Opinião de Francisca Almeida

05-05-2015
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1. Resisti algumas semanas a escrever sobre a Grécia, o Syriza, Tsipras e Varoufakis. A chegada ao poder de um partido de extrema-esquerda que alavancou o seu discurso e o seu resultado em promessas de um irrealismo que, em alguns momentos, chegou a roçar a fantasia, trazem sempre incerteza e muita curiosidade. Um sentimento do tipo "esperar para ver".

E o que logo se viu foi evidente: o Syriza não tem ideologia, não tem programa e não tem substância. Tem um discurso de ruptura. Só isso. O que - reconheça-se - vale muito nos momentos de particular dificuldade. Mas por aí se fica. É, de resto, apenas isso, ou pouco mais do que isso, o que o une àquele que veio a ser o seu parceiro de coligação, a direita nacionalista grega. No fundo, se virmos bem, no seio do governo grego muito mais é o que os separa que aquilo que os une. A receita para o desastre de uma qualquer coligação.

O pecado original do Syriza foi sobrevalorizar-se. Fê-lo desde a primeira hora, quando veiculou junto dos gregos a ideia de que um só país e um só governo podem liderar os destinos de uma Europa a 28 e alterar a estratégia política e financeira da europa. No fundo achou-se capaz de poder assumir um lugar que - valha a verdade - atribuíra diversas vezes em tom acusatório à Alemanha: o papel de um Estado-Membro numa relação de domínio sobre os demais. E convenceu-se que a ameaça do "não pagamos" faria tremer de medo os demais líderes europeus. Contudo, no fim das contas, quem tremeu foi a Grécia, mal os mercados começaram a recear que os empréstimos não fossem pagos, que os bancos ficassem descapitalizados com os sucessivos levantamentos de dinheiro daqueles que temiam a saída do euro e assim que se percebeu que muitos gregos haviam deixado já de pagar impostos. Quem "tramou " a Grécia não foi a europa. Quem "tramou" a Grécia foi a realidade.

2. De resto, chega a ser caricato este fascínio de alguma esquerda europeia e de alguns media pelo Syriza e, particularmente, por Varoufakis. Alguma coisa vai mal quando a imprensa nacional e internacional se detém a comentar e a fazer matérias de fundo sobre a indumentária do Ministro das Finanças grego. Se não for por mais nada, porque revela uma clara opção pelo acessório sobre o essencial, opção que, de resto, o próprio não contraria e até alimenta quando, designadamente, aceita "tweetar" sobre o seu cachecol. Alguma coisa vai mal quando um ministro das finanças de um Estado-Membro em busca da solidariedade dos parceiros faz uma tournée pela europa de "fralda de fora" e "gola para cima" parecendo fazer disso um "statement" de qualquer coisa. E alguma coisa vai decididamente muito mal quando o mesmo ministro quebra regras de elementar bom senso nas negociações com os parceiros europeus entrando com a imprensa em reuniões à porta fechada e revelando os documentos e as posições assumidas ainda no decurso dessas negociações. A pretensa recusa em comentar a posição portuguesa refugiando-se "numa coisa chamada boas maneiras", do estilo, "não querendo criticar mas já criticando" é um bom exemplo disso.

3. Ora, é apenas esta - valha a verdade - a única ruptura que o Syriza parece estar a ser capaz de criar no seio do Eurogrupo. Bem vistas as coisas e por muitas voltas que dê, o acordo alcançado na passada sexta-feira está muito longe das promessas eleitoras de Tsipras. A Grécia reconhece a extensão do programa (e não apenas do empréstimo) e é ao FMI, ao BCE e à Comissão Europeia que caberá avaliar das medidas propostas pelo governo grego para dar execução ao programa. Não se fala, em nenhum momento, de uma "conferência europeia para a supressão parcial da dívida" nem de "ajudas financeiras sem contrapartidas de austeridade" nem no "pagamento da dívida indexado à taxa de crescimento económico". Também não se fala em "troika" mas, como está visto, ela está lá. Renomeada mas essencialmente a mesma.

A forma algo entusiasta com que Varoufakis anunciou o acordo contrasta com o próprio acordo. Mas por esta altura os gregos - muitos, justiça lhes seja feita, nunca se reviram nestes protagonistas - já perceberam que para se ser revolucionário não bastam proclamações. E que a ruptura preconizada pelo Syriza pode bem acabar por ser apenas a sua.

