Ferreira de Castro: de passagem

30-06-2011
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do «Pórtico»
Na tarde em que os seus e os meus olhos se estendiam por vastos horizontes, desde a misteriosa pirâmide de Sacará, pelos arqueólogos considerada o mais antigo monumento que do esforço dos homens existe sobre a Terra, até onde, lá na lonjura, o deserto parecia ligar-se com o céu em fogo, nós sabíamos que essa ânsia de «ser menos infeliz» lavrara o mundo inteiro. Ali, no areal ardente e infindo, dominava uma paz imensa, que dir-se-ia entranhada no Tempo, nas dunas, nas tamareiras que nenhuma brisa bulia e sobre as quais os próprios abutres haviam cerrado as asas. Mas esta paisagem extática agigantava, por contraste, no nosso espírito, o surdo rumor das lutas que nós sabíamos travarem-se em todos os continentes, as lutas que hão-de caracterizar o nosso século. Foi então que eu imaginei escrever uma «Biografia do Século XX», a biografia da grande epopeia que ia no mundo e da qual todos nós fomos de certa maneira, testemunhas oculares. Era e é minha opinião que a crónica da nossa época, que, um dia, se fará sobre o pó dos tempos e de esmaecidos papéis, não terá o valor de vida viva, de víscera palpitante, que teria a crónica feita agora, sobre a terra que ainda cheira a molhado -- e molhada, tantas vezes, com o sangue de quase todos nós. Escrita na pópria era da odisseia imensa, a obra poderia mostrar-se caótica, atormentada numa e noutra passagem, mas ofereceria sincero, verídico documento humano à análise dos vindouros. Os nossos acertos e os nossos erros, as andiedades e as paixões do nosso tempo, consituiriam, por ventura, apreciável material para estudo e compreensão do mais agitado e intenso período que a Humanidade até hoje viveu.


do «Pórtico»
Na tarde em que os seus e os meus olhos se estendiam por vastos horizontes, desde a misteriosa pirâmide de Sacará, pelos arqueólogos considerada o mais antigo monumento que do esforço dos homens existe sobre a Terra, até onde, lá na lonjura, o deserto parecia ligar-se com o céu em fogo, nós sabíamos que essa ânsia de «ser menos infeliz» lavrara o mundo inteiro. Ali, no areal ardente e infindo, dominava uma paz imensa, que dir-se-ia entranhada no Tempo, nas dunas, nas tamareiras que nenhuma brisa bulia e sobre as quais os próprios abutres haviam cerrado as asas. Mas esta paisagem extática agigantava, por contraste, no nosso espírito, o surdo rumor das lutas que nós sabíamos travarem-se em todos os continentes, as lutas que hão-de caracterizar o nosso século. Foi então que eu imaginei escrever uma «Biografia do Século XX», a biografia da grande epopeia que ia no mundo e da qual todos nós fomos de certa maneira, testemunhas oculares. Era e é minha opinião que a crónica da nossa época, que, um dia, se fará sobre o pó dos tempos e de esmaecidos papéis, não terá o valor de vida viva, de víscera palpitante, que teria a crónica feita agora, sobre a terra que ainda cheira a molhado -- e molhada, tantas vezes, com o sangue de quase todos nós. Escrita na pópria era da odisseia imensa, a obra poderia mostrar-se caótica, atormentada numa e noutra passagem, mas ofereceria sincero, verídico documento humano à análise dos vindouros. Os nossos acertos e os nossos erros, as andiedades e as paixões do nosso tempo, consituiriam, por ventura, apreciável material para estudo e compreensão do mais agitado e intenso período que a Humanidade até hoje viveu.

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