Margarida Marante: "Soares era o meu talismã"

06-05-2015
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Aos 20 anos era vedeta de televisão. Uma jornalista respeitada e temida. Entrevistava as personalidades mais importantes da política portuguesa. Mário Soares, Álvaro Cunhal, Lucas Pires, Freitas do Amaral, Cavaco Silva. Ninguém lhe dizia que não. Foi uma das fundadoras do primeiro canal de televisão privada, a SIC, onde se apaixonou pelo homem todo-poderoso de Carnaxide, Emídio Rangel. Saíram ambos em ruptura com o dono da estação. De dupla de heróis a amantes desavindos foi um passo. Pelo caminho, Margarida Marante viveu episódios atribulados e uma grande instabilidade emocional que fez manchete nas revistas cor-de-rosa. Foi vítima de maus tratos, físicos e psicológicos. A imagem inabalável da senhora entrevistadora desfez-se. O seu carrasco está preso e cumpre pena por crime de violação de residência, coação grave e sequestro. Afastada do ecrã há nove anos, chegou à beira do abismo. Os amigos que lhe sobraram e o seu primeiro marido, Henrique Granadeiro, homem forte da PT, não a deixaram naufragar. Hoje já consegue olhar para o espelho e voltar a achar-se bonita. Está mais magra e confiante.

Margarida Marante recebeu-nos em sua casa, onde vive desde os tempos de casada com Granadeiro, de quem tem três filhos. Decorado luxuosamente, é um espaço onde encontra equilíbrio. A entrevista é interrompida por duas vezes com a chegada das filhas Catarina e Joana. Marante fica mais solta. Mas mantém-se à defesa. "Tornei público o meu sofrimento e quando olho para trás, acho tudo de mais." Sabe até onde quer ir. E não diz mais do que tinha programado. Na rua ainda lhe perguntam quando volta à televisão. Mas, para já, os seus planos não passam pelo ecrã...

Aos 20 anos era uma das caras mais conhecidas da televisão. Esteve na ribalta várias décadas. Como é ter hoje 50 anos e estar off? A nossa vida define-se muito pelos bons e maus encontros. Mas não adivinhava que poderia ser assim. Já houve um período em que estive bastante depressiva. Felizmente, essa fase já passou. Hoje estou muito optimista.

Não faz televisão há nove anos. É muito tempo. O que faz agora? Sou directora de comunicação da AMI.

Vai trabalhar com Fernando Nobre na sua candidatura a Belém? A AMI não tem nada a ver com a candidatura de Fernando Nobre. São coisas à parte. Não há ninguém da AMI na candidatura. Ele não quer misturar a instituição com a candidatura a Belém. Fernando Nobre tem um grupo de voluntários a trabalhar com ele e não está lá ninguém da AMI.

Acha que Fernando Nobre tem o perfil ideal para Presidente da República? Vai votar nele? Não quero pronunciar-me sobre a candidatura. Agora, em termos pessoais posso dizer que é um ser humano fantástico, de quem se gosta com muita facilidade. Ainda não pensei em quem vou votar.

Voltou ao exercício da advocacia? Sim, voltei. Tenho feito alguns trabalhos num escritório de advogados.

Tenho saudades do jornalismo da maneira que o fiz. O fascínio da televisão é uma coisa que não desaparece. Foi uma fase muito importante da minha vida. Não estou a fazer televisão, como é conhecido. Durante este tempo fiz jornalismo, na imprensa e na rádio. Mantenho a minha carteira profissional. O jornalismo está-me no sangue.

Como surgiu o gosto pelo jornalismo? Começou muito cedo. Aos 17 anos fui bater à porta da "Opção", do Artur Portela, entrei como estagiária. Ainda nem idade tinha para essa tarefa. Era uma revista política, de esquerda. Foi uma experiência de fogo.

Conciliou o trabalho de jornalismo com o curso de Direito? Sim. Estava a estudar Direito na Católica. A revista acabou, depois fui para o "Tempo". E logo depois entrei por concurso público para a informação do segundo canal da RTP. Aos 20 anos já estava no primeiro canal, a convite de Francisco Sarsfield Cabral, para fazer reportagem política. Depois, o Daniel Proença de Carvalho, enquanto presidente do conselho de administração da RTP, escolheu-me para fazer entrevista política. Trabalhava imenso, incluindo o fim-de-semana, para conciliar os estudos com o trabalho. Não tinha tempo para gozar a vida. Era muito concentrada.

Quando ia para a Faculdade já era uma figura conhecida. Como é que reagiam os seus colegas e os professores? Para mim era igual. Não tinha noção do que era ser figura pública. Só tive um percalço, no último ano, com o professor Borges de Macedo, que fez uma referência jocosa à minha profissão e me deu a nota mais baixa do curso.

Aos 21 anos já fazia entrevistas às grandes figuras da política portuguesa. Não era muito nova para essa tarefa? Vejo as coisas de uma forma positiva. A nossa vida é muito definida pelos bons e pelos maus encontros. Tive um bom encontro com o Daniel Proença de Carvalho e ele deu-me uma oportunidade que marcou o meu percurso e a minha vida. Soube aproveitar. Era muito nova, trabalhava muito e agarrei a oportunidade. O dr. Álvaro Cunhal costumava dizer que me viu crescer.

Mas constava que a temia. Respeitava-me. Se falarmos dos anos em que estive na RTP estamos a falar de tempos muito especiais do nosso regime. Fazia-se a consolidação e a estruturação do regime. Ainda havia Conselho da Revolução. Os militares estavam ainda na boca de cena política. Era uma fase muito substantiva da vida política. Os debates, as entrevistas, os confrontos políticos eram mais substantivos. Essa agressividade era muito própria dessa altura.

Não era uma entrevistadora fácil. Nem era a entrevistadora do regime. Não. Isso nunca fui. Preparava-me muito bem. Fazia-o sozinha. Não tinha ninguém a trabalhar comigo. Era um trabalho solitário. Estava atenta à actualidade e preparava muito bem os dossiês. Mas todas aquelas personagens metiam respeito. Davam imensa luta.

Qual foi a personagem mais difícil que entrevistou em televisão? O dr. Álvaro Cunhal. Era uma figura muito difícil. Com uma personalidade muito forte e com convicções muito marcantes e inabaláveis.

