Henrique Monteiro

12-11-2011
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Pág. 1 de 5 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág. Liberdade e guiões partidários Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 0:00 Quinta feira, 31 de dezembro de 2009 A liberdade interna do PS, uma das suas grandes virtudes, é hoje uma caricatura do que foi. Hoje há um guião, mas felizmente já há resistência. Pena é haver tão pouca gente a pensar pela sua própria cabeça. Confesso que fiquei surpreso com a prestação do líder da JS no último "Expresso da Meia-Noite", na SIC Notícias. Pensei que não existia estalinismo no PS, mas terei de rever esta ideia. O chefe da JS acha que não deve haver liberdade de voto sobre o casamento gay, porque está no programa do PS e - se está no programa - toda a gente tem de votar o que lá está. Duarte Cordeiro opõe-se também à existência de um referendo: afirma que estando o casamento homossexual nos programas do PS, BE e PCP, todos os votantes destes partidos já votaram a favor. O mesmo pensa, aliás, a direcção do PS sobre o voto em projectos de outros partidos que prevêem a adopção de filhos por parte de casais homossexuais. O programa socialista diz que não, e portanto está dito que é não que se deve votar! Por este andar é melhor colocar tudo no programa. Do mesmo modo que o califa Omar achava que tudo estava no Corão, todos os aspectos da vida, mesmo os mais complexos e polémicos, serão decididos em congresso e previstos num programa, anulando-se essa subversão que é a opinião pessoal. Assim nem são necessários deputados, basta amanuenses. O jovem socialista vive num mundo simples. Eu invejo essa simplicidade como Jan Huss invejou a velhinha que pôs um raminho seco na fogueira que o condenava (ó santa ignorância, clamou, ou, em latim, sancta simplicitas). Invejo-o porque sou contra o referendo, mas não pelos motivos dele; porque conheço muita gente que votou PS e é contra o casamento dos homossexuais e porque, achando que se o PS quer equivaler a união homossexual ao casamento (o que acho um erro), terá, então, de permitir a adopção para não criar - aí sim - uma discriminação gritante e absurda entre casamentos hetero e homo. A não existência de liberdade de voto em casos como estes é verdadeiramente uma aberração. A não existência de liberdade de voto, em quase todos os casos, é, aliás, uma aberração. Felizmente há ainda muitos no PS que recordam um líder que se negou a apoiar o candidato oficial do partido a PR; que recordam figuras que abandonaram as listas de deputados em nome da sua autonomia pessoal; que recordam os que votaram contra uma Lei de Segurança do Governo PS, em nome da consciência individual. E sabem que os militantes citados se chamam Soares, Guterres e Alegre e que esse é (ou costumava ser) o PS genuíno, livre. E percebem que é tempo de pôr fim à voragem do PS pelo poder e à guerra absurda com Cavaco, à lógica centralizada num homem. Que sabem que o PSD ainda paga por ter sido como é agora o PS. Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 24 de Dezembro de 2009 Casai-vos uns aos outros Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 24 de dezembro de 2009 O casamento homossexual é uma mistificação da igualdade. Não deve haver discriminação no que é igual, mas isso não implica o fim das diferenças. Uma sociedade indiscriminada é uma sociedade louca... Você é casado com um homem ou com uma mulher? Os meus pais chamam-se os dois Manuel. Sou viúva da Ermelinda. Os homossexuais passivos são as maiores vítimas da violência doméstica. Grupos pró-poligamia e poliandria exigem direitos iguais aos dos gays. Frases assim vão ser naturais a breve prazo? Não creio. As sociedades não mudam ao ritmo das leis e eu sustento que há construções sociais naturais (como o casamento entendido como entre pessoas de sexo diferente) que sobrevivem a toda a engenharia social. Há precisamente dez anos saudei uma decisão do Tribunal Europeu que dava razão a um cidadão a quem a nossa Justiça retirara o filho pelo facto de ser homossexual. No mesmo texto, criticava uma proposta, então de Os Verdes e do BE, que previa o casamento de homossexuais e a possibilidade destes casais adoptarem filhos. Porque o primeiro caso se fundava num direito natural e o segundo na engenharia social. Posto isto, sou claramente a favor de que os homossexuais gozem todos os direitos, excepto o da adopção. Também já escrevi que me opunha ao nome casamento para a união gay, porque (como se vê) a agenda escondida é a adopção de crianças. Sou, sobretudo, favorável a que duas pessoas que desejem ter uma vida e uma economia comuns, com os mesmos direitos e deveres que decorrem do casamento, o possam fazer desde que registem essa união. Ao contrário, sempre fui contra as uniões de facto não registadas por serem uma intromissão abusiva na esfera privada de cada um. O recente afã legislativo sobre a família, que varre a Europa, acaba por ser mau para heterossexuais e homossexuais. A família é uma estrutura complexa, escusa o Estado de complicá-la ainda mais. A solução legislativa deveria ser simples, genérica e aplicada independentemente da tipologia das relações, evitando rupturas e meras agendas políticas. Com esta lei o casamento gay continua discriminado porque não pode adoptar (o que eu concordo). Mas, se o legislador não acha que ele é igual, por que motivo lhe chama o mesmo - casamento? Um contrato registado entre duas pessoas, com as mesmas prerrogativas que o casamento (excepto a adopção), resolvia o assunto. Mas quer-se tratar por igual o que não é igual. E uma sociedade indiscriminada é esquizofrénica. Se eu me quiser casar com um homem, com três mulheres ou com todos ao mesmo tempo, que me vai agora dizer o Estado? Que sou bígamo, por ser já casado com uma mulher? Mas assim não estou eu a ser discriminado? Sem limites, isto nunca pára! Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 19 de Dezembro de 2009 É o clima uma ideia religiosa? Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 17 de dezembro de 2009 Toda a gente prefere um ambiente saudável à poluição generalizada (excepto talvez os donos de indústrias poluentes). Mas existe no discurso ambiental uma espécie de ideia religiosa que me incomoda. Tenho duas declarações de princípio a fazer: concordo com a precaução quanto ao Ambiente, com as apostas em energias alternativas e em veículos não poluentes; concordo que as terras, rios e mares não podem continuar a ser poluídos como têm vindo a ser. A segunda declaração é que penso que toda a gente tem direito a praticar livremente uma religião, ainda que pareça absurda. E, feitas estas duas declarações, afirmo que me parece existir no discurso ambientalista uma espécie de religião travestida de ciência. Não sei de clima ou de ambiente (apesar das milhares de coisas que li, vi e ouvi) para poder afirmar com razoabilidade quem tem e não tem razão sobre o CO2 ser a principal causa do efeito de estufa, ou se o aquecimento global é ou não provocado pelo homem. Mas sei de História e já vivi o suficiente para perceber que as políticas feitas em nome de certezas no amanhã podem falhar. Falham quase sempre. Também noto alguns paralelismos preocupantes. O desenvolvimento da espécie humana (que tem mais bem-estar e comida do que em qualquer outra época), é na religião climática a origem do mal, o pecado original. O futuro limpo, eléctrico, sorridente, com reflorestação é, digamos, o paraíso a que apenas chegamos se nos penalizarmos (privando-nos de algumas coisas, como no Ramadão ou na Quaresma); caso não liguemos vamos directos para o Inferno, ou para o fim do mundo, o Armagedão, que são as catástrofes climáticas que se podem ver no filme que abriu a Cimeira de Copenhaga. Tal como as religiões, também muitos priores do ambientalismo querem converter os nativos. Os nativos de África, da América Latina e da Ásia. Os principais priores, tendo beneficiado toda a vida das toneladas de CO2 já emitidas, dizem agora aos nativos que não devem fazer o mesmo... os nativos parecem não estar pelos ajustes, porque têm a sua quota de desenvolvimento a cumprir. E, quando os nativos são chineses e poluem todos ao mesmo tempo, tudo se torna difícil... E, quando os nativos são brasileiros e nós, das nossas florestas destruídas na Europa, lhes pedimos que não destruam a deles, a coisa torna-se complicada. Há, ainda, o negócio, a venda de material bento ou santo, mas deixo isso para outras núpcias. Finalmente há a excomunhão, a fogueira. É o que tem acontecido aos cépticos nas universidades e círculos bem pensantes. Mas eu, como dizia alguém, quando vejo toda a gente do mesmo lado da amurada, tendo a ir para o outro. Não ponho em causa o trabalho a favor do ambiente. Pretendo apenas mais provas do que nos é dito como inevitável. Que não nos peçam apenas fé. Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 12 de Dezembro de 2009 Para que serve um Presidente? Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 10 de dezembro de 2009 O Presidente da República garante o regular funcionamento das instituições, segundo fica explícito da leitura do artº 120 da Constituição. Por isso, é bom que garanta, ou torna-se inútil. Sexta-feira da semana passada, tal como ontem e antes de ontem, ficámos a saber o que nos pode reservar o futuro: um Parlamento que sabe humilhar o Governo e um Governo que não consegue dialogar com nenhum partido, suportado por um PS que apenas sabe fazer oposição à oposição. O primeiro mês de Executivo também nos mostrou um caminho preocupante: um gabinete que recua perante corporações, mesmo em assuntos em que empenhou todas as suas energias. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego, ao ultrapassar os 10%, mostra que a crise está longe de estar debelada e que são necessárias medidas duras, concretas e impopulares. Ora, o caminho que está a ser traçado é o inverso deste. Podemos discutir 100 anos de quem é a culpa: se do PS, se de Sócrates, se dos restantes partidos; podemos debater quem é, e não é, irresponsável, mas isso não conduz a qualquer solução. O país necessita de uma situação estável, sólida, capaz de resistir aos encantos e facilidades da conjuntura e fazer frente aos inúmeros e complicados desafios estruturais. Ora, apenas o Presidente da República está em condições de desencadear essa solução. Desde logo, porque lhe compete, porque deve estar acima dos partidos, porque tem essa obrigação constitucional. Assim, ou o PR assegura que a actual solução minoritária, com um Governo apenas do PS, tem condições para fazer o que país necessita, ou deve exigir aos partidos que se entendam e tornem essa solução, de que o país necessita, viável. O que se passa no Parlamento, as trocas de acusações, de insultos, o recurso a palavras como 'vergonha', 'honra', 'infâmia', 'dignidade' e outras do género, a sucessiva judicialização da política apenas geram retórica e gritaria, mas não resolvem absolutamente nada. Nada! Se há alguém que sabe disso é o Presidente. E o chefe do Estado tem meios, tem mecanismos para actuar. Discretamente ou às claras (através de mensagens ao Parlamento ou convocando-o extraordinariamente). Antes da dissolução do Parlamento, Cavaco tem inúmeros recursos e deve usá-los. As necessidades do país não se compadecem com este espectáculo degradante. Se não for possível com estes líderes, que se mudem os líderes. Se Sócrates está mais centrado em opor-se à oposição, que o PS reflicta se é isto o que quer. Cavaco Silva precisa de ter o distanciamento e a grandeza suficientes para actuar, desde já. Apelando ao fim deste teatro indigno e, caso não seja escutado, tomando medidas para responsabilizar quem deve ser responsabilizado. O país tem de estar acima destas querelas. Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 5 de Dezembro de 2009 Alguns mitos sobre as escutas Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 3 de dezembro de 2009 Quase toda a gente parece saber tudo sobre as escutas entre José Sócrates e Armando Vara. Como eu não sei quase nada, tenho dúvidas sobre inúmeras coisas que se dizem. E que me parecem ser mitos. A ideia de que as escutas entre Sócrates e Vara deveriam ser reveladas pela Justiça, devido à sua importância política, é bastante risível. Uma coisa é o dever de o PM declarar que nada de ilegal disse (coisa que nunca fez); outra é os seus desabafos, confidências ou estados de alma serem públicos. Um princípio assim daria à Justiça e ao Estado poderes inimagináveis. Mas se eu tivesse as escutas publica-las-ia? Dependeria de uma análise cuidada. A função da Imprensa é diferente da função da Justiça. É por isso que a Justiça é um poder e a Imprensa um contrapoder. Há aspectos que os jornais devem noticiar pela sua relevância (por exemplo, mentir no Parlamento), ainda que constituam qualquer ilícito; e aspectos com que a Justiça lida e nunca podem ser noticiáveis (a identidade de um menor vítima de abuso sexual, por exemplo). Outro ponto a desmistificar é a ideia de que Sócrates foi escutado. Não foi! Vara, arguido no processo 'Face Oculta', é que estava sob escuta. Sócrates foi interceptado, como seria qualquer pessoa que falasse com Vara. Daqui decorrem outros dois mitos estúpidos. O primeiro, que deveria haver autorização prévia do STJ para escutar Sócrates (como se fosse possível, uma vez que ninguém saberia se, quando e quantas vezes ele falaria a Vara); outro, o de que mal fosse interceptada a voz