Funes, el memorioso: A obsessão infantocêntrica

03-07-2011
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Sei que vou ser polémica neste post, mas isso é algo a que já me habituei e que tenho que confessar que não me incomoda nada. Tinha que o escrever, depois de tantas experiências socialmente elucidativas sobre este tema. Desde muito jovem que decidi não ter filhos. Nunca os quis ter, nunca senti qualquer apelo ou atracção pela maternidade, e, com a experiência da vida e a maturidade, a falta de desejo de ter filhos transformou-se num desejo de não os ter. A escolha passou a ser uma escolha positiva, e não passiva. E é uma decisão consciente, informada e ponderada, sendo que entra em linha de conta com todos os argumentos que as pessoas normalmente usam, e que não fazem qualquer sentido para mim: - “Como sabes que não te vais arrepender? Exactamente como tu sabes que não te arrependerás de os ter. - “Então, e depois quando envelheceres, não tens ninguém para cuidar de ti?” Como se fosse justo ter filhos para eles cuidarem de nós quando estivermos acamados, e como se não houvesse tantos velhos com filhos a morrer sozinhos. - “A vida tem outro sentido, sabes? Os filhos enchem uma vida, enchem uma casa” Como se a minha vida não tivesse todo o sentido por mim mesma, e não pudesse ser tão ou mais significativa. E como se não houvesse outras relações que podem enriquecer a vida de alguém que não as filiais. Não se trata da escolha maioritária, mas acho que não tem que ser vista por ninguém como anómala ou estranha. Na verdade, para mim é tão natural o meu desejo de não ter filhos, como o da maioria das pessoas de os ter. Assim como não acho que seja mais altruísta decidir ter filhos do que decidir não os ter. É certo que há muito de individualista na minha opção: liberdade, independência, disponibilidade, hedonismo, tempo, espaço, etc. Mas os motivos que as pessoas invocam para defender as alegrias de ter filhos são, por norma, também profundamente egoístas: medo da solidão, presente e futura, vontade de perpetuar os seus genes, projectar os seus ideais de educação, preenchimento de uma vida, realização pessoal. Toda a gente age por egoísmo. O tipo de escolha é que varia consoante os interesses e os medos de cada um, que são diferentes. Há quem se sinta oprimido com o calma e a ordem de uma casa apenas frequentada por adultos, ou com a solidão silenciosa de uma casa vazia, e há quem deseje isso mais que tudo. Há quem se arrepie com a ideia de andar com um miúdo atrás para todo o lado, e há quem adore a ideia. Tão simples quanto isso. Mas a nossa sociedade não vê as duas escolhas como igualmente válidas. Para a opinião colectiva, a minha escolha é menos nobre que a dos pais. E é sobre isto que este post versa. Quero dar-vos a visão do “outro lado”. Entenda-se que eu não tenho absolutamente nada contra a escolha de vida de quem tem filhos. Nem contra as crianças. As pessoas que mais amo são ou serão mães e pais e acho tanta piada aos miúdos como qualquer outra pessoa. O que não significa que queira ter uns meus, ou que queira cuidar de um outro ser durante duas décadas. E acredito piamente que os filhos encham de felicidade a vida de alguém. Tal como as minhas escolhas de vida enchem a minha. O que tenho é dificuldade em entender a justiça de uma sociedade infantocêntrica em que se coloca alguém num pedestal por ter feito uma opção de vida – ter filhos – e se encara com suspeição quem faça a opção contrária. No meu local de trabalho, se alguém tem uma festinha da escola do miúdo, ou uma reunião de pais e precisa de faltar e me pede para o substituir, age com a convicção e à vontade de estar no exercício de um direito. Se eu peço a alguém para me substituir para eu tratar de um assunto meu, já é um pedido mal visto. Ou, pelo menos, um grande favor. Um direito vs. um favor. Ao longo da minha carreira, já substituí incontáveis licenças de maternidade e paternidade de colegas. Sempre vi questões familiares serem desculpa e justificação cabal para todo o tipo de atrasos, falhas e saídas mais cedo. Nada errado nisso. Apenas acharia justo o mesmo tratamento quando tenho assuntos meus para tratar. Por outro lado, deixou de