Quando eram meus convidados, todos diziam: vou à Marante para a semana.

Quem eram, então, as suas rivais? Não tinha.

Nem a Maria Elisa? Esteve antes de mim. Ela foi para directora de programas quando comecei a fazer as entrevistas. Não me falava. Como não falava a muita gente.

A Manuela Moura Guedes não lhe fazia sombra? Não. Na altura ela ainda não fazia entrevistas.

Eram amigas? Não.

No seu tempo, tinha um estilo muito próprio a fazer televisão. Acusavam-na até de ser agressiva. Revia-se no estilo de Manuela Moura Guedes no "Jornal de Sexta"? Não, de todo. Uma coisa é ser exigente ou assertiva, outra coisa é ser agressiva. Para mim o "Jornal de Sexta" não era um exercício de jornalismo. Talvez de revanche, acerto de contas, não de jornalismo.

Apesar da sua juventude, aparentava um ar mais velho. Vestia de modo conservador. Era uma defesa? Era assim que tentava disfarçar a minha juventude. Procurava passar uma imagem de pessoa mais velha e tinha um modo de vestir muito conservador.

Nasceu numa família burguesa. Era filha única? Nasci no bairro de São João de Brito. Fui filha e neta única.

Foi muito mimada? (risos) Fui. Mas nunca fui dada ao conforto. Tive uma educação muito conservadora. Vivi pouco a adolescência, estudava e trabalhava ao mesmo tempo. Não tinha tempo para festas, para saídas à noite. Não entrei na RTP com cunha, nem por outras vias, foi por concurso. Aquilo que me propus fazer não era um trabalho de conforto. Era um trabalho com muita exposição, sujeito a muitas críticas, mas dava-me imenso gozo. Também era de grande responsabilidade e sujeitava-me a grande exposição. Também lá fui mimada.

Sentiu-se mimada na RTP? Sim. Nunca fui maltratada. Com excepção feita ao José Eduardo Moniz, actual paladino da liberdade de expressão e mártir da liberdade. Em 1990 despediu-me a mim, à Maria Elisa e à Maria Antónia Palla com o falso argumento, que de resto veio a ser provado em tribunal - todas ganhámos a acção -, de que não podíamos trabalhar na RTP e acumular com outros cargos, não tendo nós nenhum contrato de exclusividade. Eu era directora da "Elle", a Maria Elisa acumulava a direcção da "Marie Claire" e a Maria Antónia Palla era a chefe da redacção da "Máxima". Ele pura e simplesmente determinou o nosso despedimento. Na altura não se punha a questão de sermos despedidas da RTP e irmos para a estação ao lado. Não havia estação ao lado. Tirar-nos da RTP era tirar-nos a hipótese de fazer televisão. Quando ganhei o processo em tribunal não pedi a reintegração na RTP. Trabalhava como advogada num escritório.

Zangou-se com o José Eduardo Moniz? Zanguei. E não voltámos a reatar relações. Hoje, o Moniz devia lembrar-se do que fez, nomeadamente destes episódios que protagonizou.

Alguma vez sofreu pressões políticas? Sempre houve pressões políticas. O problema é saber lidar com elas. Nunca discuti perguntas. Lembro-me de pessoas, que agora são insuspeitas defensoras das liberdades, que no passado fizeram algumas tentativas de influenciar entrevistas. Não me quero armar em puritana, nem heroína, mas uma das melhores coisas que há a fazer nessas circunstâncias é falar sobre as coisas. Na RTP, as pressões faziam-se mais através das hierarquias. Nunca fui uma pessoa muito atreita a pressões. Tinha um feitio muito rebelde. Sempre houve pressões.

Lembra-se de alguma tentativa de pressão que a tenha irritado especialmente? No meu caso, as pressões eram sempre sobre temas a abordar ou a não abordar. Houve um tema que quis trabalhar e que surtiu efeito. Não consegui convidados para o programa.

Que tema era? Não lhe vou dizer. Era um tema social fracturante. A tentativa de pressões é inata ao poder. A todos os poderes. E na RTP muito mais. Não senti essa pressão na SIC. A RTP é um bocado mais mártir.

Como vê as alegadas tentativas do poder político imiscuir-se nos assuntos das redacções? Não fico espantada. Pressões sempre houve, da parte de qualquer governo. Todos os partidos já molharam o pão no molho. Hoje há um novo paradigma na comunicação social. Com a Internet, os blogues, os novos meios de comunicação, tudo é relativo. Tenho dificuldade em compreender que se fale de cerceamento de liberdades no contexto em que nos encontramos.

Como é que olhou para a polémica entre Sócrates e Mário Crespo? Acho que o jornal devia ter publicado a crónica. Quanto ao resto, se fosse fazer um escândalo de cada vez que tive conhecimento que fizeram comentários negativos a meu respeito em locais públicos tinha feito escândalos quase todos os dias.

É a favor do segredo de justiça? Sou. É muito desagradável esta situação em que nos encontramos em que tudo deriva de escutas. A coisa mais horrível que há é a opinião anónima. É o maior atentado à liberdade. Tenho horror às fugas de informação sobre o segredo de justiça, é um mercado fértil de bufos e de agentes que vivem, até, provavelmente, disso. É um mercado que não é são.

A política esteve desde sempre na sua vida. Chegou a ser filiada no PSD. Como é que entrou na política? Sempre se falou imenso de política em minha casa. Passado um mês do PSD ser fundado fui-me inscrever no partido. Francisco Pinto Balsemão foi o meu proponente. Vim a ser fundadora da JSD. A dada altura estavam a escolher-se os candidatos a deputados para Lisboa e eu tive os votos necessários para ser candidata a deputada. A presidente da Comissão Política era a Helena Roseta e ela passou-me a perna, colocando uma amiga à minha frente. Nessa altura estive por um triz para ser deputada. A social-democracia fascinou-me e a figura de Sá Carneiro foi muito importante para mim.

Conheceu-o pessoalmente? Sim. Não lidei com ele muitas vezes, não era uma pessoa particularmente acessível. Mas fascinava-me. Lembro-me de um dia a Maria Elisa o entrevistar. Fui buscá-lo à porta. Ao atravessar o corredor os funcionários chamaram-no fascista e outros nomes. Na RTP fiquei muito colada a ele. Nunca escondi essa opção e isso causou-me dissabores vários.

