A Alemanha globaliza-se. Auf wiedersehen, Europa?

04-07-2011
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A Alemanha alcançou o estatuto de um "país normal", como os restantes vinte e seis, e deixou de ser "sobreeuropeísta"

"Avida é como uma caixa de chocolates. Nunca se sabe o que se vai encontrar", costuma dizer a mãe de Forrest Gump. Da caixa de chocolates europeia durante décadas foram muitos os que tiraram o bombom do seu agrado, deixando para a Alemanha, que sempre pagou a caixa, a última ou a menos apetitosa das guloseimas. Sucede que com o ajustamento das relações internacionais que se seguiu à queda do Muro - o mundo unipolar evoluiu para uma multipolaridade complexa -, a Alemanha não só não está disposta a pagar sozinha os bombons como também quer ser a primeira a escolher. Os restantes parceiros comunitários levantam a sobrancelha e exclamam "escândalo"!

Muitos governos europeus querem fazer crer às suas opiniões públicas que marcham, como cativos indefesos de grilhetas nos pés, à voz de comando de Berlim. Há-de haver um outro mundo lá fora. Pois há. Um exercício interessante, nestes últimos meses, é uma análise comparativa da imprensa europeia, que tenta convocar a cumplicidade dos cidadãos dos vinte e seis contra Berlim, e do que se publica na Alemanha.

Por detrás de muitas das críticas feitas a Angela Merkel - que passou de bestial a besta na óptica de algumas cabeças bem pensantes -, há um antigermanismo alimentado de ressentimentos e nostalgias várias. O que muitos europeus, que acenam com a bandeira da solidariedade quando lhes dá jeito, já esqueceram foi à forma como reagiram à reunificação alemã e como a todo o custo a tentaram evitar. Também já se esqueceram que o euro foi o preço elevado que a Alemanha pagou por ter recuperado a sua soberania.

Olhando as coisas de uma forma racional, como o fez Timothy Garton Ash, "em numerosos aspectos uma Europa mais alemã seria uma melhor Europa. Há muitas coisas no modelo económico alemão - a sua produtividade, as suas relações laborais consensuais, a sua focalização na qualidade, a sua penetração em mercados emergentes - que outros países fariam bem em copiar".

A Alemanha vive uma espécie de segundo milagre económico, um Aufschwung XL: o desemprego está ao seu nível mais baixo em décadas, as exportações industriais, em particular da indústria automóvel, cresceram no primeiro semestre de 2010 cerca de 12 por cento. E poupo-vos mais números. A verdade é que este crescimento se deve a uma reorientação da política alemã da geopolítica para o geoeconomia. Cada vez mais Berlim forja coligações de interesses com países como a Rússia ou a China, que são um mercado significativo para os seus produtos. E fá-lo para assegurar a sobrevivência económica num mundo global. Germany goes global. Nada mais legítimo. Significa isso um abandono da Europa?

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O argumento é mais subtil do que dizer que a Alemanha abandonou o "europeísmo" de Helmut Kohl e se tornou menos europeia. A Alemanha alcançou o estatuto de um "país normal", como os restante vinte e seis, e deixou de ser "sobreeuropeísta" (este processo iniciou-se muito antes de Merkel na legislatura de Schröder e Fischer). A actual geração de políticos alemães não tem qualquer razão emocional para acatar instituições supranacionais ou para subordinar as suas opiniões à França e à Europa. That"s Realpolitik. A Europa terá de aprender a viver com isso e é contraproducente tentar encostar a Alemanha à parede.

Por outro lado, a Alemanha não deixará cair a Europa nem o euro, não por uma qualquer "visão" - já dizia Helmut Schmidt, "quem tem visões deve ir ao oftalmologista" -, mas porque, embora cada vez menos, a Alemanha precisa da Europa, pois de um ponto de vista estritamente racional a moeda única é uma enorme vantagem competitiva para as exportações germânicas. Agora que a Alemanha tem alternativas que os outros vinte e seis não têm é um facto e nenhuma gritaria contra Angela Merkel pode alterar este estado de coisas.

