Porque não Podemos Syrizar

08-10-2015
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Há várias razões que explicam o não surgimento de um movimento tipo Syriza em Portugal, mas há três que se destacam: a esquerda tem mais egos do que causas; os partidos da coligação assumem o papel de anti-sistema; a rede social de apoio impede a miséria.

Muitos por essa Europa fora se questionam sobre o porquê de, em Portugal, um país sob forte efeito da austeridade, não emergirem movimentos ou partidos com os meios efeitos e defeitos dos gregos do Syrisa, ou dos espanhóis do Podemos ou Ciudadanos. Ainda este fim-de-semana o "Público" publicou um interessante trabalho sobre este fenómeno, assinado pelos jornalistas Paulo Pena e Maria João Lopes.

Por diversas vezes refleti sobre as razões desta nossa particular realidade e encontrei sempre diferentes justificações que, todas somadas, ajudavam a explicar o facto, de em Portugal, estes movimentos não terem obtido o mesmo sucesso.

Esquerda tem mais egos que causas

Em primeiro lugar, o único movimento apartidário, de livre iniciativa cidadã, apesar da presença de membros de muitos partidos, espontâneo na génese e livre das amarras de qualquer ditame ou direção partidária foi o da Geração à Rasca. O resto são "truques", formatos úteis para responder a apetites políticos, dissidências de partidos ou revoltas de Facebook. Sobretudo à esquerda, a dificuldade de estabilizar um movimento de protesto é notória e revela a existência de alguns profissionais em criar, matar, fundir, renomear, movimentos políticos e de cidadãos. Alguns assemelham-se mesmo a mercenários ao serviço do seu ego e não de uma causa comum. Alguns, uma minoria, são nobres idealistas que não se cansam de lutar - o que respeito e admiro.

Rede social portuguesa voltou a funcionar

A segunda diferença, face a outros países e em particular face à Grécia, é a nossa rede social e o nível de desespero a que as pessoas chegaram noutros países. Em Portugal o desemprego nunca atingiu os 20%, muitas pessoas não se resignaram nem cruzaram os braços e decidiram emigrar encontrando trabalho. Os desempregados não deixaram de ter acesso ao Serviço Nacional de Saúde ou a subsídios sociais como ocorreu na Grécia. Aliás, um dos principais elementos da vitória do Syriza foi, precisamente, a forma hábil como se substituiu à ausência do Estado na resposta às necessidades sociais. Em várias cidades gregas os elementos do Syriza montaram verdadeiros bancos alimentares e cantinas sociais, tal como mini-hospitais de campanha, que foram dando resposta aos mais carenciados. Este fator aumentou muito a adesão ao Syriza e o respeito pelo seu discurso. Onde o Estado faltava, o Syriza resolvia. Em Portugal isto seria impossível.

A terceira diferença, por inerência da anterior, é a qualidade da nossa rede social público-privada. Através da economia social, financiada pelo Estado e/ou pela iniciativa privada, em grande parte constituída por IPSS's e Misericórdias, sem esquecer a Igreja Católica, a entre-ajuda chegou a muitos, atenuando o desespero do desemprego, impedindo a fome e a miséria. Este facto foi fundamental e não será alheio o detalhe de, em 2013, o Governo ter assinado no mesmo dia um Acordo de Concertação Social entre patrões e sindicatos, mas também um acordo com o nosso setor social.

PSD e CDS são anti-sistema, contra o status quo

O referido artigo do Público, que tive oportunidade de comentar, traz uma novidade: ao contrário da Grécia e de Espanha, em que a oposição que nasceu além dos partidos assumiu o combate ao status quo, ao sistema instalado, em Portugal foi a própria coligação PSD/CDS a protagonizar esse confronto do modelo antigo da Constituição e a serem os partidos mais anti-sistema. Por cá, após anos de "atraso" face à modernização do sistema político, são precisamente os partidos mais radicais, a que se soma o PS, que lutam por mais do mesmo.

Sempre que a oposição, com o PS à cabeça, fala em mais investimento público as pessoas lembram-se das SCUT, das PPP milionárias e dos aeroportos sem aviões. Sempre que a oposição fala em controlo das empresas públicas e privadas as pessoas recordam-se do PREC e da promiscuidade de décadas de intervenção política nas empresas portuguesas - BPN, BCP, PT, ou empresas de transportes, apenas para citar alguns exemplos.