Foi uma militante activa? Fui. Conciliava isso com o jornalismo. Estamos a falar de anos muito próprios da vida política portuguesa.

Os políticos que entrevistava, nomeadamente Soares ou Cunhal, nunca a acusaram de ser tendenciosa? Toda a gente sabia. Não escondi. Falei com eles sobre isso. Sabiam o desgosto que a morte de Sá Carneiro me tinha provocado e do meu sentido de orfandade.

Quando se deu o acidente de Camarate foi das primeiras jornalistas a chegar ao local. Mas depois pediu para ser substituída. O que aconteceu? Não estava em condições de fazer o trabalho. Foi demasiado forte, um choque emocional demasiado grande. Quando saí dos estúdios do Lumiar tinha a informação de que tinha havia um acidente aéreo e era provável que fosse com o avião onde ia o primeiro-ministro. Quando cheguei e vi o amontoado de corpos e tanta água pedi para ser substituída. Quem chegou foi a Diana Andringa. Foi ela que fez a cobertura. A ela não lhe fazia impressão nenhuma. Eu não era capaz de ser imparcial. Passei a pasta.

Foi com a morte de Sá Carneiro que se afastou do partido? Foi. Mesmo quando Pinto Balsemão liderou o governo não voltei a aproximar-me. E ele foi das pessoas mais marcantes da minha vida. Foi quem me estendeu a mão para voltar à televisão depois de ter sido despedida. Se não fosse por ele não teria voltado a fazer televisão. Entro para a SIC, e é preciso dizer-se, a convite pessoal de Balsemão. Mais recentemente, Rui Rio promoveu a refiliação no partido. Já não o fiz. Já não sentia ímpeto para continuar a ser militante.

Como é que olha para a luta interna dentro do PSD. Qual lhe parece ser o melhor candidato a líder? Penso que Pedro Passos Coelho é o que tem mais hipóteses. É o mais social democrata. O Rangel é muito à direita para o meu gosto. Dos três, talvez Passos Coelho seja o que tenha mais hipóteses de luta contra José Sócrates. Hoje, a sociedade portuguesa está pouca galvanizada e o debate político é muito adjectivo, ao contrário dos anos 80, que era mais substantivo.

Na televisão, quando iniciava um novo programa, Mário Soares era sempre o seu primeiro convidado. Porquê? Dava-lhe sorte? Era um talismã. Dava-me sorte a mim e ao programa. Era a primeira pessoa que convidava. Sempre tive boas audiências. Defendo a tese que a boa informação é um produto com grandes potencialidades em termos de audiências.

Foi muito próxima de Mário Soares. É verdade que chegavam a partilhar o toldo na praia do Vau? Fomos muito próximos. Mas não partilhávamos o toldo. Fomos vizinhos de toldo, durante muitos anos. Gosto muito dele.

Nunca a convidou para o PS. Não. Nunca.

Alguma vez votou nele? Votei das duas vezes que se candidatou e ganhou a presidência.

E na última vez contra Cavaco? Também votei Soares.

Na RTP havia quem dissesse que escolhia os entrevistados que lhe permitiam ter mais visibilidade. É verdade? (risos) Tinha alguma ambição. Tinha os convidados de acordo com a actualidade, não com a minha visibilidade. Acho que entrevistei toda a gente que queria. Menos Sá Carneiro. Nunca o tive sozinho em estúdio.

Sempre fez o que quis na televisão? Diria que sim.

O entretenimento nunca a fascinou? Nunca. E odeio a mistura de informação com o entretenimento. Acho que é uma adulteração da informação. Sou completamente contra.

Outra coisa de que a acusaram na RTP foi que se relacionada afectivamente com as pessoa certas. (risos) É um disparate!

Na SIC tinha muito poder. Era a generala da estação de Carnaxide? Não. Chamavam isso à Moura Guedes na TVI. Não a mim. Nunca tive essa alcunha. Nunca interferi em nenhuma área fora do âmbito restrito do meu programa. Não tinha a mais pequena intervenção, a não ser no espaço editorial do meu programa. Nunca tive, nem nunca quis ter. Também não era suposto ter. Nunca entrei numa reunião que não fosse do meu programa, nem nunca dei opinião em nada que não se relacionasse com o meu programa.

No entanto, para além de ser uma das vedetas da estação de Carnaxide era a mulher de um dos homens mais poderosos da televisão. Eu não era toda-poderosa. Ele sim. Eu só tinha poder no meu espaço, só mandava no meu programa. Rejeito essa expressão.

Quando, mais tarde, deixa a SIC, sai em ruptura com Pinto Balsemão. Foi por solidariedade profissional a Emídio Rangel ou foi um acto de amor? Saí em desacordo com Balsemão. Ele ficou zangado comigo. Havia uma questão de natureza organizacional que estava em causa. A posição do dono da estação prevaleceu. A minha posição e do meu então marido não prevaleceu. Mas o facto de eu estar apaixonada também terá pesado.

Francisco Pinto Balsemão já lhe perdoou? Já tentei reatar relações, mas não fui bem sucedida. Continuo a achar que foi das pessoas mais importantes da minha vida. Deu-me oportunidade de voltar ao jornalismo e à televisão, ao integrar a equipa fundadora da SIC depois de ser despedida da RTP.

Quando saiu da SIC escreveu um artigo muito duro a atacar Nuno Santos. Porque o fez? Nuno Santos estava do outro lado da barricada. Mas já reatei relações com ele e retractei-me relativamente a esse artigo. Ele tinha uma acção em tribunal contra mim por causa desse artigo e retirou-a. Já reatámos as pontas.

Dos muitos programas que fez, ficou na nossa memória o "Cross Fire", com o Miguel Sousa Tavares. Ele regressou agora à televisão. Gostaria de voltar a fazer dupla televisiva com ele? Em primeiro lugar quero desejar-lhe felicidades, foi muito corajoso em voltar para um programa de informação. Como já disse, o bichinho da televisão não morreu. E trabalhar com o Miguel foi sempre muito bom. Éramos amigos, não éramos rivais.

