquele é um escritor ou um pintor profissional? Opondo este conceito a «amador»? E por que razão devem a crítica literária ou a tradução ser incompatíveis com funções docentes no ensino secundário? Ou a crítica de artes plásticas? Ou a direcção artística de uma galeria? Há algum impedimento ético? Então, por que motivo esse impedimento não abrange outras profissões? Não será antes o Estado a pretender controlar os cidadãos que para ele trabalham, a ponto de determinar até onde vão as suas capacidades e a possibilidade de não se cingirem a um simples universo de referências? A ambiguidade do articulado afigura­‑se­‑me antes como um sinal exacto dessa tentação totalitária do Estado, mesmo que democrático, a que se referiu Javier Marias em edição recente do El País. Como não tenho o jornal à mão, peço emprestado ao Francisco José Viegas o excerto que ele publicou no blogue: «Parece que en los actuales tiempos no existe Gobierno, casi ni Estado, sin tendencias totalitarias. Da lo mismo que sea de derechas, centro o izquierdas, que tenga mayoría absoluta o pelada, que sea americano, europeo, africano o asiático, que haya alcanzado el poder en las urnas o mediante un golpe. La idea antigua de que sólo las dictaduras eran totalitarias resulta ingenua, porque el totalitarismo consiste, sobre todo, en la intromisión de los Gobiernos en todas las esferas de la sociedad, en el afán de regularlo, controlarlo e intervenir en todo, de condicionar la vida de los ciudadanos e influir en ella, en no dejarles apenas márgenes de libertad y decirles cómo han de comportarse y organizarse, no sólo en lo público y común, sino asimismo en lo personal y privado. Y de la misma manera que se va perdiendo la creencia de que las diferencias entre particulares puedan dirimirse sin recurrir a un juez, y así los países se llenan de denuncias y pleitos, también se está perdiendo una noción importantísima para las sociedades libres, a saber: que no todo tiene que estar regulado y supervisado por instancias superiores; que el Estado no tiene derecho a opinar de todo y menos aún a dictar normas para cualquier actividad, iniciativa o costumbre. Y al perderse esa noción se le cede todo el campo al Gobierno de turno (lo que todo Gobierno desea), con la consiguiente renuncia de los individuos a sus criterios, su participación y su autonomía. Un suicidio.»

Meus caros Eduardo Pitta e Luís Mourão, não há aqui qualquer equívoco. O que há é uma redacção ambígua, o suficiente para que não se saiba com rigor do que se está a falar, assim permitindo que aqueles a quem couber a interpretação da lei tenham amplo campo de manobra. Senão, vejamos. O que são «actividades ou funções de natureza profissional»? Não são outras profissões, mas trabalhos que podem revestir­‑se de um carácter profissional, ainda que não sejam desempenhados desse modo. Explicando melhor: é possível ser­‑se escritor profissional, logo o trabalho de escrita pode revestir­‑se de natureza profissional; é possível viver­‑se da pintura, logo esta actividade também se pode revestir de natureza profissional. Quem decide se o é? Quem julga se aquele é um escritor ou um pintor profissional? Opondo este conceito a «amador»? E por que razão devem a crítica literária ou a tradução ser incompatíveis com funções docentes no ensino secundário? Ou a crítica de artes plásticas? Ou a direcção artística de uma galeria? Há algum impedimento ético? Então, por que motivo esse impedimento não abrange outras profissões? Não será antes o Estado a pretender controlar os cidadãos que para ele trabalham, a ponto de determinar até onde vão as suas capacidades e a possibilidade de não se cingirem a um simples universo de referências? A ambiguidade do articulado afigura­‑se­‑me antes como um sinal exacto dessa tentação totalitária do Estado, mesmo que democrático, a que se referiu Javier Marias em edição recente do El País. Como não tenho o jornal à mão, peço emprestado ao Francisco José Viegas o excerto que ele publicou no blogue: «Parece que en los actuales tiempos no existe Gobierno, casi ni Estado, sin tendencias totalitarias. Da lo mismo que sea de derechas, centro o izquierdas, que tenga mayoría absoluta o pelada, que sea americano, europeo, africano o asiático, que haya alcanzado el poder en las urnas o mediante un golpe. La idea antigua de que sólo las dictaduras eran totalitarias resulta ingenua, porque el totalitarismo consiste, sobre todo, en la intromisión de los Gobiernos en todas las esferas de la sociedad, en el afán de regularlo, controlarlo e intervenir en todo, de condicionar la vida de los ciudadanos e influir en ella, en no dejarles apenas márgenes de libertad y decirles cómo han de comportarse y organizarse, no sólo en lo público y común, sino asimismo en lo personal y privado. Y de la misma manera que se va perdiendo la creencia de que las diferencias entre particulares puedan dirimirse sin recurrir a un juez, y así los países se llenan de denuncias y pleitos, también se está perdiendo una noción importantísima para las sociedades libres, a saber: que no todo tiene que estar regulado y supervisado por instancias superiores; que el Estado no tiene derecho a opinar de todo y menos aún a dictar normas para cualquier actividad, iniciativa o costumbre. Y al perderse esa noción se le cede todo el campo al Gobierno de turno (lo que todo Gobierno desea), con la consiguiente renuncia de los individuos a sus criterios, su participación y su autonomía. Un suicidio.»

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