haver espaços só para adultos. Para se estar descansado e sem barulho, a falar ou a usufruir do silêncio ou de um local aprazível, sem um puto vir gritar aos nossos ouvidos. É claro que tem que haver espaços para crianças. Mas fazer de todos os espaços e locais children-friendly é uma obsessão publicitáriamente vantajosa (a maioria manda), mas com custos para outros. Outro exemplo de marketing absurdo é a brilhante ideia dos lugares de estacionamento perto das portas dos centros comerciais, estarem reservados a pessoas com carrinhos de bébé e a grávidas. Se o critério é a dificuldade de locomoção, por que não um “lugar para idoso” ou um “lugar para pessoa com artrite”, partindo do princípio que estes não se enquadram na categoria de deficientes que têm lugares próprios? E os dísticos para automóvel? “Baby on board”, “Matilde a bordo”. Isto porque a vida da Matilde, por ter 3 anos, vale mais do que a da Maria que tem 40 ou a do João que tem 60. E porque um condutor irresponsável a efectuar uma ultrapassagem perigosa, certamente vai pensar duas vezes porque vai uma criancinha no carro da frente, e será muito mais cuidadoso. Difícil imaginar algo mais idiota. Isto para não falar do monopólio que a temática adquire em tudo quanto é conversa. Uma grande parte (sobretudo) das mães julga que o mundo gira em torno dos seus filhos. Perdem os interesses que tinham antes da maternidade. Não desenvolvem outros que poderiam ter. Fecham as portas. Lembro-me de uma vez, uma mulher outrora interessante, ter estado meia hora a expor-me os diversos lados da questão dos boiões de alimentação para bebés, e seus constituintes, mesmo apesar de eu não esconder o meu total desinteresse sobre o tema, e tentar, em vão, puxar outros assuntos. Infelizmente, muita gente perde a identidade, a vida própria, a luta pela realização pessoal, que não é, nem pode ser, a realização por intermédio de outro ser (felizmente, também, há quem saiba manter este equilíbrio). As otites, constipações, e viroses dos putos são também a agenda dominante dos coffee-breaks femininos. Conheço bem a consistência do cocó dos filhos das minhas amigas, bem como a cor das suas secreções nasais. E é suposto que eu mostre simpatia e interesse por estes temas. São exemplos simples, mas todos giram em torno da ideia fulcral, e essa é que eu questiono: a de que os progenitores estão incumbidos de uma missão nobre que se sobrepõe a todas as outras. E que é tão nobre que exige que toda a sociedade se vergue e preste vassalagem, que se sacrifique “para ajudar” quando se trata - mais uma vez reafirmo - de uma opção pessoal. Não conto que ninguém me ajude quando ando a trocar de casa, ou quando inicio qualquer projecto meu. Discordo sempre quando me dizem que essas crianças descontarão para a minha reforma e pagarão impostos para mim, e por isso tenho que lhes estar grata. Infelizmente, a minha reforma poderia ser boa, se eu viesse a receber tudo o que eu própria ando a descontar. Mas não receberei. Muito menos o que as crianças de hoje descontarão. É obvio que sem crianças, a raça humana não se renovaria e acabaria por se extinguir. Mas, em primeiro lugar, a renovação necessária dar-se-ia sempre, nem que fosse pela sobrepopulação dos países subdesenvolvidos. E, em segundo lugar, sei que ninguém que eu conheço tem filhos por este motivo. Conhecem alguém? E é claro que é belo o acto de criar um novo ser. Mas, convenhamos, é uma beleza que perpassa toda a natureza, comum aos humanos racionais e ao mais simples insecto ou ave. Os animais procriam por instinto e o acto é igualmente mágico, porque faz parte do mistério da vida e da criação divina. Nenhum humano merece um troféu pelo acto de procriar. E, sinceramente, de todos os argumentos que já ouvi, nenhum deles me convence que alguém sem filhos tenha que contribuir com o seu sacrifício social ou pessoal em prol da opção de alguém de ter filhos. Trata-se disso mesmo (e corro o risco de me tornar repetitiva): uma opção. Respeitável, exactamente como a minha. Por outro lado, também acho que alguém que decide ter filhos, torna-se incoerente ao andar permanentemente a vestir o papel de mártir, na sequência dos aspectos mais difíceis que essa escolha encerra. “Ando exausta. Não tenho tempo para nada. Não tenho dinheiro para nada.”