Com ou sem a UTAO, o socialismo está em crise

30-06-2015
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1. Um pouco por toda a Europa o socialismo está em crise. Em parte responsável ou co-responsável pela própria crise, não foi capaz de apresentar uma alternativa credível às políticas de ajustamento da direita. Limitou-se, em grande medida, a apostar na falta de memória do eleitorado, na sua insatisfação com as medidas de contenção e de austeridade e na mesma receita de sempre. Disso, ou com isso, fez e tem feito campanha. Não chega. Novos tempos reclamam novas abordagens, e já ninguém ganha eleições pela mera capitalização do descontentamento. Já nas europeias do ano passado, o Partido Popular Europeu havia perdido deputados e, em França, os eleitores já perceberam que as promessas eleitorais de François Hollande não passaram disso mesmo. O recente desfecho eleitoral no Reino Unido veio apenas confirmar essa tendência. Quando todos esperavam uma disputa renhida entre conservadores e trabalhistas, e um resultado que obrigaria um dos dois a coligar-se para formar maioria, o eleitorado renovou a confiança no partido conservador. E renovou-a de tal forma que lhe atribuiu maioria absoluta.

2. Por cá António Costa parece afinar pelo mesmo diapasão. Depois de ter negado a possibilidade de coligação com a direita e de ter acarinhado uma solução que cativava a extrema esquerda, apresentou um estudo elaborado por um conjunto de economistas a que, neste espaço, de resto, já nos referimos. Percebeu-se, então, que não alinhará nem com os primeiros nem com os segundos. Ficará sozinho. Esta semana, em entrevista à TVI, não foi capaz de concretizar o “seu” estudo. Desferiu críticas ao Governo e, em grande medida, remeteu para o programa eleitoral que apresentará em Junho. Mas uma coisa é certa: já deu para perceber que a receita do passado - com maiores ou menores matizes – pode bem estar de volta. E ficou já patente aos olhos de todos uma certa crise de identidade do Partido Socialista. Nesse cenário, como se viu no Reino Unido, o nem alegado descontentamento será suficiente para garantir a vitória a António Costa.

3. No contexto do debate político das próximas legislativas teria sido útil aferir da razoabilidade do cenário macroeconómico proposto pelo PS, que corresponde, valha a verdade, ao pressuposto das suas propostas. Sucede que, contrariamente ao que propugnou o PSD, não me parece que a UTAO estivesse em condições de o fazer ou, melhor dito, que estivesse no quadro de competências da UTAO dar resposta a um tal pedido. A objecção não se coloca - como vi amiúde escrito - na circunstância de o estudo do Prof. Mário Centeno não consubstanciar ainda o programa eleitoral do PS. Nada disso. Ainda que se tratasse do programa do Partido Socialista, assumido e apresentado como tal, seria duvidosa a competência da UTAO para se pronunciar sobre o mesmo. Basta, com efeito, atentar nas competências da Unidade Técnica. Do elenco não consta expressamente o estudo ou análise dos programas eleitorais dos partidos, pelo que só uma deliberação da Comissão de Orçamento e Finanças poderia solicitar um tal parecer. Ora, permitir que as maiorias conjunturais do momento escolham, no parlamento, os programas eleitorais que serão sujeitos ao crivo da UTAO antes das eleições – sujeitando uns e não outros – configura uma manifesta violação do princípio da igualdade entre as candidaturas. Por outro lado, correr-se-ia o risco de arrastar para a disputa político-partidária um órgão da administração pública, fazendo com isso perigar o princípio da neutralidade da administração. Esteve, pois, bem Pedro Passos Coelho ao pôr fim à contenda: “Se o PS não quiser, não se fala mais nisso”. De facto, não falar mais no assunto é mesmo a melhor estratégia.

Não quero com isto negar a utilidade de uma “avaliação externa” ao cenário macroeconómico apresentado pelo PS ou por qualquer outro partido. Acredito que pode revelar-se de grande utilidade até numa perspectiva “preventiva”, introduzindo razoabilidade e contenção nas promessas eleitorais dos candidatos – da direita à esquerda. Creio, apenas, que a pretexto desse escrutínio não pode colocar-se em causa a necessária separação entre a administração pública e os partidos. Só aos segundos cabe fazer política e não é sequer à primeira que cabe avaliar da política dos segundos. Para isso existem universidades, think tanks, grupos de trabalho de toda a sorte e género, de gente reputada e igualmente insuspeita, que estará certamente em condições de emitir uma segunda opinião sobre os programas eleitorais. Mas não é certamente a administração pública – que, de uma forma ou de outra, há-de promover a sua execução – que deverá sobre eles emitir parecer.

Em todo o caso, pelo que nos tem sido dado a conhecer - com ou sem parecer da UTAO - o socialismo está já em crise. Lá fora como aqui carece de se reinventar e de repensar a abordagem aos novos tempos saídos da crise. Sem isso, é mais do mesmo.