de Sócrates, deveria ter seguido o pedido de autorização. Não vou violar o segredo de Justiça, mas imaginem que estava em causa uma conversa assim: "Estás bom? Queres ir almoçar amanhã?" E a resposta: "Que maçada, não posso tenho de ir para Bruxelas". E com um deixa, fica para a próxima e cumprimentos à família terminava. Alguém acharia que isto tinha de ser validado pelo STJ? Claro que não! O problema reside no facto de se ter achado que nas conversas poderia haver um delito. Nada mais! Se o diálogo fosse inócuo, ninguém teria levantado problemas. E o último aspecto ridículo: há quem diga que podem estar em causa segredos de Estado! Desculpem? Mas o primeiro-ministro fala de segredos de Estado ao telefone com um amigo que nenhum cargo tem no Estado (e menos ainda acesso a assuntos reservados) e é vice-presidente de um banco comercial? Se fala, então sim, deve ser interditado! PS : O julgamento no qual Armando Vara me pedia 150 mil euros acabou... com a retirada da queixa. Reafirmo o que escrevi e que, quando escrevo, não tenho por objectivo ofender ninguém. Vara, que tem mais com que se preocupar, deve meditar sobre a liberdade de expressão própria de uma democracia. Citando António Vitorino - habitue-se! Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 28 de Novembro de 2009 A lei não é dura, mas é confusa Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 23 de novembro de 2009 Aprendemos todos a máxima latina dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é a lei). Porém, em Portugal, a frase deveria ser reformulada. Porque a lei nem é dura para todos, nem clara, nem a maior parte das vezes lei. A lei devia ser clara e compreensível para todos. Devia, mas não é. Em Portugal ninguém se entende e não sei se haverá país democrático onde o grau de incompreensão na Justiça vá tão longe como o nosso. Juristas discutem se o presidente do Supremo tem ou não jurisdição para mandar destruir as escutas em que intervém o primeiro-ministro; peritos tentam, sem êxito, decifrar as enigmáticas palavras do PGR; gastam-se meninges para compreender o que cada interveniente quer dizer com frases indirectas que em nada se destinam ao esclarecimento de quem quer que seja. Os próprios crimes têm nomes estranhos como "atentado ao Estado de Direito", sendo que isto tanto pode ser matar o Presidente da República, como manipular um magistrado ou dar dinheiro a um amigo para comprar uma televisão, ou salvar um jornal falido. E as leis são tortuosas, parecem propositadamente feitas para que jamais se entendam sem a adequada gritaria, o chinfrim. O primeiro-ministro indigna-se e recusa-se a responder a qualquer pergunta, dizendo que não interfere na Justiça. Mas, duas horas depois, uns ministros dizem que aquele assunto do âmbito da Justiça, do qual a política devia andar arredada é, afinal espionagem política, esperando que acreditemos que espionagem política se faz investigando um sucateiro (e agora me ocorre que, se calhar, o país ainda é pior do que eu supunha). Os casos sucedem-se; apoiantes de Sócrates apresentam-no como um Cristo; Dias Loureiro é cristíssimo; Armando Vara é injustiçado; Oliveira Costa, um desgraçado. E, claro, todos são inocentes até prova em contrário; e até haver prova todos são vítimas. No fim, no meio da confusão instalada, todos acabam absolvidos. Portugal não tem, afinal, um corrupto que se veja! No dia-a-dia o país encolhe os ombros e já não distingue honesto de vigarista, homem honrado de videirinho. Paga assim o justo pelo pecador, e safa-se o pecador por justo. Só há um consenso alargado entre políticos e magistrados. Um consenso que abarca quem está envolvido em escândalos e quem não está: a culpa é da violação do segredo de Justiça. De facto, sabemos que a Justiça não funciona e que a corrupção grassa porque nas redacções dos jornais se viola o segredo de Justiça! Se não se violasse, nada disto se saberia... Ora aí está uma evidência! E digo mais: basta ler os dois comunicados de Sexa, o PGR, e de Sexa, o presidente do Supremo Tribunal, para ficar elucidado... de absolutamente nada. Mas, também, que raio temos a ver com o que se passa no país? Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 21 de Novembro de 2009 Uma séria questão de confiança Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 16 de novembro de 2009 A um primeiro-ministro não se reconhece só direitos; exige-se-lhe também os correspondentes deveres. Se tem prorrogativas próprias, tem deveres próprios. Um deles é o do cabal esclarecimento. Em Portugal há coisas que se sabem. Sabem-se, ponto final. E entre as coisas que se sabem, uma delas é que uma conversa telefónica entre Sócrates e o seu amigo Armando Vara poderá conter indícios de eventuais ilegalidades. Ora isto não cabe à opinião pública avaliar. Toda a gente - incluindo os arguidos Godinho e Vara - é inocente até prova em contrário e é à Justiça que cabe essa avaliação. Porém, o que foi dito e escrito passou para a polis. E o que a líder do PSD disse no Parlamento também agora está no domínio público. Há, pois, uma parte em toda esta conversa que é do domínio da política e deve ser esclarecida, independentemente de a investigação determinar se há, ou não, algo mais a inquirir. Não sendo jurista, compreendo que as escutas que envolvem o primeiro-ministro devam ser anuladas. O país não pode viver sob escuta permanente e o que o cidadão Sócrates partilha com amigos, o modo mais ou menos elegante como se refere a outras personalidades e as formas vernaculares que usa (ou não) são indiferentes para o nosso julgamento político. O primeiro-ministro não deve, porém, esquecer quem é: o número três do Estado, o chefe do poder Executivo. Por isso mesmo não pode deixar que sobre ele recaia qualquer dúvida. Como já o afirmei a propósito do 'caso Freeport' (em que cada vez mais estou convencido que é inocente), Sócrates devia tomar a iniciativa do esclarecimento. Não se trata de divulgar as suas conversas privadas com amigos (argumento utilizado por Jorge Lacão para rebater esta necessidade de transparência). Nada disso! Basta uma declaração simples, que aliás o Expresso lhe pediu, como era nosso dever. Uma declaração em que o primeiro-ministro tranquilize os portugueses, assegurando-lhes que nenhuma conversa sua versou ou induziu a prática de qualquer acto menos próprio. Eis uma pequena frase que qualquer cidadão pode dizer sem violar qualquer segredo de Justiça, sem se antecipar a qualquer julgamento, sem estar a prejudicar qualquer investigação. E que nos é devida - a nós cidadãos, aos que o elegeram e aos que contra ele votaram -, porque todos temos de ter toda a confiança em quem toma decisões que nos afectam, em quem nos representa em que fala por nós.

