Expresso - Expresso.pt

27-04-2015
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1. António Costa está convencido que o "tirocínio" na Câmara Municipal de Lisboa lhe confere especiais competências para o exercício da função de Primeiro-Ministro. Desde que ganhou as primárias, não só vem tentando convencer disso mesmo os portugueses como procura fazer passar a ideia de que não há nada melhor para o nosso País do que ser governado à imagem e semelhança de Lisboa. No fundo, o que Costa fez em Lisboa quer fazer no Governo! Compara a dívida da autarquia com a dívida do Estado (como se tal fosse possível e como se, de resto, saísse a ganhar na comparação com os demais municípios) e estabeleceu o município de Lisboa como uma espécie de paradigma para o País.

Sobre descentralização - palavra que agora lhe vai ocupando os dias -, o modelo parece ser ainda e paradoxalmente o da central(ista) Lisboa: "Demonstrámos em Lisboa ser possível racionalizar a nossa organização administrativa, aproximando o poder das pessoas e dos problemas", disse

"É preciso reconstruir a confiança no país, mobilizar as pessoas, com uma governação de proximidade, com diálogo político, transparência e gestão com rigor. É por isso que aquilo que fizemos ao longo de sete anos na cidade de Lisboa é para nós inspirador daquilo que sobre aquilo que temos de fazer no conjunto do país para resgatar Portugal à descrença", disse uma e outra vez .

Ora, por muito meritórias que sejam as intenções que expressa, há um dado essencial que falha no raciocínio de Costa: Portugal não é Lisboa. E se António Costa não percebeu isso - como manifestamente não terá percebido - não está preparado para ser o Primeiro-Ministro daqueles que vivem a norte e a sul do Tejo. Há vida, há cultura, há economia e há património para lá de Lisboa. Propor uma descentralização para o País à moda da capital - numa lógica do tipo one size fits all - para além de errado é demonstrativo de um profundo desconhecimento do País que se quer governar.

2. Enquanto isso o Governo tem seguido discreta mas eficazmente a Reforma da Administração Local iniciada no arranque desta legislatura. Com efeito, foi criada uma nova "plataforma" de debate e decisão que, à semelhança do que sucede no Conselho de Concertação Social para as matérias do foro laboral, se debruçará sobre as questões do território. O Conselho de Concertação Territorial integra, designadamente, o Primeiro-Ministro e os Ministros com a tutela das diversas pastas que, em cada momento, contendem com as matérias de pendor territorial, representantes da Associação Nacional de Municípios, da Associação Nacional de Freguesias, das Comunidades Intermunicipais e das Áreas metropolitanas e será, doravante, o espaço por excelência de coordenação entre os vários níveis de decisão territorial.

Neste contexto, o projecto gizado por este governo que contempla a descentralização de competências para os municípios particularmente nas áreas da Educação, Saúde, Segurança Social e Cultura, desenvolveu-se no seio deste Conselho e envolveu, portanto, a Associação Nacional de Municípios Portugueses e os executivos de diversos municípios. No fundo o que se pretende é que através de um contrato inter-administrativo o Governo negoceie com cada autarquia em concreto a delegação de competências e a tranferência de recursos financeiros e patrimoniais suficientes para a prestação dos serviços públicos objecto de delegação. Em causa estará, por exemplo, a gestão de equipamentos e infraestruturas do ensino básico e secundário como a construção, requalificação e manutenção de infraestruturas escolares, a definição de aspectos da componente curricular de base local dos alunos e de estratégias de apoio e promoção do sucesso escolar, a definição dos períodos de funcionamento dos agrupamentos de centros de saúde e a gestão dos transportes de utentes, a gestão de equipamentos culturais como museus, bibliotecas, teatros, edifícios e sítios classificados e uma mais abrangente gestão de recursos humanos nas áreas da educação saúde e cultura.

Pretende-se que a contratualização da delegação de competências aconteça de forma gradual, através de projetos-piloto, iniciando-se com um número limitado de municípios ou entidades intermunicipais. A monitorização e avaliação do resultado dos projetos-piloto e a comparação entre os municípios, assentando em metas e métricas de melhoria da qualidade do serviço prestado, permitirá um aprofundamento do modelo e uma aprendizagem essencial para o alargamento da contratualização ao todo nacional.