. Se os lados positivos da maternidade foram superiores aos negativos ao ponto de levar a pessoa a optar pela positiva, então que sentido faz mostrar-se ao mundo como uma vítima? Teoricamente, a não ser que a pessoa não soubesse minimamente o que está em causa (e então, não tem senso comum nem cérebro), optou por aquilo que para si era “o melhor”. E vai queixar-se? Não falo do normal desabafo humano. Esse é compreensível. Falo da teatral personificação da abnegação parental, tão comum. Não compreendo… É claro que também conheço pais e mães equilibrados, cheios de bom senso e que nada têm em comum com estes traços. E alguns futuros pais e mães em que deposito uma grande esperança de sensatez. Infelizmente, são uma minoria. Por último, uma nota sobre a leviandade com que as pessoas encostam à parede os adultos sem filhos. A primeira coisa que me perguntam quando chego a um determinado meio, grupo social, ou profissional, é se tenho filhos, e, como ainda estou em idade de os ter, quando planeio tê-los. Ora isto para mim, para além de já comum e habitual, não me incomoda, porque esta questão é para mim pacífica e bem resolvida. Mas essas pessoas que perguntam, não se preocupam em equacionar que a sua interlocutora poderia não conseguir ter filhos e sofrer com isso. Foi uma amiga nestas circunstâncias que me pôs a pensar nisto. É tão socialmente correcto partir do princípio de que “o normal é ter filhos”, e que “é anormal quem não os tem” que essas perguntas não guardam o mesmo pudor que devem guardar outras temáticas respeitantes à saúde ou à sexualidade de cada um. Eu não pergunto a um colega novo: “Olha lá, tu és homossexual?”, ou “Então, ouvi dizer que tens um cancro?”. Não ter filhos pode ser uma opção feliz ou uma inevitabilidade. Seja qual for o caso, é uma questão da vida íntima e privada, e não é pergunta que se lance a desconhecidos. Vou calar-me. Havia tanto para dizer sobre este tema. Talvez se venha a justificar outro post depois de alguns leitores me mostrarem as suas garras parentais.


Sei que vou ser polémica neste post, mas isso é algo a que já me habituei e que tenho que confessar que não me incomoda nada. Tinha que o escrever, depois de tantas experiências socialmente elucidativas sobre este tema. Desde muito jovem que decidi não ter filhos. Nunca os quis ter, nunca senti qualquer apelo ou atracção pela maternidade, e, com a experiência da vida e a maturidade, a falta de desejo de ter filhos transformou-se num desejo de não os ter. A escolha passou a ser uma escolha positiva, e não passiva. E é uma decisão consciente, informada e ponderada, sendo que entra em linha de conta com todos os argumentos que as pessoas normalmente usam, e que não fazem qualquer sentido para mim: - “Como sabes que não te vais arrepender? Exactamente como tu sabes que não te arrependerás de os ter. - “Então, e depois quando envelheceres, não tens ninguém para cuidar de ti?” Como se fosse justo ter filhos para eles cuidarem de nós quando estivermos acamados, e como se não houvesse tantos velhos com filhos a morrer sozinhos. - “A vida tem outro sentido, sabes? Os filhos enchem uma vida, enchem uma casa” Como se a minha vida não tivesse todo o sentido por mim mesma, e não pudesse ser tão ou mais significativa. E como se não houvesse outras relações que podem enriquecer a vida de alguém que não as filiais. Não se trata da escolha maioritária, mas acho que não tem que ser vista por ninguém como anómala ou estranha. Na verdade, para mim é tão natural o meu desejo de não ter filhos, como o da maioria das pessoas de os ter. Assim como não acho que seja mais altruísta decidir ter filhos do que decidir não os ter. É certo que há muito de individualista na minha opção: liberdade, independência, disponibilidade, hedonismo, tempo, espaço, etc. Mas os motivos que as pessoas invocam para defender as alegrias de ter filhos são, por norma, também profundamente egoístas: medo da solidão, presente e futura, vontade de perpetuar os seus genes, projectar os seus ideais de educação, preenchimento de uma vida, realização pessoal. Toda a gente age por