1. Resisti algumas semanas a escrever sobre a Grécia, o Syriza, Tsipras e Varoufakis. A chegada ao poder de um partido de extrema-esquerda que alavancou o seu discurso e o seu resultado em promessas de um irrealismo que, em alguns momentos, chegou a roçar a fantasia, trazem sempre incerteza e muita curiosidade. Um sentimento do tipo "esperar para ver".

E o que logo se viu foi evidente: o Syriza não tem ideologia, não tem programa e não tem substância. Tem um discurso de ruptura. Só isso. O que - reconheça-se - vale muito nos momentos de particular dificuldade. Mas por aí se fica. É, de resto, apenas isso, ou pouco mais do que isso, o que o une àquele que veio a ser o seu parceiro de coligação, a direita nacionalista grega. No fundo, se virmos bem, no seio do governo grego muito mais é o que os separa que aquilo que os une. A receita para o desastre de uma qualquer coligação.

O pecado original do Syriza foi sobrevalorizar-se. Fê-lo desde a primeira hora, quando veiculou junto dos gregos a ideia de que um só país e um só governo podem liderar os destinos de uma Europa a 28 e alterar a estratégia política e financeira da europa. No fundo achou-se capaz de poder assumir um lugar que - valha a verdade - atribuíra diversas vezes em tom acusatório à Alemanha: o papel de um Estado-Membro numa relação de domínio sobre os demais. E convenceu-se que a ameaça do "não pagamos" faria tremer de medo os demais líderes europeus. Contudo, no fim das contas, quem tremeu foi a Grécia, mal os mercados começaram a recear que os empréstimos não fossem pagos, que os bancos ficassem descapitalizados com os sucessivos levantamentos de dinheiro daqueles que temiam a saída do euro e assim que se percebeu que muitos gregos haviam deixado já de pagar impostos. Quem "tramou " a Grécia não foi a europa. Quem "tramou" a Grécia foi a realidade.

2. De resto, chega a ser caricato este fascínio de alguma esquerda europeia e de alguns media pelo Syriza e, particularmente, por Varoufakis. Alguma coisa vai mal quando a imprensa nacional e internacional se detém a comentar e a fazer matérias de fundo sobre a indumentária do Ministro das Finanças grego. Se não for por mais nada, porque revela uma clara opção pelo acessório sobre o essencial, opção que, de resto, o próprio não contraria e até alimenta quando, designadamente, aceita "tweetar" sobre o seu cachecol. Alguma coisa vai mal quando um ministro das finanças de um Estado-Membro em busca da solidariedade dos parceiros faz uma tournée pela europa de "fralda de fora" e "gola para cima" parecendo fazer disso um "statement" de qualquer coisa. E alguma coisa vai decididamente muito mal quando o mesmo ministro quebra regras de elementar bom senso nas negociações com os parceiros europeus entrando com a imprensa em reuniões à porta fechada e revelando os documentos e as posições assumidas ainda no decurso dessas negociações. A pretensa recusa em comentar a posição portuguesa refugiando-se "numa coisa chamada boas maneiras", do estilo, "não querendo criticar mas já criticando" é um bom exemplo disso.

3. Ora, é apenas esta - valha a verdade - a única ruptura que o Syriza parece estar a ser capaz de criar no seio do Eurogrupo. Bem vistas as coisas e por muitas voltas que dê, o acordo alcançado na passada sexta-feira está muito longe das promessas eleitoras de Tsipras. A Grécia reconhece a extensão do programa (e não apenas do empréstimo) e é ao FMI, ao BCE e à Comissão Europeia que caberá avaliar das medidas propostas pelo governo grego para dar execução ao programa. Não se fala, em nenhum momento, de uma "conferência europeia para a supressão parcial da dívida" nem de "ajudas financeiras sem contrapartidas de austeridade" nem no "pagamento da dívida indexado à taxa de crescimento económico". Também não se fala em "troika" mas, como está visto, ela está lá. Renomeada mas essencialmente a mesma.

A forma algo entusiasta com que Varoufakis anunciou o acordo contrasta com o próprio acordo. Mas por esta altura os gregos - muitos, justiça lhes seja feita, nunca se reviram nestes protagonistas - já perceberam que para se ser revolucionário não bastam proclamações. E que a ruptura preconizada pelo Syriza pode bem acabar por ser apenas a sua.

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