1. Um pouco por toda a Europa o socialismo está em crise. Em parte responsável ou co-responsável pela própria crise, não foi capaz de apresentar uma alternativa credível às políticas de ajustamento da direita. Limitou-se, em grande medida, a apostar na falta de memória do eleitorado, na sua insatisfação com as medidas de contenção e de austeridade e na mesma receita de sempre. Disso, ou com isso, fez e tem feito campanha. Não chega. Novos tempos reclamam novas abordagens, e já ninguém ganha eleições pela mera capitalização do descontentamento. Já nas europeias do ano passado, o Partido Popular Europeu havia perdido deputados e, em França, os eleitores já perceberam que as promessas eleitorais de François Hollande não passaram disso mesmo. O recente desfecho eleitoral no Reino Unido veio apenas confirmar essa tendência. Quando todos esperavam uma disputa renhida entre conservadores e trabalhistas, e um resultado que obrigaria um dos dois a coligar-se para formar maioria, o eleitorado renovou a confiança no partido conservador. E renovou-a de tal forma que lhe atribuiu maioria absoluta.

2. Por cá António Costa parece afinar pelo mesmo diapasão. Depois de ter negado a possibilidade de coligação com a direita e de ter acarinhado uma solução que cativava a extrema esquerda, apresentou um estudo elaborado por um conjunto de economistas a que, neste espaço, de resto, já nos referimos. Percebeu-se, então, que não alinhará nem com os primeiros nem com os segundos. Ficará sozinho. Esta semana, em entrevista à TVI, não foi capaz de concretizar o “seu” estudo. Desferiu críticas ao Governo e, em grande medida, remeteu para o programa eleitoral que apresentará em Junho. Mas uma coisa é certa: já deu para perceber que a receita do passado - com maiores ou menores matizes – pode bem estar de volta. E ficou já patente aos olhos de todos uma certa crise de identidade do Partido Socialista. Nesse cenário, como se viu no Reino Unido, o nem alegado descontentamento será suficiente para garantir a vitória a António Costa.

3. No contexto do debate político das próximas legislativas teria sido útil aferir da razoabilidade do cenário macroeconómico proposto pelo PS, que corresponde, valha a verdade, ao pressuposto das suas propostas. Sucede que, contrariamente ao que propugnou o PSD, não me parece que a UTAO estivesse em condições de o fazer ou, melhor dito, que estivesse no quadro de competências da UTAO dar resposta a um tal pedido. A objecção não se coloca - como vi amiúde escrito - na circunstância de o estudo do Prof. Mário Centeno não consubstanciar ainda o programa eleitoral do PS. Nada disso. Ainda que se tratasse do programa do Partido Socialista, assumido e apresentado como tal, seria duvidosa a competência da UTAO para se pronunciar sobre o mesmo. Basta, com efeito, atentar nas competências da Unidade Técnica. Do elenco não consta expressamente o estudo ou análise dos programas eleitorais dos partidos, pelo que só uma deliberação da Comissão de Orçamento e Finanças poderia solicitar um tal parecer. Ora, permitir que as maiorias conjunturais do momento escolham, no parlamento, os programas eleitorais que serão sujeitos ao crivo da UTAO antes das eleições – sujeitando uns e não outros – configura uma manifesta violação do princípio da igualdade entre as candidaturas. Por outro lado, correr-se-ia o risco de arrastar para a disputa político-partidária um órgão da administração pública, fazendo com isso perigar o princípio da neutralidade da administração. Esteve, pois, bem Pedro Passos Coelho ao pôr fim à contenda: “Se o PS não quiser, não se fala mais nisso”. De facto, não falar mais no assunto é mesmo a melhor estratégia.

Não quero com isto negar a utilidade de uma “avaliação externa” ao cenário macroeconómico apresentado pelo PS ou por qualquer outro partido. Acredito que pode revelar-se de grande utilidade até numa perspectiva “preventiva”, introduzindo razoabilidade e contenção nas promessas eleitorais dos candidatos – da direita à esquerda. Creio, apenas, que a pretexto desse escrutínio não pode colocar-se em causa a necessária separação entre a administração pública e os partidos. Só aos segundos cabe fazer política e não é sequer à primeira que cabe avaliar da política dos segundos. Para isso existem universidades, think tanks, grupos de trabalho de toda a sorte e género, de gente reputada e igualmente insuspeita, que estará certamente em condições de emitir uma segunda opinião sobre os programas eleitorais. Mas não é certamente a administração pública – que, de uma forma ou de outra, há-de promover a sua execução – que deverá sobre eles emitir parecer.

Em todo o caso, pelo que nos tem sido dado a conhecer - com ou sem parecer da UTAO - o socialismo está já em crise. Lá fora como aqui carece de se reinventar e de repensar a abordagem aos novos tempos saídos da crise. Sem isso, é mais do mesmo.

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