Funes, el memorioso: Propedêutica da vida

03-07-2011
marcar artigo


Não creio que tivesse uma categoria profissional superior à dos outros trabalhadores nem que ganhasse muito mais. Mas tinha a autoridade que lhe davam os anos e a calvície. Era respeitado.E era impaciente. À mais pequena contrariedade a língua soltava-se-lhe e os impropérios jorravam.“Rais parta o caralho!”: era a expressão que a cada passo lhe saía da boca. Repetia-a por tudo e por nada. Porque tinha trilhado um dedo, porque tinha sujado as calças com óleo, porque não tinha à mão a ferramenta de que necessitava, porque o aprendiz que o devia ajudar tinha desaparecido…”rais parta o caralho!”.Por tudo. E por nada. “Rais parta o caralho!”.De dois em dois minutos, no entanto, alternava a fórmula de endereçamento e o seu grito de raiva era cuspido com mais força e mais ódio ainda:– “Rais parta a piça!" – variava ele então.Acho que foi com o senhor Hilário que eu aprendi que caralho queria dizer piça; que caralho queria dizer qualquer coisa.Fosse ela qual fosse.


Não creio que tivesse uma categoria profissional superior à dos outros trabalhadores nem que ganhasse muito mais. Mas tinha a autoridade que lhe davam os anos e a calvície. Era respeitado.E era impaciente. À mais pequena contrariedade a língua soltava-se-lhe e os impropérios jorravam.“Rais parta o caralho!”: era a expressão que a cada passo lhe saía da boca. Repetia-a por tudo e por nada. Porque tinha trilhado um dedo, porque tinha sujado as calças com óleo, porque não tinha à mão a ferramenta de que necessitava, porque o aprendiz que o devia ajudar tinha desaparecido…”rais parta o caralho!”.Por tudo. E por nada. “Rais parta o caralho!”.De dois em dois minutos, no entanto, alternava a fórmula de endereçamento e o seu grito de raiva era cuspido com mais força e mais ódio ainda:– “Rais parta a piça!" – variava ele então.Acho que foi com o senhor Hilário que eu aprendi que caralho queria dizer piça; que caralho queria dizer qualquer coisa.Fosse ela qual fosse.

marcar artigo