Outra enorme diferença, e que para mim também é fundamental, é o referencial de estabilidade que temos no nosso Primeiro-Ministro e a diferença face às restantes alternativas em Portugal. Ao contrário da Grécia, conseguimos expulsar a Troika, evitar a espiral recessiva, evitar o segundo resgate e cumprir o memorando a que o PS se comprometeu.

PS ocupou o espaço do Bloco de Esquerda

Enquanto alguns acreditam que o fator PCP agrega o desapontamento, na minha opinião, esse fator depende muito do posicionamento actual do PS, que optou por ocupar a posição de Bloco de Esquerda. Ou seja, o PS está a perder apoio no centro e a recuperar na extrema esquerda, onde se confunde muitas vezes com as posições do BE ou do PCP. A embrulhada embaraçante que foi a colagem forçada do PS à vitória do Syriza impressionou muitos militantes mais moderados do Partido Socialista.

Ao contrário do que defende o Professor João Serra neste trabalho do Público, digo que o descontentamento das pessoas não se revelará na abstenção - já se revela há anos. O descontentamento das pessoas que continuam a ir votar revela-se, sim, nos votos em branco e nas transferências para as novas mas efémeras soluções, como a que encabeça Marinho Pinto que roubou votos ao PS e ao PSD nas Europeias. Estes novos movimentos apenas têm sucesso porque os partidos tradicionais não sabem dar a resposta que as pessoas procuram, resultam do falhanço dos partidos e da sua não regeneração.

Acredito que, hoje, as pessoas já não sentem a alegria de querer pertencer um partido, tal como acontecia no pós 25 de Abril. Hoje filiação partidária "dá" cadastro não currículo, aos olhos de muitos portugueses. Não tenho dúvidas que hoje as pessoas estejam menos disponíveis para se filiar, para terem uma relação mais estável e duradoura com um partido, mas estarão talvez mais interessadas em aderir a esta ou aquela causa. No futuro, as pessoas estarão ao lado do partido "A" na causa "x" e ou contra o Partido "B" apenas na causa "y". É esta a liberdade que as pessoas procuram. Não é a queda das ideologias mas a ascensão do pragmatismo. Não é o fim da militância mas é a agilidade da mesma.

Há várias razões que explicam o não surgimento de um movimento tipo Syriza em Portugal, mas há três que se destacam: a esquerda tem mais egos do que causas; os partidos da coligação assumem o papel de anti-sistema; a rede social de apoio impede a miséria.

Muitos por essa Europa fora se questionam sobre o porquê de, em Portugal, um país sob forte efeito da austeridade, não emergirem movimentos ou partidos com os meios efeitos e defeitos dos gregos do Syrisa, ou dos espanhóis do Podemos ou Ciudadanos. Ainda este fim-de-semana o "Público" publicou um interessante trabalho sobre este fenómeno, assinado pelos jornalistas Paulo Pena e Maria João Lopes.

Por diversas vezes refleti sobre as razões desta nossa particular realidade e encontrei sempre diferentes justificações que, todas somadas, ajudavam a explicar o facto, de em Portugal, estes movimentos não terem obtido o mesmo sucesso.

Esquerda tem mais egos que causas

Em primeiro lugar, o único movimento apartidário, de livre iniciativa cidadã, apesar da presença de membros de muitos partidos, espontâneo na génese e livre das amarras de qualquer ditame ou direção partidária foi o da Geração à Rasca. O resto são "truques", formatos úteis para responder a apetites políticos, dissidências de partidos ou revoltas de Facebook. Sobretudo à esquerda, a dificuldade de estabilizar um movimento de protesto é notória e revela a existência de alguns profissionais em criar, matar, fundir, renomear, movimentos políticos e de cidadãos. Alguns assemelham-se mesmo a mercenários ao serviço do seu ego e não de uma causa comum. Alguns, uma minoria, são nobres idealistas que não se cansam de lutar - o que respeito e admiro.

