Que Treta!: Protestar, militar ou liderar.

07-05-2020
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Agora que a Alemanha escolheu quem governa e nós os representantes das províncias portuguesas, já há mais calma para comentar as sugestões do Gonçalo Valverde acerca dos meus protestos contra o estado da nossa política, que nos obriga a escolher o menos mau por não haver nada de bom:

«Vivemos num sistema democrático (mais ou menos) e se o Ludwig não gosta das escolhas que lhe são propostas tem duas alternativas:
1- Aderir a um partido em que se reveja e trabalhar no seio do mesmo para o mudar
2- Juntar-se a outros descontentes com o sistema actual, recolher cinco mil assinaturas e fundar um novo partido que apresente propostas novas.
Claro que quer uma ou outra das opções dão muito mais trabalho que o típico lamentar, mas garanto-lhe que a postura "consumista" dos partidos como se fossem champôos ou qualquer outro produto de consumo é que não vai mudar a situação.
[…] Essa é a posição mais confortavel e a posição mais facilitista, lamento dizer-lhe. Num pais onde toda a gente tem opinião sobre tudo, infelizmente são poucos os que gostam de arregaçar as mangas e trabalhar para uma efectiva mudança. Como se costuma dizer, "talk is cheap"...»(1)

Admito que protestar é mais confortável. Mas não aceito que fazer as coisas da maneira mais fácil seja, só por si, um defeito. Se posso levar as compras para casa carregando os sacos nas mãos não vejo porque os deva levar pendurados dos dentes só para ser mais difícil. Por isso começo por apontar que o conforto e a facilidade são factores a considerar na coluna dos prós. É claro que podem implicar contras se conduzirem a uma alternativa menos eficaz. Mas não neste caso.

Não sou professor por coincidência. Gosto de explicar e ser claro e gosto que me entendam. Este é um vício terrível para um político, nos dias que correm, pela necessidade de ser claro apenas naquilo que a audiência concorde. E sei por experiência que não tenho capacidade para mover massas nem para pôr uma data de gente de braço no ar a gritar a sigla que eu escolha. Por isso a segunda sugestão do Gonçalo é, para mim, uma perda de tempo. Um esforço enorme para um impacto ainda menor que escrever um blog, por pouco efeito que isto tenha.

E a primeira opção junta à incapacidade de liderança política a dificuldade de escolher um partido no qual militar. Já me é difícil escolher onde marcar uma cruzinha – afinal, queixo-me precisamente não haver partidos bons, só maus e piores – não vejo como me posso tornar militante de um. E não era boa ideia. Militante ou não, o meu voto só conta por um. A minha influência no partido ia depender da tal lábia política que me falta. E ia comprometer a minha credibilidade sempre que falasse de política a quem interessa: os eleitores não militantes, aqueles que ainda estão a decidir.

Mas a razão principal para rejeitar estas sugestões do Gonçalo é que não são soluções. São parte do problema. Porque o problema é o mercado da democracia ser dominado pela oferta. Quando vamos a votos é que vemos o que há disponível e muitos vão pela marca a que se habituaram. Compramos o que nos impingem. Criar um novo produto ou tentar vender um velho numa embalagem mais atraente apenas perpetua o problema. O que é preciso é que a procura domine a oferta. É que as propostas dos partidos sejam moldadas pelas exigências dos eleitores. E para isso é preciso um eleitorado exigente, informado, que diga o que quer e que vote por isso.

O resultado destas eleições sugere que estamos no bom caminho. Muita gente mudou o seu voto e pelo menos um partido grande vai ter de repensar o que oferecer aos eleitores daqui a quatro anos. Mas ainda há muito clubismo, muita inércia, muita abstenção e muita gente a votar reagindo ao que ouve sem pensar primeiro no que quer. E isso não pode ser corrigido com mais partidos ou mais militância. Só com mais informação e mais discussão. Só assumindo cada eleitor a responsabilidade que, neste momento, soluções como as do Gonçalo delegam nos lideres partidários ou nos militantes.