Não se trata, sequer, de lhe pedir algo que não se pedisse (nos devidos fóruns - emprego, família, círculo de amigos) a outro cidadão qualquer sobre o qual recaíssem suspeitas, ainda que remotas e não fundamentadas. O círculo de Sócrates é todo o país, e para uma declaração tão simples como esta basta, afinal, ter a consciência tranquila. Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 14 de Novembro de 2009 Um sintoma certo de podridão Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 9 de novembro de 2009 O 'sucatagate' é o sinal mais claro de uma promiscuidade revoltante entre política, negócios e gente sem escrúpulos. É um sintoma de podridão e uma machadada na credibilidade do Estado. A primeira coisa a dizer é que no 'Face Oculta' toda a gente é inocente até prova em contrário, aliás como em todos os processos. Mas, ou esta suspeita da PJ é inventada - no que não acredito - ou, independentemente de se apurar quem está e não está criminosamente envolvido, podemos retirar certas conclusões preocupantes. Na compra e venda de sucatas começa logo por haver um indício estranho: negócios feitos com empresas onde o Estado se conta entre os principais accionistas que, aparentemente, dão muito dinheiro a ganhar a um empresário cujas empresas têm 16 contra-ordenações ambientais (entre 2003 e 2009), além de estarem envolvidas em diversos processos judiciais. Não é razoável empresas onde está envolvido dinheiro dos contribuintes lidarem com empresários assim. Mais: quadros dessas empresas receberiam dinheiro e presentes diversos desse prestador de serviços, apesar de todos eles seguramente saberem que, se "não há almoços grátis", muito menos há Mercedes ou relógios de marca. Haverá também administradores nomeados pelo Estado que serão convivas desse empresário que colecciona contra-ordenações e processos. E existirá mesmo quem sendo muito próximo e amigo de gente bem colocada no Estado e no Governo está acusado de, a troco de dinheiro, abrir portas ao dito empresário. Independente dos nomes mais ou menos sonantes que venham a ser considerados culpados, esta história é já um sinal claríssimo do modo como as empresas estatais, ou onde o Estado tem grandes interesses, tratam o nosso dinheiro. Apesar de, há mais de 10 anos, existirem denúncias sobre a forma como sucatas têm vindo a ser negociadas, ninguém terá averiguado ou querido saber. Pelo contrário, o negócio rolou até que alguém na PJ começou a puxar as pontas do novelo. Enfim, gestores nomeados pelo Governo, quadros que são da sua confiança e diversos pequenos, médios ou mesmo grandes boys parecem achar normal conviver com pessoas de conduta duvidosa que lhes oferecem dinheiro, presentes, favores. "Está tudo podre", eis a frase que se ouve. É este, de facto, o melhor resumo do 'sucatagate'. PS: Como declaração de interesses direi que Armando Vara me moveu um processo - o único em que fui pessoalmente visado em mais de 30 anos de carreira. Acusa-me o ex-dirigente do PS por, em Fevereiro de 2008, ter escrito, como opinião, que o código ético dos políticos deveria reprovar condutas como a sua. Vara pede-me 150 mil euros por ter ficado magoado com o texto. Eu reafirmo-o integralmente. Texto publicado na edição do Expresso de 7 de Novembro de 2009 Governo, acordos e boa vontade Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 19 de outubro de 2009 Ninguém se surpreendeu com a indisponibilidade da oposição para fazer acordos com o PS. O modo agressivo como decorreu a campanha inviabilizou uma solução maioritária. Agora resta o bom senso. Existirá? José Sócrates terminou a ronda pelos partidos com uma constatação que todos nós sabíamos: ninguém quer ir para o Governo com o PS. Surpresa era que alguém estivesse disposto, depois de um Governo que fez da oposição um inimigo e de uma campanha repleta de violência verbal de parte a parte. O PS optou, assim, pelo que já sabíamos que ia optar: um Governo minoritário. Nas circunstâncias actuais, reconheço que é o melhor que pode fazer. Mas não deixo de lamentar que perante a crise e a situação gravíssima do país, não fosse possível mais representatividade na condução do barco. De salientar, no entanto, a "responsabilidade" que, segundo Sócrates, todos os partidos mostraram. Porém, salvo o CDS (talvez com pormenor a mais), nenhum deles colocou claramente as suas condições políticas. O PSD (agora é preciso dizer esta direcção do PSD) entrou mesmo numa deriva que leva o partido a não querer tomar parte em qualquer decisão importante para o país, o que ficou claro quando Pacheco Pereira disse logo na noite eleitoral que os deputados sociais-democratas devem votar contra o Orçamento. Ou seja, mesmo sem o conhecer, mesmo sem saber se o PS estaria disposto a integrar alguns pontos decisivos para o PSD, Pacheco é contra. Por este caminho, os sociais-democratas serão exactamente a oposição que Sócrates adora: destrutiva, argumentativa e pouco inteligente. Uma bênção! Que os partidos à esquerda procedam assim, é normal. Infelizmente, nem o Bloco nem o PCP ultrapassaram a fase meramente reivindicativa para integrarem uma cultura de poder e de responsabilidade. E são necessários partidos assim em qualquer sistema político, o espanto é que juntos somem quase 20 por cento do eleitorado. Até agora, portanto, o roteiro correu bem a Sócrates. Mas há que o seguir com atenção daqui para a frente. Se o nome escolhido para presidente da AR era evidente, o que avançou para líder parlamentar - Francisco Assis - foi um bom sinal de abertura (embora o antecessor fosse igualmente capaz no diálogo, poderia estar marcado pelo estigma da maioria absoluta). Resta ver os nomes que escolherá para o Governo e que programa este apresentará. Os sinais são agora muito mais importantes do que as palavras. Não basta dizer que se tentou e outros não quiseram. É preciso continuar a tentar a estabilidade com bom senso e espírito de abertura e diálogo. O eleitorado não quis um partido apenas a mandar. É preciso que Sócrates o entenda completamente. Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 17 de Outubro de 2009 Combater a pobreza e a emigração Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 8:00 Terça feira, 13 de outubro de 2009 Sendo um dos melhores países a acolher imigrantes, Portugal continua a ser um país de emigrantes. Isto significa que os melhores vão embora, não por falta de apoios sociais, mas por falta de oportunidades. A distinção com que Portugal foi brindado pela ONU no que toca ao modo como recebe os imigrantes, honra-nos. Pessoalmente, sempre fui a favor da abertura dos países - sobretudo de um país como o nosso - aos imigrantes de todo o mundo, os quais devem usufruir de todos os direitos essenciais, desde que cumpram todos os deveres que são impostos à comunidade. A minorar esta distinção, que é mérito do Governo - porque o Governo tendo responsabilidades, há-de ter os correspondentes louvores -, temos um número terrível: por cada 15 novos imigrantes que chegam, 100 portugueses partem do país, segundo um estudo de Helena Rato, do Instituto Nacional de Administração. Ou seja, o nosso saldo demográfico é negativo e, pior do que isso, devemos estar a deixar fugir qualificação. Mas porque partirão estes portugueses? Por não terem emprego, é quase certo. Mas, acima de tudo, por não haver em Portugal oportunidades suficientes; porque, em matéria de apoio social prestado aos desempregados e pobres não se poderão queixar do país, que os tem disponibilizado de forma crescente. Vejamos, a este respeito, números divulgados esta semana: só o Rendimento Social de Inserção foi este ano distribuído a mais 11,3% das pessoas, atingindo um número recorde de 385 164 beneficiários. O Governo deveria, pois, dar prioridade não apenas ao emprego, mas ao apoio às famílias e à mobilidade no emprego, para não continuar apenas a subsidiar quase indiscriminadamente quem recorre ao Estado. Se repararmos bem nos indicadores, verificamos que há imenso a fazer no campo do combate à pobreza e à desistência social, se houver criatividade e, sobretudo, justiça. O fim da protecção cega ao emprego de modo a permitir que quem não o tem a ele aceda é apenas um exemplo. Outro, é a prevenção da gravidez na adolescência e das famílias monoparentais, que são hoje duas das principais causas de pobreza. Mas há, seguramente, muitos outros aspectos escondidos ou nunca referidos por politicamente incorrectos e se terem tornado dogmas de certa esquerda. Se o Estado não atender a estes e outros problemas relacionados com a pobreza, limita-se a actuar a jusante, quando eles já são insolúveis. E, de um país assim, fogem aqueles que querem singrar na vida, progredir, ter um emprego, uma casa, uma família. Como nos anos 60 fugiram das aldeias os melhores, hoje em dia fogem dos subúrbios aqueles que não se rendem a uma vida de dependência, sem rumo, sem luta e sem dignidade. Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 9 de Outubro de 2009 Pág. 1 de 5 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág.

