MILHAFRE: O BLOGUE DO MIL, O FÓRUM DA LUSOFONIA: Manuel da Costa Freitas, padre e professor

22-01-2012
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Não recordo ao certo os factos (ou estou a usar um recurso literário, do património retórico), e vivamente a substância moral desta pequena parábola, que me foi relatada pelo padre Costa Freitas, em tom jovial de inconfidência. Algures no interior do país, a Norte, o jovem monge é convocado para o sacramento da extrema unção. Algo não muito comum, mas o pobre enfermo tinha funda fé franciscana e não queria ir desta para a melhor sem um discípulo de São Francisco à beira do leito mortal.O pároco é que não apreciou a singularidade, e recebeu de um modo carrancudo o jovem Manuel, que vinha assim imiscuir-se no seu monopólio de despachar almas para o Senhor, e que bem que o pároco de aldeia o fazia, a famílias inteiras. Manuel era já um rapaz estudioso, entregue à meditação e ao saber, e confrontava-se agora com a brutalidade da morte, e com a esperança sem fim dos que caminham por esse vale negro amparados no bordão da fé. Acercou-se do pobre homem e recordou-se da substância teológica do sacramento, enquanto os seus lábios o proferiam em Latim; não se tratava de uma espécie de despacho para o cemitério, porém do dever da Igreja em tratar dos enfermos, em interceder por eles junto de Deus, em combater o sofrimento e o mal no mundo, o dever da Igreja de irmanar-se espiritualmente com aqueles que do profundo clamam, enfim, de ungi-los, porque se mesmo no centro da vida está a morte dentro de nós, no centro dessa morte um sacerdote é a vida.O jovem monge lembrava-se de, já no retorno, e na companhia do pároco, lhe terem saído ainda algumas palavras em Latim nada erudito. «Pecadilhos da juventude, que, decerto, Deus me há-de perdoar.» – e depois sorria, com aquele ar de menino travesso, que lhe denunciava não menos a bondade que o apego ao mundo, aos simples, ao sabor do pão de aldeia e à justiça.Bem hajas, mestre, por tudo o que soubeste ensinar-me, pela tua infinita paciência e por um dia me teres dito, «O Diabo não é menos amado por Deus, não há treva que o amor não ilumine.». Descansa em paz.


Não recordo ao certo os factos (ou estou a usar um recurso literário, do património retórico), e vivamente a substância moral desta pequena parábola, que me foi relatada pelo padre Costa Freitas, em tom jovial de inconfidência. Algures no interior do país, a Norte, o jovem monge é convocado para o sacramento da extrema unção. Algo não muito comum, mas o pobre enfermo tinha funda fé franciscana e não queria ir desta para a melhor sem um discípulo de São Francisco à beira do leito mortal.O pároco é que não apreciou a singularidade, e recebeu de um modo carrancudo o jovem Manuel, que vinha assim imiscuir-se no seu monopólio de despachar almas para o Senhor, e que bem que o pároco de aldeia o fazia, a famílias inteiras. Manuel era já um rapaz estudioso, entregue à meditação e ao saber, e confrontava-se agora com a brutalidade da morte, e com a esperança sem fim dos que caminham por esse vale negro amparados no bordão da fé. Acercou-se do pobre homem e recordou-se da substância teológica do sacramento, enquanto os seus lábios o proferiam em Latim; não se tratava de uma espécie de despacho para o cemitério, porém do dever da Igreja em tratar dos enfermos, em interceder por eles junto de Deus, em combater o sofrimento e o mal no mundo, o dever da Igreja de irmanar-se espiritualmente com aqueles que do profundo clamam, enfim, de ungi-los, porque se mesmo no centro da vida está a morte dentro de nós, no centro dessa morte um sacerdote é a vida.O jovem monge lembrava-se de, já no retorno, e na companhia do pároco, lhe terem saído ainda algumas palavras em Latim nada erudito. «Pecadilhos da juventude, que, decerto, Deus me há-de perdoar.» – e depois sorria, com aquele ar de menino travesso, que lhe denunciava não menos a bondade que o apego ao mundo, aos simples, ao sabor do pão de aldeia e à justiça.Bem hajas, mestre, por tudo o que soubeste ensinar-me, pela tua infinita paciência e por um dia me teres dito, «O Diabo não é menos amado por Deus, não há treva que o amor não ilumine.». Descansa em paz.

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