Da matriz cristã e do espírito fundador da UE

06-10-2015
marcar artigo

A crise migratória não é, para a Europa, um problema novo. Longe disso. Ganhou, todavia, visibilidade quando, em Abril, um barco com 700 pessoas a bordo naufragou ao largo da ilha italiana de Lampedusa. Desde então a Europa não mais pôde ignorar as centenas de migrantes que, todos os dias, em condições precárias e às mãos de traficantes, fogem da guerra nos seus países. Antes disso, porém, já o Papa Francisco, em Novembro de 2014, em discurso que dirigira aos deputados ao Parlamento Europeu, confrontara os parlamentares – ali, bem no palco da demo-cracia europeia - e através deles todos os europeus com o drama que se vive às suas portas. Esta semana, a foto do menino inerte, abandonado às ondas numa praia da Turquia, não mais deixou ninguém indiferente e a comoção foi geral. Doravante, a Europa e os europeus não mais poderão fechar os olhos.

Sucede que, como facilmente se antevê, nem a “mudança para a Europa” corres-ponde a uma vontade genuína dos que aqui chegam nem pode a Europa acolhe-los a todos nas mesmas condições. O problema está na origem e aí deve, em primeira linha, ser resolvido. Salientei, aliás, a esse propósito, neste mesmo espaço, as palavras certeiras do Papa Francisco que, sem defender a total abertura das fronteiras aos migrantes não deixou de responsabilizar os Europeus. Colocou o debate a um outro nível: na adopção de “políticas justas, corajosas e concretas que ajudem os seus países de origem no desenvolvimento sociopolítico e na supe-ração dos conflitos internos [...]. É necessário agir sobre as causas e não apenas sobre os efeitos”. Foi inteligente e foi sensato.

Mas isso não justifica – muito longe disso - as afirmações do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, que escreveu num diário alemão que a chegada de refugiados muçulmanos poderá pôr em causa as raízes cristãs da Europa: “não podemos esquecer que os que estão a chegar têm uma religião diferente e representam uma cultura profundamente diferente” […] “A maioria é muçulmana, não cristã. Esta é uma questão importante, porque a Europa e a cultura europeia têm raízes cristãs.”

É que, se são inegáveis as origens cristãs da Europa – referência que, aliás, chegou a equacionar-se incluir no texto da proposta de Constituição Europeia – não são menos importantes os laços de solidariedade, de cooperação e de humanismo que estão da origem da União Europeia. Nos dias que correm pode haver quem duvide, mas a UE assenta muito mais num projecto de paz e de cooperação mútuas do que na gestão conjunta de crises financeiras. Ademais, o que verdadeiramente fere de morte mesmo a mais empedernida consciência cristã é ignorar o sofrimento de milhares à sua porta. Com efeito, contrariamente ao que afirma Orbán, não é a fechar as portas aos refugiados que nos procuram que a Europa assegura a manutenção da sua matriz cristã. Pelo contrário: erguer muros e voltar as costas aos refugiados é o primeiro passo para comprometer e negar irremediavelmente essa matriz.

Por cá, a propósito deste mesmo tema, Passos Coelho salientou as duas frentes de batalha na resposta à crise migratória: o envolvimento político da Europa e da comunidade internacional nos conflitos na Líbia, na Síria, no Iraque, no Iémen ou na Eritreia e a necessidade de “nos empenhamos de forma vigorosa na ajuda às centenas de milhares de pessoas que chegam à Europa refugiadas destes conflitos”. Já António Costa num momento de entusiasmo eleitoral terá consultado o seu próprio manual de direito internacional para sugerir aos refugiados um trabalho nas florestas. Não há mal nenhum nisso. Presentemente já há programas nesse sentido para desempregados. Mas pespegar desde já aos refugiados, que não sabemos ainda e concretamente quem são ou que habilitações têm, uma dada profissão ou um conjunto de competências preferenciais corresponde à assumpção de um estereótipo absolutamente dispensável. São perspectivas.

O certo é que a resposta conjunta à crise migratória para a Europa servirá para testar, uma vez mais, a solidariedade e a cooperação entre os diferentes Estados-Membros. Depois da resposta a várias vozes e velocidades à crise na Zona Euro, a ausência de um entendimento ou a subsistência de uma União a duas vozes são potencialmente mais lesivas para o futuro da UE do que a abertura indiscriminada de fronteiras a todos os migrantes e refugiados. Porque mais do que colocar pretensamente em causa a matriz cristã europeia, está à prova a sobrevivência do espírito fundador da União.