Recentemente, Sousa Tavares disse que se tinha afastado de si, porque a Margarida se tinha metido com companhias pouco recomendáveis. Continuam amigos? Reatámos as relações.

Aos 26 anos casou com Henrique Granadeiro, actual chairman da Portugal Telecom. Nessa altura acreditava que ele poderia chegar onde chegou? Sim. É um homem superiormente inteligente. Quando casei com ele era administrador executivo da Fundação Eugénio de Almeida. Sempre acreditei que tivesse uma carreira fulgurante. É uma pessoa determinada, obstinada e inteligente.

Têm três filhos em conjunto. Que idade têm? Têm 22, 20 e 16. O mais velho e a mais nova vivem comigo. A do meio vive com o pai.

Aonde é que conheceu Henrique Granadeiro? Fiz um programa na RTP sobre agricultura e convidei-o. Fiquei superapaixonada por ele. Penso que ele também. Começámos a telefonar-nos. E foi assim que avançou.

Quando o conheceu ele tinha fama de mulherengo. Ouvi dizer que sim. Vivemos uma grande paixão e dois anos depois de nos conhecermos casámo-nos.

Como conciliou a vinda intensa da televisão com a educação de três filhos? Fazia as entrevistas com uma grande barriga e tinha muitos apoios. A minha mãe também ajudava muito.

É verdade que quando estava a separar-se de Henrique Granadeiro, Álvaro Cunhal a aconselhou a não o fazer? Quando estava em fase de separação do Henrique, fui moderar um debate à Universidade de Évora em que estava Álvaro Cunhal. Depois do debate fomos jantar e ele, sem nunca dizer explicitamente, quis-me aconselhar a não me separar do Henrique. Não o disse directamente, mas pude chegar a essa conclusão.

Voltou a casar, desta vez com Emídio Rangel. A criação da SIC mudou a vida de muita gente e a minha também. A SIC foi galvanizadora. Ver nascer uma estação de televisão é uma experiência galvanizadora e a SIC foi um projecto que nos empolgou imenso e que mudou a vida de toda agente que lá trabalhava. Foi uma experiência única. Embora tenha muitas recordações da RTP, porque foi a casa onde me fiz, e tenha gostado de estar na advocacia, a experiência da SIC foi única. Estive lá nove anos.

O fim da relação com Emídio Rangel marcou o início de uma fase muito dura da sua vida. Como já disse, na vida há bons e maus encontros. Com o Rangel foi um encontro menos bom.

Teve depois uma relação turbulenta com Farinha Simões. Chegou a ser violentada por ele. A questão está resolvida em tribunal, ele está preso. Há encontros que deixam saudades e há outros que não deixam saudades nenhumas. Sobre isso já falei publicamente o que achava que devia falar. Como figura pública achei que devia alertar a sociedade para os crimes de que as mulheres são vítimas. Agora, para minha tranquilidade e para tranquilidade dos meus filhos, não queria debruçar-me mais sobre o assunto. Prefiro seguir em frente do que olhar para trás.

Nesse período mais difícil sentiu que muitos dos seus amigos se afastaram de si? Isso é dos livros. Vem nos clássicos da literatura. Nos momentos maus há sempre pessoas que se afastam. Mas há outras que permanecem e são esses que dividem as águas.

Ainda tem muitos amigos dos seus tempos áureos na televisão? Tenho alguns, sim. Alguns deles trabalharam directamente comigo na SIC.

Como é que os seus filhos lidaram com essa fase difícil por que passou? O melhor que posso fazer é não lhes lembrar essa fase. Por isso é que peço escusa de falar muito dela.

Sempre foi uma mulher bonita. Durante esse período conturbado descurou o seu visual. Engordou muito. Como lidou com a sua imagem? Lidei mal. Não gostava de me ver com peso a mais. Passei por uma fase difícil. Tomei medicação que também não ajudou.

É verdade que foi para Espanha fazer uma cura de desintoxicação? Fui tratar-me. Estava com uma grande depressão.

Foi para uma clínica da Opus Dei, em Navarra. Quem lha sugeriu? Foi uma sugestão do Henrique. Mas recebe qualquer pessoa. É uma excelente clínica. Fiz um check up completo. Tem, por exemplo, uma unidade oncológica muito boa.

É da Opus Dei? Não. Sou católica, mas não praticante.

Nessa fase difícil, a Margarida expõe-se muito, a sua vida privada aparecia com frequência nas revistas cor-de-rosa. Nunca tinha estado. Sempre fui muito reservada. Nessa altura senti necessidade de tornar público o meu sofrimento. Hoje, olhando para trás, acho tudo de mais, mas na altura foi o que me pareceu certo fazer...

Diz que não é uma pessoa de meias medidas. Ou está nas coisas ou não está... Não sou medrosa, não tenho medo do confronto. Sempre me meti nas coisas por inteiro, por paixão. Se não tivesse sido assim também não teria feito metade do que fiz. Quanto aos meus estados de alma e aos seus controlos devo dizer que a idade nos vai moldando e polindo as arestas. Não tenho os mesmos impulsos que tinha aos 20 anos. Hoje sou mais contida. Faço, apaixono-me pelas coisas e só apaixonada é que vibro com elas. Não gosto de meios-termos. Não gosto de estar com um pé numa margem e outro noutra. Quando estou, estou de corpo inteiro. O arrebatamento é que vai sendo diferente.

Quais foram as pessoas mais marcantes da sua vida? João Morais Leitão, que foi meu patrono, Luís Sáragga Leal, que me deu a oportunidade de poder ser de facto advogada, trabalhei no escritório dele. O Daniel Proença de Carvalho, que me permitiu fazer o que fiz e ter a carreira que tive, e Francisco Pinto Balsemão, que me deu a hipótese de ter voltado ao jornalismo televisivo e de ser fundadora da SIC. O meu pai foi também muito importante na minha vida, assim como o Henrique, porque é o pais dos meus filhos e um amigo.

Mantém uma boa relação? Mantemos uma excelente relação.

Que planos tem para o futuro? Tenho muitos planos. Mas não passam pelo jornalismo.

Não pensa escrever a sua história? Não a escrevi até agora, e também não o irei fazer. Hoje em dia toda a gente escreve livros a propósito de tudo e de nada. Tenho muito respeito pelos verdadeiros escritores.