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O mesmo pensa, aliás, a direcção do PS sobre o voto em projectos de outros partidos que prevêem a adopção de filhos por parte de casais homossexuais. O programa socialista diz que não, e portanto está dito que é não que se deve votar! Por este andar é melhor colocar tudo no programa. Do mesmo modo que o califa Omar achava que tudo estava no Corão, todos os aspectos da vida, mesmo os mais complexos e polémicos, serão decididos em congresso e previstos num programa, anulando-se essa subversão que é a opinião pessoal. Assim nem são necessários deputados, basta amanuenses. O jovem socialista vive num mundo simples. Eu invejo essa simplicidade como Jan Huss invejou a velhinha que pôs um raminho seco na fogueira que o condenava (ó santa ignorância, clamou, ou, em latim, sancta simplicitas). Invejo-o porque sou contra o referendo, mas não pelos motivos dele; porque conheço muita gente que votou PS e é contra o casamento dos homossexuais e porque, achando que se o PS quer equivaler a união homossexual ao casamento (o que acho um erro), terá, então, de permitir a adopção para não criar - aí sim - uma discriminação gritante e absurda entre casamentos hetero e homo. A não existência de liberdade de voto em casos como estes é verdadeiramente uma aberração. A não existência de liberdade de voto, em quase todos os casos, é, aliás, uma aberração. Felizmente há ainda muitos no PS que recordam um líder que se negou a apoiar o candidato oficial do partido a PR; que recordam figuras que abandonaram as listas de deputados em nome da sua autonomia pessoal; que recordam os que votaram contra uma Lei de Segurança do Governo PS, em nome da consciência individual. E sabem que os militantes citados se chamam Soares, Guterres e Alegre e que esse é (ou costumava ser) o PS genuíno, livre. E percebem que é tempo de pôr fim à voragem do PS pelo poder e à guerra absurda com Cavaco, à lógica centralizada num homem. Que sabem que o PSD ainda paga por ter sido como é agora o PS. Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 24 de Dezembro de 2009 Casai-vos uns aos outros Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 24 de dezembro de 2009 O casamento homossexual é uma mistificação da igualdade. Não deve haver discriminação no que é igual, mas isso não implica o fim das diferenças. Uma sociedade indiscriminada é uma sociedade louca... Você é casado com um homem ou com uma mulher? Os meus pais chamam-se os dois Manuel. Sou viúva da Ermelinda. Os homossexuais passivos são as maiores vítimas da violência doméstica. Grupos pró-poligamia e poliandria exigem direitos iguais aos dos gays. Frases assim vão ser naturais a breve prazo? Não creio. As sociedades não mudam ao ritmo das leis e eu sustento que há construções sociais naturais (como o casamento entendido como entre pessoas de sexo diferente) que sobrevivem a toda a engenharia social. Há precisamente dez anos saudei uma decisão do Tribunal Europeu que dava razão a um cidadão a quem a nossa Justiça retirara o filho pelo facto de ser homossexual. No mesmo texto, criticava uma proposta, então de Os Verdes e do BE, que previa o casamento de homossexuais e a possibilidade destes casais adoptarem filhos. Porque o primeiro caso se fundava num direito natural e o segundo na engenharia social. Posto isto, sou claramente a favor de que os homossexuais gozem todos os direitos, excepto o da adopção. Também já escrevi que me opunha ao nome casamento para a união gay, porque (como se vê) a agenda escondida é a adopção de crianças. Sou, sobretudo, favorável a que duas pessoas que desejem ter uma vida e uma economia comuns, com os mesmos direitos e deveres que decorrem do casamento, o possam fazer desde que registem essa união. Ao contrário, sempre fui contra as uniões de facto não registadas por serem uma intromissão abusiva na esfera privada de cada um. O recente afã legislativo sobre a família, que varre a Europa, acaba por ser mau para heterossexuais e homossexuais. A família é uma estrutura complexa, escusa o Estado de complicá-la ainda mais. A solução legislativa deveria ser simples, genérica e aplicada independentemente da tipologia das relações, evitando rupturas e meras agendas políticas. Com esta lei o casamento gay continua discriminado porque não pode adoptar (o que eu concordo). Mas, se o legislador não acha que ele é igual, por que motivo lhe chama o mesmo - casamento? Um contrato registado entre duas pessoas, com as mesmas prerrogativas que o casamento (excepto a adopção), resolvia o assunto. Mas quer-se tratar por igual o que não é igual. E uma sociedade indiscriminada é esquizofrénica. Se eu me quiser casar com um homem, com três mulheres ou com todos ao mesmo tempo, que me vai agora dizer o Estado? Que sou bígamo, por ser já casado com uma mulher? Mas assim não estou eu a ser discriminado? Sem limites, isto nunca pára! Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 19 de Dezembro de 2009 É o clima uma ideia religiosa? Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 17 de dezembro de 2009 Toda a gente prefere um ambiente saudável à poluição generalizada (excepto talvez os donos de indústrias poluentes). Mas existe no discurso ambiental uma espécie de ideia religiosa que me incomoda. Tenho duas declarações de princípio a fazer: concordo com a precaução quanto ao Ambiente, com as apostas em energias alternativas e em veículos não poluentes; concordo que as terras, rios e mares não podem continuar a ser poluídos como têm vindo a ser. A segunda declaração é que penso que toda a gente tem direito a praticar livremente uma religião, ainda que pareça absurda. E, feitas estas duas declarações, afirmo que me parece existir no discurso ambientalista uma espécie de religião travestida de ciência. Não sei de clima ou de ambiente (apesar das milhares de coisas que li, vi e ouvi) para poder afirmar com razoabilidade quem tem e não tem razão sobre o CO2 ser a principal causa do efeito de estufa, ou se o aquecimento global é ou não provocado pelo homem. Mas sei de História e já vivi o suficiente para perceber que as políticas feitas em nome de certezas no amanhã podem falhar. Falham quase sempre. Também noto alguns paralelismos preocupantes. O desenvolvimento da espécie humana (que tem mais bem-estar e comida do que em qualquer outra época), é na religião climática a origem do mal, o pecado original. O