Da Literatura: PRO BONO

03-07-2011
marcar artigo

Ontem, quando chamei a atenção para a série que José Pacheco Pereira tinha preparada para apresentar na Casa Fernando Pessoa, no passado dia 9, a abrir o ciclo Os Livros que não esqueci, ainda não sabia que o Público dava destaque ao mesmo assunto, uma vez que só li o jornal ao fim da tarde. A peça assinada por Ana Henriques revela coisas extraordinárias, entre elas o peculiar entendimento que na Câmara de Lisboa se faz dos assuntos de gestão corrente. Fazendo o ponto da situação: a Casa Fernando Pessoa convidou várias personalidades a falar dos livros “da sua vida”: Pacheco Pereira, Vasco Graça Moura, António Pires de Lima, Diogo Pires Aurélio, Almeida Faria, Teresa Patrício Gouveia e Inês Pedrosa (um historiador, três escritores, um filósofo e dois políticos). Havia orçamento, Francisco José Viegas fez os convites, os convidados aceitaram, o programa foi divulgado. À última hora, por causa da queda do executivo camarário, ficaram alguns papéis por assinar. Sem esses papéis assinados não há verba, e sem verba não há ciclo de conferências. Segundo o Público, citando Rui Pereira, director municipal de Cultura da autarquia, «Almeida Faria e Diogo Pires Aurélio disseram logo que falariam gratuitamente.» A mesma notícia diz que «o pagamento exigido pelos participantes, Pacheco Pereira incluído, não foi autorizado a tempo pelo presidente da Câmara, que, entretanto, deixou de estar em funções.» Pacheco Pereira desmente: «É pura mentira. Fui informado do cancelamento no próprio dia. A Casa Fernando Pessoa deve-me um pedido de desculpas.» Nisto tudo, o que me espanta é o facto de ser o próprio presidente da Câmara a ter de assinar autorizações de pagamento de conferências... Já não há delegação de competências? Mas dando de barato que tenha de ser assim, como explicar esta afirmação de Rui Pereira: «Trata-se de um problema que não é exclusivo desta área, estendendo-se a todos os sectores da Câmara. Os papéis que estavam em trânsito [entre departamentos] e que careciam de despacho de um vereador ou do presidente, caíram.» Sendo assim, pode-se presumir que os dezassete mil funcionários e assalariados da Câmara de Lisboa vão ficar sem receber os seus vencimentos até à tomada de posse do próximo excecutivo. Ou não? Mas desde quando é que um executivo “em gestão” — e o da CML só está nessa situação desde 11 de Maio — fica inibido de administrar os assuntos correntes? É evidente que o imbróglio radica na convicção, muito portuguesa, de que o trabalho intelectual deve ser feito pro bono. O equívoco não é de agora, mas só ele explica a trapalhada que rodeia a organização da ‘Cidade do Livro’, iniciativa que previa um segundo ciclo, Os livros que eu escrevi, também cancelado (vários escritores brasileiros e argentinos, convidados e confirmados, ficaram apeados nos aeroportos de São Paulo e Buenos Aires). Realmente lamentável. Tenho pena pelo Francisco, que empenhou nome e prestígio nestes convites, e fica com duas mãos cheias de coisa nenhuma, mas tenho sobretudo pena pelo fracasso de um projecto que tinha todas as condições para ser um sucesso de público.Etiquetas: Lisboa, Literatura

Ontem, quando chamei a atenção para a série que José Pacheco Pereira tinha preparada para apresentar na Casa Fernando Pessoa, no passado dia 9, a abrir o ciclo Os Livros que não esqueci, ainda não sabia que o Público dava destaque ao mesmo assunto, uma vez que só li o jornal ao fim da tarde. A peça assinada por Ana Henriques revela coisas extraordinárias, entre elas o peculiar entendimento que na Câmara de Lisboa se faz dos assuntos de gestão corrente. Fazendo o ponto da situação: a Casa Fernando Pessoa convidou várias personalidades a falar dos livros “da sua vida”: Pacheco Pereira, Vasco Graça Moura, António Pires de Lima, Diogo Pires Aurélio, Almeida Faria, Teresa Patrício Gouveia e Inês Pedrosa (um historiador, três escritores, um filósofo e dois políticos). Havia orçamento, Francisco José Viegas fez os convites, os convidados aceitaram, o programa foi divulgado. À última hora, por causa da queda do executivo camarário, ficaram alguns papéis por assinar. Sem esses papéis assinados não há verba, e sem verba não há ciclo de conferências. Segundo o Público, citando Rui Pereira, director municipal de Cultura da autarquia, «Almeida Faria e Diogo Pires Aurélio disseram logo que falariam gratuitamente.» A mesma notícia diz que «o pagamento exigido pelos participantes, Pacheco Pereira incluído, não foi autorizado a tempo pelo presidente da Câmara, que, entretanto, deixou de estar em funções.» Pacheco Pereira desmente: «É pura mentira. Fui informado do cancelamento no próprio dia. A Casa Fernando Pessoa deve-me um pedido de desculpas.» Nisto tudo, o que me espanta é o facto de ser o próprio presidente da Câmara a ter de assinar autorizações de pagamento de conferências... Já não há delegação de competências? Mas dando de barato que tenha de ser assim, como explicar esta afirmação de Rui Pereira: «Trata-se de um problema que não é exclusivo desta área, estendendo-se a todos os sectores da Câmara. Os papéis que estavam em trânsito [entre departamentos] e que careciam de despacho de um vereador ou do presidente, caíram.» Sendo assim, pode-se presumir que os dezassete mil funcionários e assalariados da Câmara de Lisboa vão ficar sem receber os seus vencimentos até à tomada de posse do próximo excecutivo. Ou não? Mas desde quando é que um executivo “em gestão” — e o da CML só está nessa situação desde 11 de Maio — fica inibido de administrar os assuntos correntes? É evidente que o imbróglio radica na convicção, muito portuguesa, de que o trabalho intelectual deve ser feito pro bono. O equívoco não é de agora, mas só ele explica a trapalhada que rodeia a organização da ‘Cidade do Livro’, iniciativa que previa um segundo ciclo, Os livros que eu escrevi, também cancelado (vários escritores brasileiros e argentinos, convidados e confirmados, ficaram apeados nos aeroportos de São Paulo e Buenos Aires). Realmente lamentável. Tenho pena pelo Francisco, que empenhou nome e prestígio nestes convites, e fica com duas mãos cheias de coisa nenhuma, mas tenho sobretudo pena pelo fracasso de um projecto que tinha todas as condições para ser um sucesso de público.Etiquetas: Lisboa, Literatura

marcar artigo