Publicado na Revista Única do Expresso de 27 de Março de 2010

Aos 20 anos era vedeta de televisão. Uma jornalista respeitada e temida. Entrevistava as personalidades mais importantes da política portuguesa. Mário Soares, Álvaro Cunhal, Lucas Pires, Freitas do Amaral, Cavaco Silva. Ninguém lhe dizia que não. Foi uma das fundadoras do primeiro canal de televisão privada, a SIC, onde se apaixonou pelo homem todo-poderoso de Carnaxide, Emídio Rangel. Saíram ambos em ruptura com o dono da estação. De dupla de heróis a amantes desavindos foi um passo. Pelo caminho, Margarida Marante viveu episódios atribulados e uma grande instabilidade emocional que fez manchete nas revistas cor-de-rosa. Foi vítima de maus tratos, físicos e psicológicos. A imagem inabalável da senhora entrevistadora desfez-se. O seu carrasco está preso e cumpre pena por crime de violação de residência, coação grave e sequestro. Afastada do ecrã há nove anos, chegou à beira do abismo. Os amigos que lhe sobraram e o seu primeiro marido, Henrique Granadeiro, homem forte da PT, não a deixaram naufragar. Hoje já consegue olhar para o espelho e voltar a achar-se bonita. Está mais magra e confiante.

Margarida Marante recebeu-nos em sua casa, onde vive desde os tempos de casada com Granadeiro, de quem tem três filhos. Decorado luxuosamente, é um espaço onde encontra equilíbrio. A entrevista é interrompida por duas vezes com a chegada das filhas Catarina e Joana. Marante fica mais solta. Mas mantém-se à defesa. "Tornei público o meu sofrimento e quando olho para trás, acho tudo de mais." Sabe até onde quer ir. E não diz mais do que tinha programado. Na rua ainda lhe perguntam quando volta à televisão. Mas, para já, os seus planos não passam pelo ecrã...

Aos 20 anos era uma das caras mais conhecidas da televisão. Esteve na ribalta várias décadas. Como é ter hoje 50 anos e estar off? A nossa vida define-se muito pelos bons e maus encontros. Mas não adivinhava que poderia ser assim. Já houve um período em que estive bastante depressiva. Felizmente, essa fase já passou. Hoje estou muito optimista.

Não faz televisão há nove anos. É muito tempo. O que faz agora? Sou directora de comunicação da AMI.

Vai trabalhar com Fernando Nobre na sua candidatura a Belém? A AMI não tem nada a ver com a candidatura de Fernando Nobre. São coisas à parte. Não há ninguém da AMI na candidatura. Ele não quer misturar a instituição com a candidatura a Belém. Fernando Nobre tem um grupo de voluntários a trabalhar com ele e não está lá ninguém da AMI.

Acha que Fernando Nobre tem o perfil ideal para Presidente da República? Vai votar nele? Não quero pronunciar-me sobre a candidatura. Agora, em termos pessoais posso dizer que é um ser humano fantástico, de quem se gosta com muita facilidade. Ainda não pensei em quem vou votar.

Voltou ao exercício da advocacia? Sim, voltei. Tenho feito alguns trabalhos num escritório de advogados.

Tenho saudades do jornalismo da maneira que o fiz. O fascínio da televisão é uma coisa que não desaparece. Foi uma fase muito importante da minha vida. Não estou a fazer televisão, como é conhecido. Durante este tempo fiz jornalismo, na imprensa e na rádio. Mantenho a minha carteira profissional. O jornalismo está-me no sangue.

Como surgiu o gosto pelo jornalismo? Começou muito cedo. Aos 17 anos fui bater à porta da "Opção", do Artur Portela, entrei como estagiária. Ainda nem idade tinha para essa tarefa. Era uma revista política, de esquerda. Foi uma experiência de fogo.

Conciliou o trabalho de jornalismo com o curso de Direito? Sim. Estava a estudar Direito na Católica. A revista acabou, depois fui para o "Tempo". E logo depois entrei por concurso público para a informação do segundo canal da RTP. Aos 20 anos já estava no primeiro canal, a convite de Francisco Sarsfield Cabral, para fazer reportagem política. Depois, o Daniel Proença de Carvalho, enquanto presidente do conselho de administração da RTP, escolheu-me para fazer entrevista política. Trabalhava imenso, incluindo o fim-de-semana, para conciliar os estudos com o trabalho. Não tinha tempo para gozar a vida. Era muito concentrada.

Quando ia para a Faculdade já era uma figura conhecida. Como é que reagiam os seus colegas e os professores? Para mim era igual. Não tinha noção do que era ser figura pública. Só tive um percalço, no último ano, com o professor Borges de Macedo, que fez uma referência jocosa à minha profissão e me deu a nota mais baixa do curso.

Aos 21 anos já fazia entrevistas às grandes figuras da política portuguesa. Não era muito nova para essa tarefa? Vejo as coisas de uma forma positiva. A nossa vida é muito definida pelos bons e pelos maus encontros. Tive um bom encontro com o Daniel Proença de Carvalho e ele deu-me uma oportunidade que marcou o meu percurso e a minha vida. Soube aproveitar. Era muito nova, trabalhava muito e agarrei a oportunidade. O dr. Álvaro Cunhal costumava dizer que me viu crescer.

Mas constava que a temia. Respeitava-me. Se falarmos dos anos em que estive na RTP estamos a falar de tempos muito especiais do nosso regime. Fazia-se a consolidação e a estruturação do regime. Ainda havia Conselho da Revolução. Os militares estavam ainda na boca de cena política. Era uma fase muito substantiva da vida política. Os debates, as entrevistas, os confrontos políticos eram mais substantivos. Essa agressividade era muito própria dessa altura.

Não era uma entrevistadora fácil. Nem era a entrevistadora do regime. Não. Isso nunca fui. Preparava-me muito bem. Fazia-o sozinha. Não tinha ninguém a trabalhar comigo. Era um trabalho solitário. Estava atenta à actualidade e preparava muito bem os dossiês. Mas todas aquelas personagens metiam respeito. Davam imensa luta.

Qual foi a personagem mais difícil que entrevistou em televisão? O dr. Álvaro Cunhal. Era uma figura muito difícil. Com uma personalidade muito forte e com convicções muito marcantes e inabaláveis.