Se os europeus quiserem, a Alemanha pode ser o motor que potencie as outras economias europeias no mercado mundial. Nolensvolens será a Alemanha a determinar o rumo que a economia europeia irá tomar. E não é com vinagre que se apanham moscas, nem alemães... Jornalista e blogger

A Alemanha alcançou o estatuto de um "país normal", como os restantes vinte e seis, e deixou de ser "sobreeuropeísta"

"Avida é como uma caixa de chocolates. Nunca se sabe o que se vai encontrar", costuma dizer a mãe de Forrest Gump. Da caixa de chocolates europeia durante décadas foram muitos os que tiraram o bombom do seu agrado, deixando para a Alemanha, que sempre pagou a caixa, a última ou a menos apetitosa das guloseimas. Sucede que com o ajustamento das relações internacionais que se seguiu à queda do Muro - o mundo unipolar evoluiu para uma multipolaridade complexa -, a Alemanha não só não está disposta a pagar sozinha os bombons como também quer ser a primeira a escolher. Os restantes parceiros comunitários levantam a sobrancelha e exclamam "escândalo"!

Muitos governos europeus querem fazer crer às suas opiniões públicas que marcham, como cativos indefesos de grilhetas nos pés, à voz de comando de Berlim. Há-de haver um outro mundo lá fora. Pois há. Um exercício interessante, nestes últimos meses, é uma análise comparativa da imprensa europeia, que tenta convocar a cumplicidade dos cidadãos dos vinte e seis contra Berlim, e do que se publica na Alemanha.

Por detrás de muitas das críticas feitas a Angela Merkel - que passou de bestial a besta na óptica de algumas cabeças bem pensantes -, há um antigermanismo alimentado de ressentimentos e nostalgias várias. O que muitos europeus, que acenam com a bandeira da solidariedade quando lhes dá jeito, já esqueceram foi à forma como reagiram à reunificação alemã e como a todo o custo a tentaram evitar. Também já se esqueceram que o euro foi o preço elevado que a Alemanha pagou por ter recuperado a sua soberania.

Olhando as coisas de uma forma racional, como o fez Timothy Garton Ash, "em numerosos aspectos uma Europa mais alemã seria uma melhor Europa. Há muitas coisas no modelo económico alemão - a sua produtividade, as suas relações laborais consensuais, a sua focalização na qualidade, a sua penetração em mercados emergentes - que outros países fariam bem em copiar".

A Alemanha vive uma espécie de segundo milagre económico, um Aufschwung XL: o desemprego está ao seu nível mais baixo em décadas, as exportações industriais, em particular da indústria automóvel, cresceram no primeiro semestre de 2010 cerca de 12 por cento. E poupo-vos mais números. A verdade é que este crescimento se deve a uma reorientação da política alemã da geopolítica para o geoeconomia. Cada vez mais Berlim forja coligações de interesses com países como a Rússia ou a China, que são um mercado significativo para os seus produtos. E fá-lo para assegurar a sobrevivência económica num mundo global. Germany goes global. Nada mais legítimo. Significa isso um abandono da Europa?

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O argumento é mais subtil do que dizer que a Alemanha abandonou o "europeísmo" de Helmut Kohl e se tornou menos europeia. A Alemanha alcançou o estatuto de um "país normal", como os restante vinte e seis, e deixou de ser "sobreeuropeísta" (este processo iniciou-se muito antes de Merkel na legislatura de Schröder e Fischer). A actual geração de políticos alemães não tem qualquer razão emocional para acatar instituições supranacionais ou para subordinar as suas opiniões à França e à Europa. That"s Realpolitik. A Europa terá de aprender a viver com isso e é contraproducente tentar encostar a Alemanha à parede.

Por outro lado, a Alemanha não deixará cair a Europa nem o euro, não por uma qualquer "visão" - já dizia Helmut Schmidt, "quem tem visões deve ir ao oftalmologista" -, mas porque, embora cada vez menos, a Alemanha precisa da Europa, pois de um ponto de vista estritamente racional a moeda única é uma enorme vantagem competitiva para as exportações germânicas. Agora que a Alemanha tem alternativas que os outros vinte e seis não têm é um facto e nenhuma gritaria contra Angela Merkel pode alterar este estado de coisas.

Se os europeus quiserem, a Alemanha pode ser o motor que potencie as outras economias europeias no mercado mundial. Nolensvolens será a Alemanha a determinar o rumo que a economia europeia irá tomar. E não é com vinagre que se apanham moscas, nem alemães... Jornalista e blogger

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