Rede social portuguesa voltou a funcionar

A segunda diferença, face a outros países e em particular face à Grécia, é a nossa rede social e o nível de desespero a que as pessoas chegaram noutros países. Em Portugal o desemprego nunca atingiu os 20%, muitas pessoas não se resignaram nem cruzaram os braços e decidiram emigrar encontrando trabalho. Os desempregados não deixaram de ter acesso ao Serviço Nacional de Saúde ou a subsídios sociais como ocorreu na Grécia. Aliás, um dos principais elementos da vitória do Syriza foi, precisamente, a forma hábil como se substituiu à ausência do Estado na resposta às necessidades sociais. Em várias cidades gregas os elementos do Syriza montaram verdadeiros bancos alimentares e cantinas sociais, tal como mini-hospitais de campanha, que foram dando resposta aos mais carenciados. Este fator aumentou muito a adesão ao Syriza e o respeito pelo seu discurso. Onde o Estado faltava, o Syriza resolvia. Em Portugal isto seria impossível.

A terceira diferença, por inerência da anterior, é a qualidade da nossa rede social público-privada. Através da economia social, financiada pelo Estado e/ou pela iniciativa privada, em grande parte constituída por IPSS's e Misericórdias, sem esquecer a Igreja Católica, a entre-ajuda chegou a muitos, atenuando o desespero do desemprego, impedindo a fome e a miséria. Este facto foi fundamental e não será alheio o detalhe de, em 2013, o Governo ter assinado no mesmo dia um Acordo de Concertação Social entre patrões e sindicatos, mas também um acordo com o nosso setor social.

PSD e CDS são anti-sistema, contra o status quo

O referido artigo do Público, que tive oportunidade de comentar, traz uma novidade: ao contrário da Grécia e de Espanha, em que a oposição que nasceu além dos partidos assumiu o combate ao status quo, ao sistema instalado, em Portugal foi a própria coligação PSD/CDS a protagonizar esse confronto do modelo antigo da Constituição e a serem os partidos mais anti-sistema. Por cá, após anos de "atraso" face à modernização do sistema político, são precisamente os partidos mais radicais, a que se soma o PS, que lutam por mais do mesmo.

Sempre que a oposição, com o PS à cabeça, fala em mais investimento público as pessoas lembram-se das SCUT, das PPP milionárias e dos aeroportos sem aviões. Sempre que a oposição fala em controlo das empresas públicas e privadas as pessoas recordam-se do PREC e da promiscuidade de décadas de intervenção política nas empresas portuguesas - BPN, BCP, PT, ou empresas de transportes, apenas para citar alguns exemplos.

Outra enorme diferença, e que para mim também é fundamental, é o referencial de estabilidade que temos no nosso Primeiro-Ministro e a diferença face às restantes alternativas em Portugal. Ao contrário da Grécia, conseguimos expulsar a Troika, evitar a espiral recessiva, evitar o segundo resgate e cumprir o memorando a que o PS se comprometeu.

PS ocupou o espaço do Bloco de Esquerda

Enquanto alguns acreditam que o fator PCP agrega o desapontamento, na minha opinião, esse fator depende muito do posicionamento actual do PS, que optou por ocupar a posição de Bloco de Esquerda. Ou seja, o PS está a perder apoio no centro e a recuperar na extrema esquerda, onde se confunde muitas vezes com as posições do BE ou do PCP. A embrulhada embaraçante que foi a colagem forçada do PS à vitória do Syriza impressionou muitos militantes mais moderados do Partido Socialista.

Ao contrário do que defende o Professor João Serra neste trabalho do Público, digo que o descontentamento das pessoas não se revelará na abstenção - já se revela há anos. O descontentamento das pessoas que continuam a ir votar revela-se, sim, nos votos em branco e nas transferências para as novas mas efémeras soluções, como a que encabeça Marinho Pinto que roubou votos ao PS e ao PSD nas Europeias. Estes novos movimentos apenas têm sucesso porque os partidos tradicionais não sabem dar a resposta que as pessoas procuram, resultam do falhanço dos partidos e da sua não regeneração.

Acredito que, hoje, as pessoas já não sentem a alegria de querer pertencer um partido, tal como acontecia no pós 25 de Abril. Hoje filiação partidária "dá" cadastro não currículo, aos olhos de muitos portugueses. Não tenho dúvidas que hoje as pessoas estejam menos disponíveis para se filiar, para terem uma relação mais estável e duradoura com um partido, mas estarão talvez mais interessadas em aderir a esta ou aquela causa. No futuro, as pessoas estarão ao lado do partido "A" na causa "x" e ou contra o Partido "B" apenas na causa "y". É esta a liberdade que as pessoas procuram. Não é a queda das ideologias mas a ascensão do pragmatismo. Não é o fim da militância mas é a agilidade da mesma.

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