Nesta hora: Viriato Soromenho-Marques: uma autobiografia que reconhece os amigos e assenta na reflexão

02-07-2011
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Desde há uns anos, o JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias – tem dedicado a sua última página a um género literário específico: o autobiográfico, convidando personalidades de diversas áreas à partilha com os leitores das suas “autobiografias”. Esta, como muitas outras razões, pode ser uma boa causa para o exercício da escrita autobiográfica. Na edição desta quinzena (nº 985, 2.Julho.2008, pg. 44), o mergulho na narrativa do eu dá-se pela pena do setubalense Viriato Soromenho-Marques, que a inicia da seguinte forma: “Aos 50 anos já é possível fazer essa narrativa, sempre parcial e omissa de rigor, que se traduz numa meditação autobiográfica. Trata-se de contar como a nossa vida tocou e foi tocada por outras vidas.”Assim explicado o género (porque de uma explicação ou justificação se trata), Soromenho-Marques cumpre escrupulosamente as consequências do arrazoado, povoando o seu registo com uma dose qb de reflexão e com uma maior dose de inscrição dos amigos. Partindo da raiz, não apenas geográfica, mas sobretudo familiar, para cada uma das seis partes que desenvolvem o texto, há pistas de reflexão e de crenças, há notações de experiências e de percursos e há os amigos que a propósito dessas áreas entraram no caminho.Que reflexões? Sobre “Mar e montanha”: “A minha relação com o mar foi sempre directa, sem a mediação de barcos, pranchas ou fatos de mergulho”. Sobre “Livros”: “De certo modo os livros têm sido para mim uma prática de orientação. Cristalização de ordem, num fluxo erosivo e em constante mudança. Marcos miliários assinalando rumos e estados do mundo.” Sobre “Guerra e paz”: em 1983 (estava Soromenho-Marques na Alemanha), “a guerra nuclear surgia como o típico risco ontológico da nossa era. (…) Vencer a guerra-fria permitiria, assim o julgava, ganharmos tempo para combater outro risco ontológico, o da crise global do ambiente.” Sobre “Estudar”: “Talvez a paixão maior. Dentro e fora do espaço Escola. A aprendizagem é o diálogo organizado e disciplinado.” Sobre “Grandeza”: “Não concebo um mundo habitável sem grandeza. Ela é o equivalente ético do sublime natural. É um bem escasso, numa era de mercado em que tudo se troca.”Mas este registo autobiográfico de Soromenho-Marques não se fica pelo passado, como frequentemente acontece neste género de escrita. Numa curta última parte, intitulada “Futuro”, há uma mensagem que não é apenas para os outros, mas é sobretudo uma convicção própria: “O futuro antes estava garantido, hoje temos de lutar por ele. Pelo presente dos nossos filhos. A morte de cada um só é definitiva se toda a memória for abolida. A nossa civilização corre para um colapso, que, contudo, ainda pode ser evitado. Teremos a coragem de encontrar no serviço do futuro um critério de valor para as nossas vidas?”Um texto que vai falando da relação do eu com os outros e com o mundo termina a falar de um “nós”, em que, por razões de consciência cívica, o eu se insere porque o futuro e o seu desafio são colectivos.


Desde há uns anos, o JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias – tem dedicado a sua última página a um género literário específico: o autobiográfico, convidando personalidades de diversas áreas à partilha com os leitores das suas “autobiografias”. Esta, como muitas outras razões, pode ser uma boa causa para o exercício da escrita autobiográfica. Na edição desta quinzena (nº 985, 2.Julho.2008, pg. 44), o mergulho na narrativa do eu dá-se pela pena do setubalense Viriato Soromenho-Marques, que a inicia da seguinte forma: “Aos 50 anos já é possível fazer essa narrativa, sempre parcial e omissa de rigor, que se traduz numa meditação autobiográfica. Trata-se de contar como a nossa vida tocou e foi tocada por outras vidas.”Assim explicado o género (porque de uma explicação ou justificação se trata), Soromenho-Marques cumpre escrupulosamente as consequências do arrazoado, povoando o seu registo com uma dose qb de reflexão e com uma maior dose de inscrição dos amigos. Partindo da raiz, não apenas geográfica, mas sobretudo familiar, para cada uma das seis partes que desenvolvem o texto, há pistas de reflexão e de crenças, há notações de experiências e de percursos e há os amigos que a propósito dessas áreas entraram no caminho.Que reflexões? Sobre “Mar e montanha”: “A minha relação com o mar foi sempre directa, sem a mediação de barcos, pranchas ou fatos de mergulho”. Sobre “Livros”: “De certo modo os livros têm sido para mim uma prática de orientação. Cristalização de ordem, num fluxo erosivo e em constante mudança. Marcos miliários assinalando rumos e estados do mundo.” Sobre “Guerra e paz”: em 1983 (estava Soromenho-Marques na Alemanha), “a guerra nuclear surgia como o típico risco ontológico da nossa era. (…) Vencer a guerra-fria permitiria, assim o julgava, ganharmos tempo para combater outro risco ontológico, o da crise global do ambiente.” Sobre “Estudar”: “Talvez a paixão maior. Dentro e fora do espaço Escola. A aprendizagem é o diálogo organizado e disciplinado.” Sobre “Grandeza”: “Não concebo um mundo habitável sem grandeza. Ela é o equivalente ético do sublime natural. É um bem escasso, numa era de mercado em que tudo se troca.”Mas este registo autobiográfico de Soromenho-Marques não se fica pelo passado, como frequentemente acontece neste género de escrita. Numa curta última parte, intitulada “Futuro”, há uma mensagem que não é apenas para os outros, mas é sobretudo uma convicção própria: “O futuro antes estava garantido, hoje temos de lutar por ele. Pelo presente dos nossos filhos. A morte de cada um só é definitiva se toda a memória for abolida. A nossa civilização corre para um colapso, que, contudo, ainda pode ser evitado. Teremos a coragem de encontrar no serviço do futuro um critério de valor para as nossas vidas?”Um texto que vai falando da relação do eu com os outros e com o mundo termina a falar de um “nós”, em que, por razões de consciência cívica, o eu se insere porque o futuro e o seu desafio são colectivos.

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