O que acontece se o Novo Banco for vendido com prejuízo?

22-11-2014
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O que acontece se o Novo Banco for vendido com prejuízo?

Filipe Alves

filipe.alves@economico.pt

22 Set 2014

Na semana passada, numa intervenção em que disse, entre outras coisas, que apoia a 100% as medidas tomadas pelo Banco de Portugal (BdP) no caso BES, o primeiro-ministro referiu que "os bancos concorrentes são accionistas do Novo Banco e não podem ter essa interrogação nos seus balanços".

Passos Coelho queria com isto dizer que os bancos, enquanto contribuintes forçados do Fundo de Resolução (FR), têm o direito de exigir uma venda rápida do Novo Banco, já que terão de cobrir o diferencial entre o valor da venda e os 4,9 milhões de euros que o Estado injectou na instituição, por via do FR.

Num país onde o que os poderosos dizem parece ter mais valor do que as palavras vertidas na lei, a frase do primeiro-ministro passou despercebida. Porém, quem conhece a diferença entre "accionista" e "contribuinte" não pode deixar de franzir o sobrolho.

Porque o termo "accionista" implica dois pressupostos básicos: a propriedade de algo e a existência de um determinado empreendimento com fins lucrativos. Ambos não se aplicam neste caso, não só porque o FR não tem fins lucrativos, mas sobretudo porque os bancos não são donos desta entidade, que é do Estado. E, não sendo donos do Fundo, também não são proprietários do Novo Banco. Os bancos são contribuintes do FR, tal como, por exemplo, os comuns cidadãos e empresas contribuem para a Segurança Social. Os dinheiros do FR são públicos e a capitalização do Novo Banco deverá agravar o défice do Estado no equivalente a 2,9 pontos percentuais do PIB. E o empréstimo de 700 milhões que os bancos fizeram ao FR será contabilizado como dívida pública. Ou seja, dívida de todos nós.

Neste âmbito, o papel dos bancos é garantirem que o FR - leia-se, o Estado - receberá de volta o montante que injectou, cobrindo eventuais prejuízos. O Governo, o BdP e a gestão do FR devem auscultar os bancos e ser sensíveis às suas reivindicações, dado que estes, enquanto contribuintes do Fundo, assumem o risco do Novo Banco; mas as autoridades não podem esquecer que o Estado tem interesses a defender, ao contrário do que sugere um Passos Coelho que busca a reeleição e foge do BES como o diabo da cruz.

E que acontecerá se, como tudo indica, o Novo Banco for vendido por menos de 4,9 mil milhões de euros?

Suponhamos que alguém o compra por 1,5 mil milhões. Quem cobre o prejuízo de 3,4 mil milhões? Os bancos portugueses têm capacidade para pagarem a pronto um valor dessa grandeza?

Provavelmente não. O que obrigará ao pagamento faseado do valor em falta, ao longo de vários anos, transformando uma medida de resolução de curto-prazo num novo empréstimo do Estado ao conjunto do sector bancário. Sem que, desta vez, o Estado possa cobrar juros de 9% ao ano e ter representantes nas administrações dos bancos, para defender os seus interesses, como sucedeu nas capitalizações do BCP, BPI e Banif, com ‘CoCo bonds', no tempo da ‘troika'. Por outro lado, com perdas dessa grandeza, o risco do BES/Novo Banco contaminará o conjunto do sistema bancário. Como disse Fernando Ulrich, presidente do BPI, os outros bancos não vão à falência, mas "será duro, muito duro".

Somando a isto o elevado risco de litigância (estão a "chover" processos judiciais de investidores que se sentem lesados), tudo indica que o Governo, o Banco de Portugal e as autoridades europeias poderão ter cometido um erro gravíssimo ao optarem pela resolução de um banco com a dimensão do antigo BES. Um aumento de capital subscrito pelo Estado ('CoCo bonds') e por accionistas privados poderia ter sido a melhor opção para todas as partes.

Nos anos vindouros, burocratas de Frankfurt e Bruxelas farão ‘powerpoints' com as "lições" a extrair desta experiência. À nossa custa.