A crise migratória não é, para a Europa, um problema novo. Longe disso. Ganhou, todavia, visibilidade quando, em Abril, um barco com 700 pessoas a bordo naufragou ao largo da ilha italiana de Lampedusa. Desde então a Europa não mais pôde ignorar as centenas de migrantes que, todos os dias, em condições precárias e às mãos de traficantes, fogem da guerra nos seus países. Antes disso, porém, já o Papa Francisco, em Novembro de 2014, em discurso que dirigira aos deputados ao Parlamento Europeu, confrontara os parlamentares – ali, bem no palco da demo-cracia europeia - e através deles todos os europeus com o drama que se vive às suas portas. Esta semana, a foto do menino inerte, abandonado às ondas numa praia da Turquia, não mais deixou ninguém indiferente e a comoção foi geral. Doravante, a Europa e os europeus não mais poderão fechar os olhos.

Sucede que, como facilmente se antevê, nem a “mudança para a Europa” corres-ponde a uma vontade genuína dos que aqui chegam nem pode a Europa acolhe-los a todos nas mesmas condições. O problema está na origem e aí deve, em primeira linha, ser resolvido. Salientei, aliás, a esse propósito, neste mesmo espaço, as palavras certeiras do Papa Francisco que, sem defender a total abertura das fronteiras aos migrantes não deixou de responsabilizar os Europeus. Colocou o debate a um outro nível: na adopção de “políticas justas, corajosas e concretas que ajudem os seus países de origem no desenvolvimento sociopolítico e na supe-ração dos conflitos internos [...]. É necessário agir sobre as causas e não apenas sobre os efeitos”. Foi inteligente e foi sensato.

Mas isso não justifica – muito longe disso - as afirmações do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, que escreveu num diário alemão que a chegada de refugiados muçulmanos poderá pôr em causa as raízes cristãs da Europa: “não podemos esquecer que os que estão a chegar têm uma religião diferente e representam uma cultura profundamente diferente” […] “A maioria é muçulmana, não cristã. Esta é uma questão importante, porque a Europa e a cultura europeia têm raízes cristãs.”

É que, se são inegáveis as origens cristãs da Europa – referência que, aliás, chegou a equacionar-se incluir no texto da proposta de Constituição Europeia – não são menos importantes os laços de solidariedade, de cooperação e de humanismo que estão da origem da União Europeia. Nos dias que correm pode haver quem duvide, mas a UE assenta muito mais num projecto de paz e de cooperação mútuas do que na gestão conjunta de crises financeiras. Ademais, o que verdadeiramente fere de morte mesmo a mais empedernida consciência cristã é ignorar o sofrimento de milhares à sua porta. Com efeito, contrariamente ao que afirma Orbán, não é a fechar as portas aos refugiados que nos procuram que a Europa assegura a manutenção da sua matriz cristã. Pelo contrário: erguer muros e voltar as costas aos refugiados é o primeiro passo para comprometer e negar irremediavelmente essa matriz.

Por cá, a propósito deste mesmo tema, Passos Coelho salientou as duas frentes de batalha na resposta à crise migratória: o envolvimento político da Europa e da comunidade internacional nos conflitos na Líbia, na Síria, no Iraque, no Iémen ou na Eritreia e a necessidade de “nos empenhamos de forma vigorosa na ajuda às centenas de milhares de pessoas que chegam à Europa refugiadas destes conflitos”. Já António Costa num momento de entusiasmo eleitoral terá consultado o seu próprio manual de direito internacional para sugerir aos refugiados um trabalho nas florestas. Não há mal nenhum nisso. Presentemente já há programas nesse sentido para desempregados. Mas pespegar desde já aos refugiados, que não sabemos ainda e concretamente quem são ou que habilitações têm, uma dada profissão ou um conjunto de competências preferenciais corresponde à assumpção de um estereótipo absolutamente dispensável. São perspectivas.

O certo é que a resposta conjunta à crise migratória para a Europa servirá para testar, uma vez mais, a solidariedade e a cooperação entre os diferentes Estados-Membros. Depois da resposta a várias vozes e velocidades à crise na Zona Euro, a ausência de um entendimento ou a subsistência de uma União a duas vozes são potencialmente mais lesivas para o futuro da UE do que a abertura indiscriminada de fronteiras a todos os migrantes e refugiados. Porque mais do que colocar pretensamente em causa a matriz cristã europeia, está à prova a sobrevivência do espírito fundador da União.

marcar artigo