Quando eram meus convidados, todos diziam: vou à Marante para a semana.

Quem eram, então, as suas rivais? Não tinha.

Nem a Maria Elisa? Esteve antes de mim. Ela foi para directora de programas quando comecei a fazer as entrevistas. Não me falava. Como não falava a muita gente.

A Manuela Moura Guedes não lhe fazia sombra? Não. Na altura ela ainda não fazia entrevistas.

Eram amigas? Não.

No seu tempo, tinha um estilo muito próprio a fazer televisão. Acusavam-na até de ser agressiva. Revia-se no estilo de Manuela Moura Guedes no "Jornal de Sexta"? Não, de todo. Uma coisa é ser exigente ou assertiva, outra coisa é ser agressiva. Para mim o "Jornal de Sexta" não era um exercício de jornalismo. Talvez de revanche, acerto de contas, não de jornalismo.

Apesar da sua juventude, aparentava um ar mais velho. Vestia de modo conservador. Era uma defesa? Era assim que tentava disfarçar a minha juventude. Procurava passar uma imagem de pessoa mais velha e tinha um modo de vestir muito conservador.

Nasceu numa família burguesa. Era filha única? Nasci no bairro de São João de Brito. Fui filha e neta única.

Foi muito mimada? (risos) Fui. Mas nunca fui dada ao conforto. Tive uma educação muito conservadora. Vivi pouco a adolescência, estudava e trabalhava ao mesmo tempo. Não tinha tempo para festas, para saídas à noite. Não entrei na RTP com cunha, nem por outras vias, foi por concurso. Aquilo que me propus fazer não era um trabalho de conforto. Era um trabalho com muita exposição, sujeito a muitas críticas, mas dava-me imenso gozo. Também era de grande responsabilidade e sujeitava-me a grande exposição. Também lá fui mimada.

Sentiu-se mimada na RTP? Sim. Nunca fui maltratada. Com excepção feita ao José Eduardo Moniz, actual paladino da liberdade de expressão e mártir da liberdade. Em 1990 despediu-me a mim, à Maria Elisa e à Maria Antónia Palla com o falso argumento, que de resto veio a ser provado em tribunal - todas ganhámos a acção -, de que não podíamos trabalhar na RTP e acumular com outros cargos, não tendo nós nenhum contrato de exclusividade. Eu era directora da "Elle", a Maria Elisa acumulava a direcção da "Marie Claire" e a Maria Antónia Palla era a chefe da redacção da "Máxima". Ele pura e simplesmente determinou o nosso despedimento. Na altura não se punha a questão de sermos despedidas da RTP e irmos para a estação ao lado. Não havia estação ao lado. Tirar-nos da RTP era tirar-nos a hipótese de fazer televisão. Quando ganhei o processo em tribunal não pedi a reintegração na RTP. Trabalhava como advogada num escritório.

Zangou-se com o José Eduardo Moniz? Zanguei. E não voltámos a reatar relações. Hoje, o Moniz devia lembrar-se do que fez, nomeadamente destes episódios que protagonizou.

Alguma vez sofreu pressões políticas? Sempre houve pressões políticas. O problema é saber lidar com elas. Nunca discuti perguntas. Lembro-me de pessoas, que agora são insuspeitas defensoras das liberdades, que no passado fizeram algumas tentativas de influenciar entrevistas. Não me quero armar em puritana, nem heroína, mas uma das melhores coisas que há a fazer nessas circunstâncias é falar sobre as coisas. Na RTP, as pressões faziam-se mais através das hierarquias. Nunca fui uma pessoa muito atreita a pressões. Tinha um feitio muito rebelde. Sempre houve pressões.

Lembra-se de alguma tentativa de pressão que a tenha irritado especialmente? No meu caso, as pressões eram sempre sobre temas a abordar ou a não abordar. Houve um tema que quis trabalhar e que surtiu efeito. Não consegui convidados para o programa.

Que tema era? Não lhe vou dizer. Era um tema social fracturante. A tentativa de pressões é inata ao poder. A todos os poderes. E na RTP muito mais. Não senti essa pressão na SIC. A RTP é um bocado mais mártir.

Como vê as alegadas tentativas do poder político imiscuir-se nos assuntos das redacções? Não fico espantada. Pressões sempre houve, da parte de qualquer governo. Todos os partidos já molharam o pão no molho. Hoje há um novo paradigma na comunicação social. Com a Internet, os blogues, os novos meios de comunicação, tudo é relativo. Tenho dificuldade em compreender que se fale de cerceamento de liberdades no contexto em que nos encontramos.

Como é que olhou para a polémica entre Sócrates e Mário Crespo? Acho que o jornal devia ter publicado a crónica. Quanto ao resto, se fosse fazer um escândalo de cada vez que tive conhecimento que fizeram comentários negativos a meu respeito em locais públicos tinha feito escândalos quase todos os dias.

É a favor do segredo de justiça? Sou. É muito desagradável esta situação em que nos encontramos em que tudo deriva de escutas. A coisa mais horrível que há é a opinião anónima. É o maior atentado à liberdade. Tenho horror às fugas de informação sobre o segredo de justiça, é um mercado fértil de bufos e de agentes que vivem, até, provavelmente, disso. É um mercado que não é são.

A política esteve desde sempre na sua vida. Chegou a ser filiada no PSD. Como é que entrou na política? Sempre se falou imenso de política em minha casa. Passado um mês do PSD ser fundado fui-me inscrever no partido. Francisco Pinto Balsemão foi o meu proponente. Vim a ser fundadora da JSD. A dada altura estavam a escolher-se os candidatos a deputados para Lisboa e eu tive os votos necessários para ser candidata a deputada. A presidente da Comissão Política era a Helena Roseta e ela passou-me a perna, colocando uma amiga à minha frente. Nessa altura estive por um triz para ser deputada. A social-democracia fascinou-me e a figura de Sá Carneiro foi muito importante para mim.

Conheceu-o pessoalmente? Sim. Não lidei com ele muitas vezes, não era uma pessoa particularmente acessível. Mas fascinava-me. Lembro-me de um dia a Maria Elisa o entrevistar. Fui buscá-lo à porta. Ao atravessar o corredor os funcionários chamaram-no fascista e outros nomes. Na RTP fiquei muito colada a ele. Nunca escondi essa opção e isso causou-me dissabores vários.