futuro limpo, eléctrico, sorridente, com reflorestação é, digamos, o paraíso a que apenas chegamos se nos penalizarmos (privando-nos de algumas coisas, como no Ramadão ou na Quaresma); caso não liguemos vamos directos para o Inferno, ou para o fim do mundo, o Armagedão, que são as catástrofes climáticas que se podem ver no filme que abriu a Cimeira de Copenhaga. Tal como as religiões, também muitos priores do ambientalismo querem converter os nativos. Os nativos de África, da América Latina e da Ásia. Os principais priores, tendo beneficiado toda a vida das toneladas de CO2 já emitidas, dizem agora aos nativos que não devem fazer o mesmo... os nativos parecem não estar pelos ajustes, porque têm a sua quota de desenvolvimento a cumprir. E, quando os nativos são chineses e poluem todos ao mesmo tempo, tudo se torna difícil... E, quando os nativos são brasileiros e nós, das nossas florestas destruídas na Europa, lhes pedimos que não destruam a deles, a coisa torna-se complicada. Há, ainda, o negócio, a venda de material bento ou santo, mas deixo isso para outras núpcias. Finalmente há a excomunhão, a fogueira. É o que tem acontecido aos cépticos nas universidades e círculos bem pensantes. Mas eu, como dizia alguém, quando vejo toda a gente do mesmo lado da amurada, tendo a ir para o outro. Não ponho em causa o trabalho a favor do ambiente. Pretendo apenas mais provas do que nos é dito como inevitável. Que não nos peçam apenas fé. Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 12 de Dezembro de 2009 Para que serve um Presidente? Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 10 de dezembro de 2009 O Presidente da República garante o regular funcionamento das instituições, segundo fica explícito da leitura do artº 120 da Constituição. Por isso, é bom que garanta, ou torna-se inútil. Sexta-feira da semana passada, tal como ontem e antes de ontem, ficámos a saber o que nos pode reservar o futuro: um Parlamento que sabe humilhar o Governo e um Governo que não consegue dialogar com nenhum partido, suportado por um PS que apenas sabe fazer oposição à oposição. O primeiro mês de Executivo também nos mostrou um caminho preocupante: um gabinete que recua perante corporações, mesmo em assuntos em que empenhou todas as suas energias. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego, ao ultrapassar os 10%, mostra que a crise está longe de estar debelada e que são necessárias medidas duras, concretas e impopulares. Ora, o caminho que está a ser traçado é o inverso deste. Podemos discutir 100 anos de quem é a culpa: se do PS, se de Sócrates, se dos restantes partidos; podemos debater quem é, e não é, irresponsável, mas isso não conduz a qualquer solução. O país necessita de uma situação estável, sólida, capaz de resistir aos encantos e facilidades da conjuntura e fazer frente aos inúmeros e complicados desafios estruturais. Ora, apenas o Presidente da República está em condições de desencadear essa solução. Desde logo, porque lhe compete, porque deve estar acima dos partidos, porque tem essa obrigação constitucional. Assim, ou o PR assegura que a actual solução minoritária, com um Governo apenas do PS, tem condições para fazer o que país necessita, ou deve exigir aos partidos que se entendam e tornem essa solução, de que o país necessita, viável. O que se passa no Parlamento, as trocas de acusações, de insultos, o recurso a palavras como 'vergonha', 'honra', 'infâmia', 'dignidade' e outras do género, a sucessiva judicialização da política apenas geram retórica e gritaria, mas não resolvem absolutamente nada. Nada! Se há alguém que sabe disso é o Presidente. E o chefe do Estado tem meios, tem mecanismos para actuar. Discretamente ou às claras (através de mensagens ao Parlamento ou convocando-o extraordinariamente). Antes da dissolução do Parlamento, Cavaco tem inúmeros recursos e deve usá-los. As necessidades do país não se compadecem com este espectáculo degradante. Se não for possível com estes líderes, que se mudem os líderes. Se Sócrates está mais centrado em opor-se à oposição, que o PS reflicta se é isto o que quer. Cavaco Silva precisa de ter o distanciamento e a grandeza suficientes para actuar, desde já. Apelando ao fim deste teatro indigno e, caso não seja escutado, tomando medidas para responsabilizar quem deve ser responsabilizado. O país tem de estar acima destas querelas. Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 5 de Dezembro de 2009 Alguns mitos sobre as escutas Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 0:01 Quinta feira, 3 de dezembro de 2009 Quase toda a gente parece saber tudo sobre as escutas entre José Sócrates e Armando Vara. Como eu não sei quase nada, tenho dúvidas sobre inúmeras coisas que se dizem. E que me parecem ser mitos. A ideia de que as escutas entre Sócrates e Vara deveriam ser reveladas pela Justiça, devido à sua importância política, é bastante risível. Uma coisa é o dever de o PM declarar que nada de ilegal disse (coisa que nunca fez); outra é os seus desabafos, confidências ou estados de alma serem públicos. Um princípio assim daria à Justiça e ao Estado poderes inimagináveis. Mas se eu tivesse as escutas publica-las-ia? Dependeria de uma análise cuidada. A função da Imprensa é diferente da função da Justiça. É por isso que a Justiça é um poder e a Imprensa um contrapoder. Há aspectos que os jornais devem noticiar pela sua relevância (por exemplo, mentir no Parlamento), ainda que constituam qualquer ilícito; e aspectos com que a Justiça lida e nunca podem ser noticiáveis (a identidade de um menor vítima de abuso sexual, por exemplo). Outro ponto a desmistificar é a ideia de que Sócrates foi escutado. Não foi! Vara, arguido no processo 'Face Oculta', é que estava sob escuta. Sócrates foi interceptado, como seria qualquer pessoa que falasse com Vara. Daqui decorrem outros dois mitos estúpidos. O primeiro, que deveria haver autorização prévia do STJ para escutar Sócrates (como se fosse possível, uma vez que ninguém saberia se, quando e quantas vezes ele falaria a Vara); outro, o de que mal fosse interceptada a voz de Sócrates, deveria ter seguido o pedido de autorização. Não vou violar o segredo de Justiça, mas imaginem que estava em causa uma conversa assim: "Estás bom? Queres ir almoçar amanhã?" E a resposta: "Que maçada, não posso tenho de ir para Bruxelas". E com um deixa, fica para a próxima e cumprimentos à família terminava. Alguém acharia que isto tinha de ser validado pelo STJ? Claro que não! O problema reside no facto de se ter achado que nas conversas poderia haver um delito. Nada mais! Se o diálogo fosse inócuo, ninguém teria levantado problemas. E o último aspecto ridículo: há quem diga que podem estar em causa segredos de Estado! Desculpem? Mas o primeiro-ministro fala de segredos de Estado ao telefone com um amigo que nenhum cargo tem no Estado (e menos ainda acesso a assuntos reservados) e é vice-presidente de um banco comercial? Se fala, então sim, deve ser interditado! PS : O julgamento no qual Armando Vara me pedia 150 mil euros acabou... com a retirada da queixa. Reafirmo o que escrevi e que, quando escrevo, não tenho por objectivo ofender ninguém. Vara, que tem mais com que se preocupar, deve meditar sobre a liberdade de expressão própria de uma democracia. Citando António Vitorino - habitue-se! Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 28 de Novembro de 2009 A lei não é dura, mas é confusa Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 23 de novembro de 2009 Aprendemos todos a máxima latina dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é a lei). Porém, em Portugal, a frase deveria ser reformulada. Porque a lei nem é dura para todos, nem clara, nem a maior parte das vezes lei. A lei devia ser clara e compreensível para todos. Devia, mas não é. Em Portugal ninguém se entende e não sei se haverá país democrático onde o grau de incompreensão na Justiça vá tão longe como o nosso. Juristas discutem se o presidente do Supremo tem ou não jurisdição para mandar destruir as escutas em que intervém o primeiro-ministro; peritos tentam, sem êxito, decifrar as enigmáticas palavras do PGR; gastam-se meninges para compreender o que cada interveniente quer dizer com frases indirectas que em nada se destinam ao esclarecimento de quem quer que seja. Os próprios crimes têm nomes estranhos como "atentado ao Estado de Direito", sendo que isto tanto pode ser matar o Presidente da República, como manipular um magistrado ou dar dinheiro a um amigo para comprar uma televisão, ou salvar um jornal falido. E as leis são tortuosas, parecem propositadamente feitas para que jamais se entendam sem a adequada gritaria, o chinfrim. O primeiro-ministro indigna-se e recusa-se a responder a qualquer pergunta, dizendo que não interfere na Justiça. Mas, duas horas depois, uns ministros dizem que aquele assunto do âmbito da Justiça, do qual a política devia andar arredada é, afinal espionagem política, esperando que acreditemos que espionagem política se faz investigando um sucateiro (e agora me ocorre que, se calhar, o país ainda é pior do que eu supunha). Os casos sucedem-se; apoiantes de Sócrates apresentam-no como um Cristo; Dias Loureiro é cristíssimo; Armando Vara é injustiçado; Oliveira Costa, um desgraçado. E, claro, todos são inocentes até prova em contrário; e até haver prova todos são vítimas. No fim, no meio da confusão instalada, todos acabam absolvidos. Portugal não tem, afinal, um corrupto que se veja! No dia-a-dia o país encolhe os ombros e já não distingue honesto de vigarista, homem honrado de videirinho. Paga assim o justo pelo pecador, e safa-se o pecador por justo. Só há um consenso alargado entre políticos e magistrados. Um consenso que abarca quem está envolvido em escândalos e quem não está: a culpa é da violação do segredo de Justiça. De facto, sabemos que a Justiça não funciona e que a corrupção grassa porque nas redacções dos jornais se viola o segredo de Justiça! Se não se violasse, nada disto se saberia... Ora aí está uma evidência! E digo mais: basta ler os dois comunicados de Sexa, o PGR, e de Sexa, o presidente do Supremo Tribunal, para ficar elucidado... de absolutamente nada. Mas, também, que raio temos a ver com o que se passa no país? Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 21 de Novembro de 2009 Uma séria questão de confiança Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 16 de novembro de 2009 A um primeiro-ministro não se reconhece só direitos; exige-se-lhe também os correspondentes deveres. Se tem prorrogativas próprias, tem deveres próprios. Um deles é o do cabal esclarecimento. Em Portugal há coisas que se sabem. Sabem-se, ponto final. E entre as coisas que se sabem, uma delas é que uma conversa telefónica entre Sócrates e o seu amigo Armando Vara poderá conter indícios de eventuais ilegalidades. Ora isto não cabe à opinião pública avaliar. Toda a gente - incluindo os arguidos Godinho e Vara - é inocente até prova em contrário e é à Justiça que cabe essa avaliação. Porém, o que foi dito e escrito passou para a polis. E o que a líder do PSD disse no Parlamento também agora está no domínio público. Há, pois, uma parte em toda esta conversa que é do domínio da política e deve ser esclarecida, independentemente de a investigação determinar se há, ou não, algo mais a inquirir. Não sendo jurista, compreendo que as escutas que envolvem o primeiro-ministro devam ser anuladas. O país não pode viver sob escuta permanente e o que o cidadão Sócrates partilha com amigos, o modo mais ou menos elegante como se refere a outras personalidades e as formas vernaculares que usa (ou não) são indiferentes para o nosso julgamento político. O primeiro-ministro não deve, porém, esquecer quem é: o número três do Estado, o chefe do poder Executivo. Por isso mesmo não pode deixar que sobre ele recaia qualquer dúvida. Como já o afirmei a propósito do 'caso Freeport' (em que cada vez mais estou convencido que é inocente), Sócrates devia tomar a iniciativa do esclarecimento. Não se trata de divulgar as suas conversas privadas com amigos (argumento utilizado por Jorge Lacão para rebater esta necessidade de transparência). Nada disso! Basta uma declaração simples, que aliás o Expresso lhe pediu, como era nosso dever. Uma declaração em que o primeiro-ministro tranquilize os portugueses, assegurando-lhes que nenhuma conversa sua versou ou induziu a prática de qualquer acto menos próprio. Eis uma pequena frase que qualquer cidadão pode dizer sem violar qualquer segredo de Justiça, sem se antecipar a qualquer julgamento, sem estar a prejudicar qualquer investigação. E que nos é devida - a nós cidadãos, aos que o elegeram e aos que contra ele votaram -, porque todos temos de ter toda a confiança em quem toma decisões que nos afectam, em quem nos representa em que fala por nós.