Trata-se, pois, de uma verdadeira reforma com uma matriz variável - acomodável à realidade concreta de cada município - que nasceu do debate e do consenso entre os agentes locais. Bem diferente, portanto, das soluções que nascem de e para Lisboa.

Não será decerto por acaso que várias Câmaras socialistas tenham vindo a público condenar as críticas do PS a esta iniciativa do Governo que qualificaram como um "aproveitamento político" do próprio partido. Lembraram, ademais, que foi o PS a avançar, em 2008, com a transferência de competências na Educação, num processo que sublinham ter sido "menos discutido e participado pela comunidade educativa" do que o que ora está em curso. Um recado para Costa que - pasme-se - já chegou a acusar este Governo de incapacidade de diálogo.

3. Do que pouco se fala, infelizmente, é de "descentralização económica". Já o escrevi e reitero-o agora: Nunca lográmos estimular o desenvolvimento de uma rede de cidades de média dimensão economicamente pujantes e culturalmente dinâmicas. Não conseguimos fixar população no interior e não conseguimos promover a qualidade de vida na capital.

De facto, os sucessivos governos não têm sido capazes de contrariar a atratividade de Lisboa quanto a tudo o que tem e gera valor em Portugal. E nesta fase, já não são só os centros de decisão das grandes empresas que estão em Lisboa. Em Lisboa estão a generalidade das ofertas de emprego e todas ou quase todas as que ultrapassam um determinado nível no contexto empresarial. Jovens de todo o País confrontam-se com uma inevitabilidade: para poderem encontrar trabalho ou progredir profissionalmente têm, inelutavelmente, de mudar-se para Lisboa. Ora, as disfunções que estas migrações provocam no planeamento territorial e, numa perspectiva individual, na qualidade de vida de quem vive na capital e de quem vive fora dela, impõem que se pense este problema com seriedade e perseverança.

Inverter esta tendência é o próximo desafio.

1. António Costa está convencido que o "tirocínio" na Câmara Municipal de Lisboa lhe confere especiais competências para o exercício da função de Primeiro-Ministro. Desde que ganhou as primárias, não só vem tentando convencer disso mesmo os portugueses como procura fazer passar a ideia de que não há nada melhor para o nosso País do que ser governado à imagem e semelhança de Lisboa. No fundo, o que Costa fez em Lisboa quer fazer no Governo! Compara a dívida da autarquia com a dívida do Estado (como se tal fosse possível e como se, de resto, saísse a ganhar na comparação com os demais municípios) e estabeleceu o município de Lisboa como uma espécie de paradigma para o País.

Sobre descentralização - palavra que agora lhe vai ocupando os dias -, o modelo parece ser ainda e paradoxalmente o da central(ista) Lisboa: "Demonstrámos em Lisboa ser possível racionalizar a nossa organização administrativa, aproximando o poder das pessoas e dos problemas", disse

"É preciso reconstruir a confiança no país, mobilizar as pessoas, com uma governação de proximidade, com diálogo político, transparência e gestão com rigor. É por isso que aquilo que fizemos ao longo de sete anos na cidade de Lisboa é para nós inspirador daquilo que sobre aquilo que temos de fazer no conjunto do país para resgatar Portugal à descrença", disse uma e outra vez .

Ora, por muito meritórias que sejam as intenções que expressa, há um dado essencial que falha no raciocínio de Costa: Portugal não é Lisboa. E se António Costa não percebeu isso - como manifestamente não terá percebido - não está preparado para ser o Primeiro-Ministro daqueles que vivem a norte e a sul do Tejo. Há vida, há cultura, há economia e há património para lá de Lisboa. Propor uma descentralização para o País à moda da capital - numa lógica do tipo one size fits all - para além de errado é demonstrativo de um profundo desconhecimento do País que se quer governar.