Foi uma militante activa? Fui. Conciliava isso com o jornalismo. Estamos a falar de anos muito próprios da vida política portuguesa.

Os políticos que entrevistava, nomeadamente Soares ou Cunhal, nunca a acusaram de ser tendenciosa? Toda a gente sabia. Não escondi. Falei com eles sobre isso. Sabiam o desgosto que a morte de Sá Carneiro me tinha provocado e do meu sentido de orfandade.

Quando se deu o acidente de Camarate foi das primeiras jornalistas a chegar ao local. Mas depois pediu para ser substituída. O que aconteceu? Não estava em condições de fazer o trabalho. Foi demasiado forte, um choque emocional demasiado grande. Quando saí dos estúdios do Lumiar tinha a informação de que tinha havia um acidente aéreo e era provável que fosse com o avião onde ia o primeiro-ministro. Quando cheguei e vi o amontoado de corpos e tanta água pedi para ser substituída. Quem chegou foi a Diana Andringa. Foi ela que fez a cobertura. A ela não lhe fazia impressão nenhuma. Eu não era capaz de ser imparcial. Passei a pasta.

Foi com a morte de Sá Carneiro que se afastou do partido? Foi. Mesmo quando Pinto Balsemão liderou o governo não voltei a aproximar-me. E ele foi das pessoas mais marcantes da minha vida. Foi quem me estendeu a mão para voltar à televisão depois de ter sido despedida. Se não fosse por ele não teria voltado a fazer televisão. Entro para a SIC, e é preciso dizer-se, a convite pessoal de Balsemão. Mais recentemente, Rui Rio promoveu a refiliação no partido. Já não o fiz. Já não sentia ímpeto para continuar a ser militante.

Como é que olha para a luta interna dentro do PSD. Qual lhe parece ser o melhor candidato a líder? Penso que Pedro Passos Coelho é o que tem mais hipóteses. É o mais social democrata. O Rangel é muito à direita para o meu gosto. Dos três, talvez Passos Coelho seja o que tenha mais hipóteses de luta contra José Sócrates. Hoje, a sociedade portuguesa está pouca galvanizada e o debate político é muito adjectivo, ao contrário dos anos 80, que era mais substantivo.

Na televisão, quando iniciava um novo programa, Mário Soares era sempre o seu primeiro convidado. Porquê? Dava-lhe sorte? Era um talismã. Dava-me sorte a mim e ao programa. Era a primeira pessoa que convidava. Sempre tive boas audiências. Defendo a tese que a boa informação é um produto com grandes potencialidades em termos de audiências.

Foi muito próxima de Mário Soares. É verdade que chegavam a partilhar o toldo na praia do Vau? Fomos muito próximos. Mas não partilhávamos o toldo. Fomos vizinhos de toldo, durante muitos anos. Gosto muito dele.

Nunca a convidou para o PS. Não. Nunca.

Alguma vez votou nele? Votei das duas vezes que se candidatou e ganhou a presidência.

E na última vez contra Cavaco? Também votei Soares.

Na RTP havia quem dissesse que escolhia os entrevistados que lhe permitiam ter mais visibilidade. É verdade? (risos) Tinha alguma ambição. Tinha os convidados de acordo com a actualidade, não com a minha visibilidade. Acho que entrevistei toda a gente que queria. Menos Sá Carneiro. Nunca o tive sozinho em estúdio.

Sempre fez o que quis na televisão? Diria que sim.

O entretenimento nunca a fascinou? Nunca. E odeio a mistura de informação com o entretenimento. Acho que é uma adulteração da informação. Sou completamente contra.

Outra coisa de que a acusaram na RTP foi que se relacionada afectivamente com as pessoa certas. (risos) É um disparate!

Na SIC tinha muito poder. Era a generala da estação de Carnaxide? Não. Chamavam isso à Moura Guedes na TVI. Não a mim. Nunca tive essa alcunha. Nunca interferi em nenhuma área fora do âmbito restrito do meu programa. Não tinha a mais pequena intervenção, a não ser no espaço editorial do meu programa. Nunca tive, nem nunca quis ter. Também não era suposto ter. Nunca entrei numa reunião que não fosse do meu programa, nem nunca dei opinião em nada que não se relacionasse com o meu programa.

No entanto, para além de ser uma das vedetas da estação de Carnaxide era a mulher de um dos homens mais poderosos da televisão. Eu não era toda-poderosa. Ele sim. Eu só tinha poder no meu espaço, só mandava no meu programa. Rejeito essa expressão.

Quando, mais tarde, deixa a SIC, sai em ruptura com Pinto Balsemão. Foi por solidariedade profissional a Emídio Rangel ou foi um acto de amor? Saí em desacordo com Balsemão. Ele ficou zangado comigo. Havia uma questão de natureza organizacional que estava em causa. A posição do dono da estação prevaleceu. A minha posição e do meu então marido não prevaleceu. Mas o facto de eu estar apaixonada também terá pesado.

Francisco Pinto Balsemão já lhe perdoou? Já tentei reatar relações, mas não fui bem sucedida. Continuo a achar que foi das pessoas mais importantes da minha vida. Deu-me oportunidade de voltar ao jornalismo e à televisão, ao integrar a equipa fundadora da SIC depois de ser despedida da RTP.

Quando saiu da SIC escreveu um artigo muito duro a atacar Nuno Santos. Porque o fez? Nuno Santos estava do outro lado da barricada. Mas já reatei relações com ele e retractei-me relativamente a esse artigo. Ele tinha uma acção em tribunal contra mim por causa desse artigo e retirou-a. Já reatámos as pontas.

Dos muitos programas que fez, ficou na nossa memória o "Cross Fire", com o Miguel Sousa Tavares. Ele regressou agora à televisão. Gostaria de voltar a fazer dupla televisiva com ele? Em primeiro lugar quero desejar-lhe felicidades, foi muito corajoso em voltar para um programa de informação. Como já disse, o bichinho da televisão não morreu. E trabalhar com o Miguel foi sempre muito bom. Éramos amigos, não éramos rivais.

Recentemente, Sousa Tavares disse que se tinha afastado de si, porque a Margarida se tinha metido com companhias pouco recomendáveis. Continuam amigos? Reatámos as relações.

