Presidente de uns quantos portugueses

11-10-2015
marcar artigo

Não se sabe ao certo quantos cavaquistas há nos 2.2 milhões de votos de Cavaco Silva. Mas sabemos que 6.2 milhões de potenciais eleitores não queriam ou estão-se nas tintas para este presidente.

Na rádio, ainda agora, disseram que Cavaco Silva teve a mesma percentagem que a abstenção. É uma síntese que soa bem ao ouvido, mas está errada. A abstenção obteve maioria absoluta no universo dos potenciais eleitores. Cavaco teve a mesma percentagem, mas apenas entre os eleitores que efectivamente votaram. Por outras palavras, apenas um em cada quatro portugueses votou em Cavaco Silva. Saber quantos destes votaram no presidente reconduzido com entusiasmo é um exercício difícil, mas na tertúlia de ontem dizia-se que "já não há cavaquistas". O que há, sobretudo, é gente que não se revê em Cavaco: mais de cinco milhões de abstencionistas e mais de um milhão de votos de protesto (os votos em Nobre e Coelho, os candidatos anti-sistema, os votos em branco e os nulos), o que dá a soma de 6 202 636 eleitores, incluindo os mortos-vivos dos cadernos eleitorais, que provavelmente não perdem sono com esta apropriação do seu sentido de voto.

Este é o presidente que durante a campanha foi incapaz de esclarecer algumas dúvidas absolutamente legítimas sobre a sua conduta enquanto cidadão e político, episódio logo ontem por ele branqueado, quando falou de uma misteriosa vitória da verdade sobre a calúnia. Um presidente que queria ganhar à primeira volta para acalmar os mercados. Um presidente que veta em plena campanha um diploma decente que simplifica a mudança de sexo e nome, só para recuperar o eleitorado conservador que o criticou pela aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Um presidente que, a horas do fecho da campanha, cirurgicamente, lança a ideia de aumentar os impostos aos mais ricos, como quem olha de lado e pisca o olho a uns ("vocês sabem que isto é para esquecer") e sorri de frente para o povo.

Cavaco Silva não inspira e essa persistente incapacidade transformou-se numa virtude. Um discurso e uma acção sem rasgos de forma ou conteúdo passaram a "garante de estabilidade". A "previsibilidade" de Cavaco Silva é hoje o seu principal capital político. Mas ele só ganhou ontem por não ter tido nenhum opositor forte. Ganhou por falta de comparência.

Cavaco sairá de cena daqui a uns anos, mas o mais certo é não se resolver nada de substancial. Em 2016, provavelmente comparecerão Durão Barroso, armado com seu prestígio internacional, ou Marcelo Rebelo de Sousa, armado com o seu share, e António Guterres, armado com a sua bondade institucional e imensa vontade de voltar a dialogar com os portugueses. Entretanto, o meio milhão de votos de Nobre terá desaparecido ainda mais depressa do que o famoso milhão de Alegre. Para mim, fica apenas a vaga esperança de que um candidato da sociedade civil, mais esclarecido do que Nobre, talvez conseguisse chegar à presidência (o Henrique tem a mesma opinião e até sugere um nome: António Barreto). Há aqui um catch 22. Apesar dos sinais de descontentamento, jamais o messias da sociedade civil chegará à presidência sem o apoio dos partidos. Por isso, tão ou mais importante do que a vitória de Nobre foi a derrota estrondosa de Alegre; aprendemos com a coligação contranatura entre o BE e o PS que os partidos de esquerda ainda precisam mais do candidato sem militância partidária do que o país. A táctica para 2016 está dada. Primeira regra: não apelar a tiros na cabeça. Segunda regra: não apoiar oficialmente o elemento da sociedade civil na primeira volta, para que na segunda volta ele consiga federar naturalmente os partidos de esquerda e vencer.

Não se sabe ao certo quantos cavaquistas há nos 2.2 milhões de votos de Cavaco Silva. Mas sabemos que 6.2 milhões de potenciais eleitores não queriam ou estão-se nas tintas para este presidente.

Na rádio, ainda agora, disseram que Cavaco Silva teve a mesma percentagem que a abstenção. É uma síntese que soa bem ao ouvido, mas está errada. A abstenção obteve maioria absoluta no universo dos potenciais eleitores. Cavaco teve a mesma percentagem, mas apenas entre os eleitores que efectivamente votaram. Por outras palavras, apenas um em cada quatro portugueses votou em Cavaco Silva. Saber quantos destes votaram no presidente reconduzido com entusiasmo é um exercício difícil, mas na tertúlia de ontem dizia-se que "já não há cavaquistas". O que há, sobretudo, é gente que não se revê em Cavaco: mais de cinco milhões de abstencionistas e mais de um milhão de votos de protesto (os votos em Nobre e Coelho, os candidatos anti-sistema, os votos em branco e os nulos), o que dá a soma de 6 202 636 eleitores, incluindo os mortos-vivos dos cadernos eleitorais, que provavelmente não perdem sono com esta apropriação do seu sentido de voto.

Este é o presidente que durante a campanha foi incapaz de esclarecer algumas dúvidas absolutamente legítimas sobre a sua conduta enquanto cidadão e político, episódio logo ontem por ele branqueado, quando falou de uma misteriosa vitória da verdade sobre a calúnia. Um presidente que queria ganhar à primeira volta para acalmar os mercados. Um presidente que veta em plena campanha um diploma decente que simplifica a mudança de sexo e nome, só para recuperar o eleitorado conservador que o criticou pela aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Um presidente que, a horas do fecho da campanha, cirurgicamente, lança a ideia de aumentar os impostos aos mais ricos, como quem olha de lado e pisca o olho a uns ("vocês sabem que isto é para esquecer") e sorri de frente para o povo.

Cavaco Silva não inspira e essa persistente incapacidade transformou-se numa virtude. Um discurso e uma acção sem rasgos de forma ou conteúdo passaram a "garante de estabilidade". A "previsibilidade" de Cavaco Silva é hoje o seu principal capital político. Mas ele só ganhou ontem por não ter tido nenhum opositor forte. Ganhou por falta de comparência.

Cavaco sairá de cena daqui a uns anos, mas o mais certo é não se resolver nada de substancial. Em 2016, provavelmente comparecerão Durão Barroso, armado com seu prestígio internacional, ou Marcelo Rebelo de Sousa, armado com o seu share, e António Guterres, armado com a sua bondade institucional e imensa vontade de voltar a dialogar com os portugueses. Entretanto, o meio milhão de votos de Nobre terá desaparecido ainda mais depressa do que o famoso milhão de Alegre. Para mim, fica apenas a vaga esperança de que um candidato da sociedade civil, mais esclarecido do que Nobre, talvez conseguisse chegar à presidência (o Henrique tem a mesma opinião e até sugere um nome: António Barreto). Há aqui um catch 22. Apesar dos sinais de descontentamento, jamais o messias da sociedade civil chegará à presidência sem o apoio dos partidos. Por isso, tão ou mais importante do que a vitória de Nobre foi a derrota estrondosa de Alegre; aprendemos com a coligação contranatura entre o BE e o PS que os partidos de esquerda ainda precisam mais do candidato sem militância partidária do que o país. A táctica para 2016 está dada. Primeira regra: não apelar a tiros na cabeça. Segunda regra: não apoiar oficialmente o elemento da sociedade civil na primeira volta, para que na segunda volta ele consiga federar naturalmente os partidos de esquerda e vencer.

marcar artigo