Não se trata, sequer, de lhe pedir algo que não se pedisse (nos devidos fóruns - emprego, família, círculo de amigos) a outro cidadão qualquer sobre o qual recaíssem suspeitas, ainda que remotas e não fundamentadas. O círculo de Sócrates é todo o país, e para uma declaração tão simples como esta basta, afinal, ter a consciência tranquila. Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 14 de Novembro de 2009 Um sintoma certo de podridão Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 9 de novembro de 2009 O 'sucatagate' é o sinal mais claro de uma promiscuidade revoltante entre política, negócios e gente sem escrúpulos. É um sintoma de podridão e uma machadada na credibilidade do Estado. A primeira coisa a dizer é que no 'Face Oculta' toda a gente é inocente até prova em contrário, aliás como em todos os processos. Mas, ou esta suspeita da PJ é inventada - no que não acredito - ou, independentemente de se apurar quem está e não está criminosamente envolvido, podemos retirar certas conclusões preocupantes. Na compra e venda de sucatas começa logo por haver um indício estranho: negócios feitos com empresas onde o Estado se conta entre os principais accionistas que, aparentemente, dão muito dinheiro a ganhar a um empresário cujas empresas têm 16 contra-ordenações ambientais (entre 2003 e 2009), além de estarem envolvidas em diversos processos judiciais. Não é razoável empresas onde está envolvido dinheiro dos contribuintes lidarem com empresários assim. Mais: quadros dessas empresas receberiam dinheiro e presentes diversos desse prestador de serviços, apesar de todos eles seguramente saberem que, se "não há almoços grátis", muito menos há Mercedes ou relógios de marca. Haverá também administradores nomeados pelo Estado que serão convivas desse empresário que colecciona contra-ordenações e processos. E existirá mesmo quem sendo muito próximo e amigo de gente bem colocada no Estado e no Governo está acusado de, a troco de dinheiro, abrir portas ao dito empresário. Independente dos nomes mais ou menos sonantes que venham a ser considerados culpados, esta história é já um sinal claríssimo do modo como as empresas estatais, ou onde o Estado tem grandes interesses, tratam o nosso dinheiro. Apesar de, há mais de 10 anos, existirem denúncias sobre a forma como sucatas têm vindo a ser negociadas, ninguém terá averiguado ou querido saber. Pelo contrário, o negócio rolou até que alguém na PJ começou a puxar as pontas do novelo. Enfim, gestores nomeados pelo Governo, quadros que são da sua confiança e diversos pequenos, médios ou mesmo grandes boys parecem achar normal conviver com pessoas de conduta duvidosa que lhes oferecem dinheiro, presentes, favores. "Está tudo podre", eis a frase que se ouve. É este, de facto, o melhor resumo do 'sucatagate'. PS: Como declaração de interesses direi que Armando Vara me moveu um processo - o único em que fui pessoalmente visado em mais de 30 anos de carreira. Acusa-me o ex-dirigente do PS por, em Fevereiro de 2008, ter escrito, como opinião, que o código ético dos políticos deveria reprovar condutas como a sua. Vara pede-me 150 mil euros por ter ficado magoado com o texto. Eu reafirmo-o integralmente. Texto publicado na edição do Expresso de 7 de Novembro de 2009 Governo, acordos e boa vontade Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 8:00 Segunda feira, 19 de outubro de 2009 Ninguém se surpreendeu com a indisponibilidade da oposição para fazer acordos com o PS. O modo agressivo como decorreu a campanha inviabilizou uma solução maioritária. Agora resta o bom senso. Existirá? José Sócrates terminou a ronda pelos partidos com uma constatação que todos nós sabíamos: ninguém quer ir para o Governo com o PS. Surpresa era que alguém estivesse disposto, depois de um Governo que fez da oposição um inimigo e de uma campanha repleta de violência verbal de parte a parte. O PS optou, assim, pelo que já sabíamos que ia optar: um Governo minoritário. Nas circunstâncias actuais, reconheço que é o melhor que pode fazer. Mas não deixo de lamentar que perante a crise e a situação gravíssima do país, não fosse possível mais representatividade na condução do barco. De salientar, no entanto, a "responsabilidade" que, segundo Sócrates, todos os partidos mostraram. Porém, salvo o CDS (talvez com pormenor a mais), nenhum deles colocou claramente as suas condições políticas. O PSD (agora é preciso dizer esta direcção do PSD) entrou mesmo numa deriva que leva o partido a não querer tomar parte em qualquer decisão importante para o país, o que ficou claro quando Pacheco Pereira disse logo na noite eleitoral que os deputados sociais-democratas devem votar contra o Orçamento. Ou seja, mesmo sem o conhecer, mesmo sem saber se o PS estaria disposto a integrar alguns pontos decisivos para o PSD, Pacheco é contra. Por este caminho, os sociais-democratas serão exactamente a oposição que Sócrates adora: destrutiva, argumentativa e pouco inteligente. Uma bênção! Que os partidos à esquerda procedam assim, é normal. Infelizmente, nem o Bloco nem o PCP ultrapassaram a fase meramente reivindicativa para integrarem uma cultura de poder e de responsabilidade. E são necessários partidos assim em qualquer sistema político, o espanto é que juntos somem quase 20 por cento do eleitorado. Até agora, portanto, o roteiro correu bem a Sócrates. Mas há que o seguir com atenção daqui para a frente. Se o nome escolhido para presidente da AR era evidente, o que avançou para líder parlamentar - Francisco Assis - foi um bom sinal de abertura (embora o antecessor fosse igualmente capaz no diálogo, poderia estar marcado pelo estigma da maioria absoluta). Resta ver os nomes que escolherá para o Governo e que programa este apresentará. Os sinais são agora muito mais importantes do que as palavras. Não basta dizer que se tentou e outros não quiseram. É preciso continuar a tentar a estabilidade com bom senso e espírito de abertura e diálogo. O eleitorado não quis um partido apenas a mandar. É preciso que Sócrates o entenda completamente. Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 17 de Outubro de 2009 Combater a pobreza e a emigração Henrique Monteiro (www.expresso.pt) 8:00 Terça feira, 13 de outubro de 2009 Sendo um dos melhores países a acolher imigrantes, Portugal continua a ser um país de emigrantes. Isto significa que os melhores vão embora, não por falta de apoios sociais, mas por falta de oportunidades. A distinção com que Portugal foi brindado pela ONU no que toca ao modo como recebe os imigrantes, honra-nos. Pessoalmente, sempre fui a favor da abertura dos países - sobretudo de um país como o nosso - aos imigrantes de todo o mundo, os quais devem usufruir de todos os direitos essenciais, desde que cumpram todos os deveres que são impostos à comunidade. A minorar esta distinção, que é mérito do Governo - porque o Governo tendo responsabilidades, há-de ter os correspondentes louvores -, temos um número terrível: por cada 15 novos imigrantes que chegam, 100 portugueses partem do país, segundo um estudo de Helena Rato, do Instituto Nacional de Administração. Ou seja, o nosso saldo demográfico é negativo e, pior do que isso, devemos estar a deixar fugir qualificação. Mas porque partirão estes portugueses? Por não terem emprego, é quase certo. Mas, acima de tudo, por não haver em Portugal oportunidades suficientes; porque, em matéria de apoio social prestado aos desempregados e pobres não se poderão queixar do país, que os tem disponibilizado de forma crescente. Vejamos, a este respeito, números divulgados esta semana: só o Rendimento Social de Inserção foi este ano distribuído a mais 11,3% das pessoas, atingindo um número recorde de 385 164 beneficiários. O Governo deveria, pois, dar prioridade não apenas ao emprego, mas ao apoio às famílias e à mobilidade no emprego, para não continuar apenas a subsidiar quase indiscriminadamente quem recorre ao Estado. Se repararmos bem nos indicadores, verificamos que há imenso a fazer no campo do combate à pobreza e à desistência social, se houver criatividade e, sobretudo, justiça. O fim da protecção cega ao emprego de modo a permitir que quem não o tem a ele aceda é apenas um exemplo. Outro, é a prevenção da gravidez na adolescência e das famílias monoparentais, que são hoje duas das principais causas de pobreza. Mas há, seguramente, muitos outros aspectos escondidos ou nunca referidos por politicamente incorrectos e se terem tornado dogmas de certa esquerda. Se o Estado não atender a estes e outros problemas relacionados com a pobreza, limita-se a actuar a jusante, quando eles já são insolúveis. E, de um país assim, fogem aqueles que querem singrar na vida, progredir, ter um emprego, uma casa, uma família. Como nos anos 60 fugiram das aldeias os melhores, hoje em dia fogem dos subúrbios aqueles que não se rendem a uma vida de dependência, sem rumo, sem luta e sem dignidade. Henrique Monteiro Texto publicado na edição do Expresso de 9 de Outubro de 2009 Pág. 1 de 5 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | ... » Ver 10, 20, 50 resultados por pág.

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