egoísmo. O tipo de escolha é que varia consoante os interesses e os medos de cada um, que são diferentes. Há quem se sinta oprimido com o calma e a ordem de uma casa apenas frequentada por adultos, ou com a solidão silenciosa de uma casa vazia, e há quem deseje isso mais que tudo. Há quem se arrepie com a ideia de andar com um miúdo atrás para todo o lado, e há quem adore a ideia. Tão simples quanto isso. Mas a nossa sociedade não vê as duas escolhas como igualmente válidas. Para a opinião colectiva, a minha escolha é menos nobre que a dos pais. E é sobre isto que este post versa. Quero dar-vos a visão do “outro lado”. Entenda-se que eu não tenho absolutamente nada contra a escolha de vida de quem tem filhos. Nem contra as crianças. As pessoas que mais amo são ou serão mães e pais e acho tanta piada aos miúdos como qualquer outra pessoa. O que não significa que queira ter uns meus, ou que queira cuidar de um outro ser durante duas décadas. E acredito piamente que os filhos encham de felicidade a vida de alguém. Tal como as minhas escolhas de vida enchem a minha. O que tenho é dificuldade em entender a justiça de uma sociedade infantocêntrica em que se coloca alguém num pedestal por ter feito uma opção de vida – ter filhos – e se encara com suspeição quem faça a opção contrária. No meu local de trabalho, se alguém tem uma festinha da escola do miúdo, ou uma reunião de pais e precisa de faltar e me pede para o substituir, age com a convicção e à vontade de estar no exercício de um direito. Se eu peço a alguém para me substituir para eu tratar de um assunto meu, já é um pedido mal visto. Ou, pelo menos, um grande favor. Um direito vs. um favor. Ao longo da minha carreira, já substituí incontáveis licenças de maternidade e paternidade de colegas. Sempre vi questões familiares serem desculpa e justificação cabal para todo o tipo de atrasos, falhas e saídas mais cedo. Nada errado nisso. Apenas acharia justo o mesmo tratamento quando tenho assuntos meus para tratar. Por outro lado, deixou de haver espaços só para adultos. Para se estar descansado e sem barulho, a falar ou a usufruir do silêncio ou de um local aprazível, sem um puto vir gritar aos nossos ouvidos. É claro que tem que haver espaços para crianças. Mas fazer de todos os espaços e locais children-friendly é uma obsessão publicitáriamente vantajosa (a maioria manda), mas com custos para outros. Outro exemplo de marketing absurdo é a brilhante ideia dos lugares de estacionamento perto das portas dos centros comerciais, estarem reservados a pessoas com carrinhos de bébé e a grávidas. Se o critério é a dificuldade de locomoção, por que não um “lugar para idoso” ou um “lugar para pessoa com artrite”, partindo do princípio que estes não se enquadram na categoria de deficientes que têm lugares próprios? E os dísticos para automóvel? “Baby on board”, “Matilde a bordo”. Isto porque a vida da Matilde, por ter 3 anos, vale mais do que a da Maria que tem 40 ou a do João que tem 60. E porque um condutor irresponsável a efectuar uma ultrapassagem perigosa, certamente vai pensar duas vezes porque vai uma criancinha no carro da frente, e será muito mais cuidadoso. Difícil imaginar algo mais idiota. Isto para não falar do monopólio que a temática adquire em tudo quanto é conversa. Uma grande parte (sobretudo) das mães julga que o mundo gira em torno dos seus filhos. Perdem os interesses que tinham antes da maternidade. Não desenvolvem outros que poderiam ter. Fecham as portas. Lembro-me de uma vez, uma mulher outrora interessante, ter estado meia hora a expor-me os diversos lados da questão dos boiões de alimentação para bebés, e seus constituintes, mesmo apesar de eu não esconder o meu total desinteresse sobre o tema, e tentar, em vão, puxar outros assuntos. Infelizmente, muita gente perde a identidade, a vida própria, a luta pela realização pessoal, que não é, nem pode ser, a realização por intermédio de outro ser (felizmente, também, há quem saiba manter este equilíbrio). As otites, constipações, e viroses dos putos são também a agenda dominante dos coffee-breaks femininos. Conheço bem a consistência do cocó dos filhos das minhas amigas, bem como a cor das suas secreções nasais. E