Aos 26 anos casou com Henrique Granadeiro, actual chairman da Portugal Telecom. Nessa altura acreditava que ele poderia chegar onde chegou? Sim. É um homem superiormente inteligente. Quando casei com ele era administrador executivo da Fundação Eugénio de Almeida. Sempre acreditei que tivesse uma carreira fulgurante. É uma pessoa determinada, obstinada e inteligente.

Têm três filhos em conjunto. Que idade têm? Têm 22, 20 e 16. O mais velho e a mais nova vivem comigo. A do meio vive com o pai.

Aonde é que conheceu Henrique Granadeiro? Fiz um programa na RTP sobre agricultura e convidei-o. Fiquei superapaixonada por ele. Penso que ele também. Começámos a telefonar-nos. E foi assim que avançou.

Quando o conheceu ele tinha fama de mulherengo. Ouvi dizer que sim. Vivemos uma grande paixão e dois anos depois de nos conhecermos casámo-nos.

Como conciliou a vinda intensa da televisão com a educação de três filhos? Fazia as entrevistas com uma grande barriga e tinha muitos apoios. A minha mãe também ajudava muito.

É verdade que quando estava a separar-se de Henrique Granadeiro, Álvaro Cunhal a aconselhou a não o fazer? Quando estava em fase de separação do Henrique, fui moderar um debate à Universidade de Évora em que estava Álvaro Cunhal. Depois do debate fomos jantar e ele, sem nunca dizer explicitamente, quis-me aconselhar a não me separar do Henrique. Não o disse directamente, mas pude chegar a essa conclusão.

Voltou a casar, desta vez com Emídio Rangel. A criação da SIC mudou a vida de muita gente e a minha também. A SIC foi galvanizadora. Ver nascer uma estação de televisão é uma experiência galvanizadora e a SIC foi um projecto que nos empolgou imenso e que mudou a vida de toda agente que lá trabalhava. Foi uma experiência única. Embora tenha muitas recordações da RTP, porque foi a casa onde me fiz, e tenha gostado de estar na advocacia, a experiência da SIC foi única. Estive lá nove anos.

O fim da relação com Emídio Rangel marcou o início de uma fase muito dura da sua vida. Como já disse, na vida há bons e maus encontros. Com o Rangel foi um encontro menos bom.

Teve depois uma relação turbulenta com Farinha Simões. Chegou a ser violentada por ele. A questão está resolvida em tribunal, ele está preso. Há encontros que deixam saudades e há outros que não deixam saudades nenhumas. Sobre isso já falei publicamente o que achava que devia falar. Como figura pública achei que devia alertar a sociedade para os crimes de que as mulheres são vítimas. Agora, para minha tranquilidade e para tranquilidade dos meus filhos, não queria debruçar-me mais sobre o assunto. Prefiro seguir em frente do que olhar para trás.

Nesse período mais difícil sentiu que muitos dos seus amigos se afastaram de si? Isso é dos livros. Vem nos clássicos da literatura. Nos momentos maus há sempre pessoas que se afastam. Mas há outras que permanecem e são esses que dividem as águas.

Ainda tem muitos amigos dos seus tempos áureos na televisão? Tenho alguns, sim. Alguns deles trabalharam directamente comigo na SIC.

Como é que os seus filhos lidaram com essa fase difícil por que passou? O melhor que posso fazer é não lhes lembrar essa fase. Por isso é que peço escusa de falar muito dela.

Sempre foi uma mulher bonita. Durante esse período conturbado descurou o seu visual. Engordou muito. Como lidou com a sua imagem? Lidei mal. Não gostava de me ver com peso a mais. Passei por uma fase difícil. Tomei medicação que também não ajudou.

É verdade que foi para Espanha fazer uma cura de desintoxicação? Fui tratar-me. Estava com uma grande depressão.

Foi para uma clínica da Opus Dei, em Navarra. Quem lha sugeriu? Foi uma sugestão do Henrique. Mas recebe qualquer pessoa. É uma excelente clínica. Fiz um check up completo. Tem, por exemplo, uma unidade oncológica muito boa.

É da Opus Dei? Não. Sou católica, mas não praticante.

Nessa fase difícil, a Margarida expõe-se muito, a sua vida privada aparecia com frequência nas revistas cor-de-rosa. Nunca tinha estado. Sempre fui muito reservada. Nessa altura senti necessidade de tornar público o meu sofrimento. Hoje, olhando para trás, acho tudo de mais, mas na altura foi o que me pareceu certo fazer...

Diz que não é uma pessoa de meias medidas. Ou está nas coisas ou não está... Não sou medrosa, não tenho medo do confronto. Sempre me meti nas coisas por inteiro, por paixão. Se não tivesse sido assim também não teria feito metade do que fiz. Quanto aos meus estados de alma e aos seus controlos devo dizer que a idade nos vai moldando e polindo as arestas. Não tenho os mesmos impulsos que tinha aos 20 anos. Hoje sou mais contida. Faço, apaixono-me pelas coisas e só apaixonada é que vibro com elas. Não gosto de meios-termos. Não gosto de estar com um pé numa margem e outro noutra. Quando estou, estou de corpo inteiro. O arrebatamento é que vai sendo diferente.

Quais foram as pessoas mais marcantes da sua vida? João Morais Leitão, que foi meu patrono, Luís Sáragga Leal, que me deu a oportunidade de poder ser de facto advogada, trabalhei no escritório dele. O Daniel Proença de Carvalho, que me permitiu fazer o que fiz e ter a carreira que tive, e Francisco Pinto Balsemão, que me deu a hipótese de ter voltado ao jornalismo televisivo e de ser fundadora da SIC. O meu pai foi também muito importante na minha vida, assim como o Henrique, porque é o pais dos meus filhos e um amigo.

Mantém uma boa relação? Mantemos uma excelente relação.

Que planos tem para o futuro? Tenho muitos planos. Mas não passam pelo jornalismo.

Não pensa escrever a sua história? Não a escrevi até agora, e também não o irei fazer. Hoje em dia toda a gente escreve livros a propósito de tudo e de nada. Tenho muito respeito pelos verdadeiros escritores.

Publicado na Revista Única do Expresso de 27 de Março de 2010

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