2. Enquanto isso o Governo tem seguido discreta mas eficazmente a Reforma da Administração Local iniciada no arranque desta legislatura. Com efeito, foi criada uma nova "plataforma" de debate e decisão que, à semelhança do que sucede no Conselho de Concertação Social para as matérias do foro laboral, se debruçará sobre as questões do território. O Conselho de Concertação Territorial integra, designadamente, o Primeiro-Ministro e os Ministros com a tutela das diversas pastas que, em cada momento, contendem com as matérias de pendor territorial, representantes da Associação Nacional de Municípios, da Associação Nacional de Freguesias, das Comunidades Intermunicipais e das Áreas metropolitanas e será, doravante, o espaço por excelência de coordenação entre os vários níveis de decisão territorial.

Neste contexto, o projecto gizado por este governo que contempla a descentralização de competências para os municípios particularmente nas áreas da Educação, Saúde, Segurança Social e Cultura, desenvolveu-se no seio deste Conselho e envolveu, portanto, a Associação Nacional de Municípios Portugueses e os executivos de diversos municípios. No fundo o que se pretende é que através de um contrato inter-administrativo o Governo negoceie com cada autarquia em concreto a delegação de competências e a tranferência de recursos financeiros e patrimoniais suficientes para a prestação dos serviços públicos objecto de delegação. Em causa estará, por exemplo, a gestão de equipamentos e infraestruturas do ensino básico e secundário como a construção, requalificação e manutenção de infraestruturas escolares, a definição de aspectos da componente curricular de base local dos alunos e de estratégias de apoio e promoção do sucesso escolar, a definição dos períodos de funcionamento dos agrupamentos de centros de saúde e a gestão dos transportes de utentes, a gestão de equipamentos culturais como museus, bibliotecas, teatros, edifícios e sítios classificados e uma mais abrangente gestão de recursos humanos nas áreas da educação saúde e cultura.

Pretende-se que a contratualização da delegação de competências aconteça de forma gradual, através de projetos-piloto, iniciando-se com um número limitado de municípios ou entidades intermunicipais. A monitorização e avaliação do resultado dos projetos-piloto e a comparação entre os municípios, assentando em metas e métricas de melhoria da qualidade do serviço prestado, permitirá um aprofundamento do modelo e uma aprendizagem essencial para o alargamento da contratualização ao todo nacional.

Trata-se, pois, de uma verdadeira reforma com uma matriz variável - acomodável à realidade concreta de cada município - que nasceu do debate e do consenso entre os agentes locais. Bem diferente, portanto, das soluções que nascem de e para Lisboa.

Não será decerto por acaso que várias Câmaras socialistas tenham vindo a público condenar as críticas do PS a esta iniciativa do Governo que qualificaram como um "aproveitamento político" do próprio partido. Lembraram, ademais, que foi o PS a avançar, em 2008, com a transferência de competências na Educação, num processo que sublinham ter sido "menos discutido e participado pela comunidade educativa" do que o que ora está em curso. Um recado para Costa que - pasme-se - já chegou a acusar este Governo de incapacidade de diálogo.

3. Do que pouco se fala, infelizmente, é de "descentralização económica". Já o escrevi e reitero-o agora: Nunca lográmos estimular o desenvolvimento de uma rede de cidades de média dimensão economicamente pujantes e culturalmente dinâmicas. Não conseguimos fixar população no interior e não conseguimos promover a qualidade de vida na capital.

De facto, os sucessivos governos não têm sido capazes de contrariar a atratividade de Lisboa quanto a tudo o que tem e gera valor em Portugal. E nesta fase, já não são só os centros de decisão das grandes empresas que estão em Lisboa. Em Lisboa estão a generalidade das ofertas de emprego e todas ou quase todas as que ultrapassam um determinado nível no contexto empresarial. Jovens de todo o País confrontam-se com uma inevitabilidade: para poderem encontrar trabalho ou progredir profissionalmente têm, inelutavelmente, de mudar-se para Lisboa. Ora, as disfunções que estas migrações provocam no planeamento territorial e, numa perspectiva individual, na qualidade de vida de quem vive na capital e de quem vive fora dela, impõem que se pense este problema com seriedade e perseverança.

Inverter esta tendência é o próximo desafio.

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