é suposto que eu mostre simpatia e interesse por estes temas. São exemplos simples, mas todos giram em torno da ideia fulcral, e essa é que eu questiono: a de que os progenitores estão incumbidos de uma missão nobre que se sobrepõe a todas as outras. E que é tão nobre que exige que toda a sociedade se vergue e preste vassalagem, que se sacrifique “para ajudar” quando se trata - mais uma vez reafirmo - de uma opção pessoal. Não conto que ninguém me ajude quando ando a trocar de casa, ou quando inicio qualquer projecto meu. Discordo sempre quando me dizem que essas crianças descontarão para a minha reforma e pagarão impostos para mim, e por isso tenho que lhes estar grata. Infelizmente, a minha reforma poderia ser boa, se eu viesse a receber tudo o que eu própria ando a descontar. Mas não receberei. Muito menos o que as crianças de hoje descontarão. É obvio que sem crianças, a raça humana não se renovaria e acabaria por se extinguir. Mas, em primeiro lugar, a renovação necessária dar-se-ia sempre, nem que fosse pela sobrepopulação dos países subdesenvolvidos. E, em segundo lugar, sei que ninguém que eu conheço tem filhos por este motivo. Conhecem alguém? E é claro que é belo o acto de criar um novo ser. Mas, convenhamos, é uma beleza que perpassa toda a natureza, comum aos humanos racionais e ao mais simples insecto ou ave. Os animais procriam por instinto e o acto é igualmente mágico, porque faz parte do mistério da vida e da criação divina. Nenhum humano merece um troféu pelo acto de procriar. E, sinceramente, de todos os argumentos que já ouvi, nenhum deles me convence que alguém sem filhos tenha que contribuir com o seu sacrifício social ou pessoal em prol da opção de alguém de ter filhos. Trata-se disso mesmo (e corro o risco de me tornar repetitiva): uma opção. Respeitável, exactamente como a minha. Por outro lado, também acho que alguém que decide ter filhos, torna-se incoerente ao andar permanentemente a vestir o papel de mártir, na sequência dos aspectos mais difíceis que essa escolha encerra. “Ando exausta. Não tenho tempo para nada. Não tenho dinheiro para nada.”. Se os lados positivos da maternidade foram superiores aos negativos ao ponto de levar a pessoa a optar pela positiva, então que sentido faz mostrar-se ao mundo como uma vítima? Teoricamente, a não ser que a pessoa não soubesse minimamente o que está em causa (e então, não tem senso comum nem cérebro), optou por aquilo que para si era “o melhor”. E vai queixar-se? Não falo do normal desabafo humano. Esse é compreensível. Falo da teatral personificação da abnegação parental, tão comum. Não compreendo… É claro que também conheço pais e mães equilibrados, cheios de bom senso e que nada têm em comum com estes traços. E alguns futuros pais e mães em que deposito uma grande esperança de sensatez. Infelizmente, são uma minoria. Por último, uma nota sobre a leviandade com que as pessoas encostam à parede os adultos sem filhos. A primeira coisa que me perguntam quando chego a um determinado meio, grupo social, ou profissional, é se tenho filhos, e, como ainda estou em idade de os ter, quando planeio tê-los. Ora isto para mim, para além de já comum e habitual, não me incomoda, porque esta questão é para mim pacífica e bem resolvida. Mas essas pessoas que perguntam, não se preocupam em equacionar que a sua interlocutora poderia não conseguir ter filhos e sofrer com isso. Foi uma amiga nestas circunstâncias que me pôs a pensar nisto. É tão socialmente correcto partir do princípio de que “o normal é ter filhos”, e que “é anormal quem não os tem” que essas perguntas não guardam o mesmo pudor que devem guardar outras temáticas respeitantes à saúde ou à sexualidade de cada um. Eu não pergunto a um colega novo: “Olha lá, tu és homossexual?”, ou “Então, ouvi dizer que tens um cancro?”. Não ter filhos pode ser uma opção feliz ou uma inevitabilidade. Seja qual for o caso, é uma questão da vida íntima e privada, e não é pergunta que se lance a desconhecidos. Vou calar-me. Havia tanto para dizer sobre este tema. Talvez se venha a justificar outro post depois de alguns leitores me mostrarem as suas garras parentais.

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