1- Comentários a Treta da semana: diz que é proibido despedir.


Agora que a Alemanha escolheu quem governa e nós os representantes das províncias portuguesas, já há mais calma para comentar as sugestões do Gonçalo Valverde acerca dos meus protestos contra o estado da nossa política, que nos obriga a escolher o menos mau por não haver nada de bom:

«Vivemos num sistema democrático (mais ou menos) e se o Ludwig não gosta das escolhas que lhe são propostas tem duas alternativas:
1- Aderir a um partido em que se reveja e trabalhar no seio do mesmo para o mudar
2- Juntar-se a outros descontentes com o sistema actual, recolher cinco mil assinaturas e fundar um novo partido que apresente propostas novas.
Claro que quer uma ou outra das opções dão muito mais trabalho que o típico lamentar, mas garanto-lhe que a postura "consumista" dos partidos como se fossem champôos ou qualquer outro produto de consumo é que não vai mudar a situação.
[…] Essa é a posição mais confortavel e a posição mais facilitista, lamento dizer-lhe. Num pais onde toda a gente tem opinião sobre tudo, infelizmente são poucos os que gostam de arregaçar as mangas e trabalhar para uma efectiva mudança. Como se costuma dizer, "talk is cheap"...»(1)

Admito que protestar é mais confortável. Mas não aceito que fazer as coisas da maneira mais fácil seja, só por si, um defeito. Se posso levar as compras para casa carregando os sacos nas mãos não vejo porque os deva levar pendurados dos dentes só para ser mais difícil. Por isso começo por apontar que o conforto e a facilidade são factores a considerar na coluna dos prós. É claro que podem implicar contras se conduzirem a uma alternativa menos eficaz. Mas não neste caso.

Não sou professor por coincidência. Gosto de explicar e ser claro e gosto que me entendam. Este é um vício terrível para um político, nos dias que correm, pela necessidade de ser claro apenas naquilo que a audiência concorde. E sei por experiência que não tenho capacidade para mover massas nem para pôr uma data de gente de braço no ar a gritar a sigla que eu escolha. Por isso a segunda sugestão do Gonçalo é, para mim, uma perda de tempo. Um esforço enorme para um impacto ainda menor que escrever um blog, por pouco efeito que isto tenha.

E a primeira opção junta à incapacidade de liderança política a dificuldade de escolher um partido no qual militar. Já me é difícil escolher onde marcar uma cruzinha – afinal, queixo-me precisamente não haver partidos bons, só maus e piores – não vejo como me posso tornar militante de um. E não era boa ideia. Militante ou não, o meu voto só conta por um. A minha influência no partido ia depender da tal lábia política que me falta. E ia comprometer a minha credibilidade sempre que falasse de política a quem interessa: os eleitores não militantes, aqueles que ainda estão a decidir.

Mas a razão principal para rejeitar estas sugestões do Gonçalo é que não são soluções. São parte do problema. Porque o problema é o mercado da democracia ser dominado pela oferta. Quando vamos a votos é que vemos o que há disponível e muitos vão pela marca a que se habituaram. Compramos o que nos impingem. Criar um novo produto ou tentar vender um velho numa embalagem mais atraente apenas perpetua o problema. O que é preciso é que a procura domine a oferta. É que as propostas dos partidos sejam moldadas pelas exigências dos eleitores. E para isso é preciso um eleitorado exigente, informado, que diga o que quer e que vote por isso.

O resultado destas eleições sugere que estamos no bom caminho. Muita gente mudou o seu voto e pelo menos um partido grande vai ter de repensar o que oferecer aos eleitores daqui a quatro anos. Mas ainda há muito clubismo, muita inércia, muita abstenção e muita gente a votar reagindo ao que ouve sem pensar primeiro no que quer. E isso não pode ser corrigido com mais partidos ou mais militância. Só com mais informação e mais discussão. Só assumindo cada eleitor a responsabilidade que, neste momento, soluções como as do Gonçalo delegam nos lideres partidários ou nos militantes.

1- Comentários a Treta da semana: diz que é proibido despedir.

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