O que acontece se o Novo Banco for vendido com prejuízo?

Filipe Alves

filipe.alves@economico.pt

22 Set 2014

Na semana passada, numa intervenção em que disse, entre outras coisas, que apoia a 100% as medidas tomadas pelo Banco de Portugal (BdP) no caso BES, o primeiro-ministro referiu que "os bancos concorrentes são accionistas do Novo Banco e não podem ter essa interrogação nos seus balanços".

Passos Coelho queria com isto dizer que os bancos, enquanto contribuintes forçados do Fundo de Resolução (FR), têm o direito de exigir uma venda rápida do Novo Banco, já que terão de cobrir o diferencial entre o valor da venda e os 4,9 milhões de euros que o Estado injectou na instituição, por via do FR.

Num país onde o que os poderosos dizem parece ter mais valor do que as palavras vertidas na lei, a frase do primeiro-ministro passou despercebida. Porém, quem conhece a diferença entre "accionista" e "contribuinte" não pode deixar de franzir o sobrolho.

Porque o termo "accionista" implica dois pressupostos básicos: a propriedade de algo e a existência de um determinado empreendimento com fins lucrativos. Ambos não se aplicam neste caso, não só porque o FR não tem fins lucrativos, mas sobretudo porque os bancos não são donos desta entidade, que é do Estado. E, não sendo donos do Fundo, também não são proprietários do Novo Banco. Os bancos são contribuintes do FR, tal como, por exemplo, os comuns cidadãos e empresas contribuem para a Segurança Social. Os dinheiros do FR são públicos e a capitalização do Novo Banco deverá agravar o défice do Estado no equivalente a 2,9 pontos percentuais do PIB. E o empréstimo de 700 milhões que os bancos fizeram ao FR será contabilizado como dívida pública. Ou seja, dívida de todos nós.

Neste âmbito, o papel dos bancos é garantirem que o FR - leia-se, o Estado - receberá de volta o montante que injectou, cobrindo eventuais prejuízos. O Governo, o BdP e a gestão do FR devem auscultar os bancos e ser sensíveis às suas reivindicações, dado que estes, enquanto contribuintes do Fundo, assumem o risco do Novo Banco; mas as autoridades não podem esquecer que o Estado tem interesses a defender, ao contrário do que sugere um Passos Coelho que busca a reeleição e foge do BES como o diabo da cruz.

E que acontecerá se, como tudo indica, o Novo Banco for vendido por menos de 4,9 mil milhões de euros?

Suponhamos que alguém o compra por 1,5 mil milhões. Quem cobre o prejuízo de 3,4 mil milhões? Os bancos portugueses têm capacidade para pagarem a pronto um valor dessa grandeza?

Provavelmente não. O que obrigará ao pagamento faseado do valor em falta, ao longo de vários anos, transformando uma medida de resolução de curto-prazo num novo empréstimo do Estado ao conjunto do sector bancário. Sem que, desta vez, o Estado possa cobrar juros de 9% ao ano e ter representantes nas administrações dos bancos, para defender os seus interesses, como sucedeu nas capitalizações do BCP, BPI e Banif, com ‘CoCo bonds', no tempo da ‘troika'. Por outro lado, com perdas dessa grandeza, o risco do BES/Novo Banco contaminará o conjunto do sistema bancário. Como disse Fernando Ulrich, presidente do BPI, os outros bancos não vão à falência, mas "será duro, muito duro".

Somando a isto o elevado risco de litigância (estão a "chover" processos judiciais de investidores que se sentem lesados), tudo indica que o Governo, o Banco de Portugal e as autoridades europeias poderão ter cometido um erro gravíssimo ao optarem pela resolução de um banco com a dimensão do antigo BES. Um aumento de capital subscrito pelo Estado ('CoCo bonds') e por accionistas privados poderia ter sido a melhor opção para todas as partes.

Nos anos vindouros, burocratas de Frankfurt e Bruxelas farão ‘powerpoints' com as "lições" a extrair desta experiência. À nossa custa.

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