Ver e não ver

30-03-2012
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A fila lá fora não enganava. Mas uma coisa é imaginarmos e outra a confrontação com a realidade. Entra-se na Royal Academy of Arts, em Londres, e é-se engolido por uma multidão inquieta que parece possuída.

O motivo? Uma grande exposição de David Hockney, talvez o artista vivo britânico de maior projecção (em paralelo com Damien Hirst, prestes a inaugurar uma retrospectiva na Tate Modern), depois das mortes de Lucian Freud e Richard Hamilton.

O ambiente frenético é uma constante em exposições de grandes figuras da arte contemporânea, mas por vezes esquecemo-nos. Os bosques verdejantes do Yorkshire, as paisagens da infância de Hockney estão inscritas em quadros de enormes dimensões, mas nem esse facto obsta a que a visibilidade seja quase nula. Defronte das obras de maior sedução, magotes tentam perceber o candor juvenil dos quadros do veterano artista, acotovelando-se para garantir a melhor posição.

Uma mãe põe-se de cócoras com os seus dois pequenos, explicando-lhes talvez a longa relação do artista com novos formatos electrónicos, alicerçada na última série de obras criadas a partir de iPad. À minha esquerda, alguém tira fotos com o telemóvel de forma o mais dissimulada possível. À direita, dois ilustres senhores de sotaque americano, com os respectivos audioguias nos ouvidos, gritam para se fazerem ouvir.

É impossível estar em frente a qualquer obra por um segundo que seja, sem que um ruído, qualquer tipo de ruído, se interponha. Curiosamente, é à entrada da sucessão de grandes salões, em frente aos textos explicativos, que as maiores aglomerações acontecem, como se antes de observar todos quisessem compreender o que vão olhar de seguida.

Na arte importa cada vez menos a obra em si e cada vez mais o que os entendidos dizem sobre ela de forma a legitimá-la, ironizava recentemente Antonio Muñoz Molina no El País, a propósito da retrospectiva no MoMa, em Nova Iorque, de Cindy Sherman. É uma crítica recorrente, porque não existe um paradigma unificador, capaz de se afirmar como dominante para caracterizar o que é isso, afinal, da arte.

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É um debate em aberto, no contexto da variação das práticas e objectos reconhecidos na criação contemporânea. Mas visões como a de Molina são simplistas, porque, mesmo não havendo um padrão, aceitamos como válido um conjunto de agentes e instituições com poder de validação.

Não acontece o mesmo com os mecanismos de funcionamento de tribunais ou finanças? Alguém conhece em profundidade as suas regras? Quase ninguém. Mas aceitamo-las. No caso de Hockney nem sequer existe grande densidade conceptual. Há até uma grande capacidade de atracção.

Mas mesmo assim todos querem aceder às ferramentas explicativas que lhes possam abrir as portas do mundo específico da sua arte. Eu também queria, mas não consegui. Não vi grande coisa da exposição. Vi pessoas a ver a exposição. E à saída comprei o catálogo. Vem lá tudo explicado.

A fila lá fora não enganava. Mas uma coisa é imaginarmos e outra a confrontação com a realidade. Entra-se na Royal Academy of Arts, em Londres, e é-se engolido por uma multidão inquieta que parece possuída.

O motivo? Uma grande exposição de David Hockney, talvez o artista vivo britânico de maior projecção (em paralelo com Damien Hirst, prestes a inaugurar uma retrospectiva na Tate Modern), depois das mortes de Lucian Freud e Richard Hamilton.

O ambiente frenético é uma constante em exposições de grandes figuras da arte contemporânea, mas por vezes esquecemo-nos. Os bosques verdejantes do Yorkshire, as paisagens da infância de Hockney estão inscritas em quadros de enormes dimensões, mas nem esse facto obsta a que a visibilidade seja quase nula. Defronte das obras de maior sedução, magotes tentam perceber o candor juvenil dos quadros do veterano artista, acotovelando-se para garantir a melhor posição.

Uma mãe põe-se de cócoras com os seus dois pequenos, explicando-lhes talvez a longa relação do artista com novos formatos electrónicos, alicerçada na última série de obras criadas a partir de iPad. À minha esquerda, alguém tira fotos com o telemóvel de forma o mais dissimulada possível. À direita, dois ilustres senhores de sotaque americano, com os respectivos audioguias nos ouvidos, gritam para se fazerem ouvir.

É impossível estar em frente a qualquer obra por um segundo que seja, sem que um ruído, qualquer tipo de ruído, se interponha. Curiosamente, é à entrada da sucessão de grandes salões, em frente aos textos explicativos, que as maiores aglomerações acontecem, como se antes de observar todos quisessem compreender o que vão olhar de seguida.

Na arte importa cada vez menos a obra em si e cada vez mais o que os entendidos dizem sobre ela de forma a legitimá-la, ironizava recentemente Antonio Muñoz Molina no El País, a propósito da retrospectiva no MoMa, em Nova Iorque, de Cindy Sherman. É uma crítica recorrente, porque não existe um paradigma unificador, capaz de se afirmar como dominante para caracterizar o que é isso, afinal, da arte.

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É um debate em aberto, no contexto da variação das práticas e objectos reconhecidos na criação contemporânea. Mas visões como a de Molina são simplistas, porque, mesmo não havendo um padrão, aceitamos como válido um conjunto de agentes e instituições com poder de validação.

Não acontece o mesmo com os mecanismos de funcionamento de tribunais ou finanças? Alguém conhece em profundidade as suas regras? Quase ninguém. Mas aceitamo-las. No caso de Hockney nem sequer existe grande densidade conceptual. Há até uma grande capacidade de atracção.

Mas mesmo assim todos querem aceder às ferramentas explicativas que lhes possam abrir as portas do mundo específico da sua arte. Eu também queria, mas não consegui. Não vi grande coisa da exposição. Vi pessoas a ver a exposição. E à saída comprei o catálogo. Vem lá tudo explicado.

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